Valentina acordou antes mesmo que os primeiros raios do sol invadissem os vitrais do convento. A luz suave das velas ainda iluminava os corredores frios e silenciosos, onde seus passos ecoavam discretamente. Era um novo dia, e como noviça recém-aceita, ela tinha uma lista de tarefas que lhe eram tanto um fardo quanto uma bênção.
Vestindo o hábito simples e amarrando o véu com cuidado. Valentina sentia o peso das escolhas que a haviam levado até ali. Aos 22 anos, ela havia deixado para trás um mundo cheio de incertezas e uma vida que, apesar de não ser trágica, era cheia de perguntas sem respostas. Aqui, no convento de Sant’Elisa, acreditava ter encontrado paz, um propósito. No entanto, enquanto carregava um balde de água para o jardim, percebeu algo inquietante no fundo, de sua alma: uma leve sensação de que talvez houvesse algo mais à espera do lado de fora das altas paredes de pedra.
O jardim do convento era um refúgio de serenidade. Rosas perfumadas, arbustos bem podados e um pequeno lago onde os peixes-dourados nadavam tranquilamente. Valentina adorava aquele lugar, mas, naquele dia, não conseguia se concentrar na tarefa. Suas mãos molhadas e frias agarravam o balde enquanto sua mente vagava.
Foi então que o portão principal do convento se abriu de forma abrupta, quebrando o silêncio matinal. Valentina parou e olhou, surpresa, quando um homem alto, de terno impecável, atravessou o pátio com passos firmes. Ele carregava uma maleta de couro na mão e uma expressão que mesclava determinação e impaciência.
Gabriel.
O nome foi mencionado em murmúrios pelas freiras nos dias anteriores. Ele era o empresário da cidade grande, o homem que havia comprado os terrenos ao redor do convento e anunciado seu plano de transformar Sant’Elisa em um destino turístico com um luxuoso resort. Um plano que exigiria a demolição do convento que, há décadas, era o coração espiritual da comunidade.
Valentina ficou paralisada por um momento, observando-o. Ele era diferente de qualquer pessoa que ela já havia visto. Alto, de cabelos escuros levemente desalinhados, com olhos que pareciam analisar tudo ao redor com uma intensidade avassaladora. Sua presença era esmagadora, como se o ar ao redor dele fosse mais denso.
Sem perceber. Valentina apertou o balde em suas mãos.
Gabriel caminhou direto para a entrada principal, mas, ao passar pelo jardim, sua atenção foi capturada por ela. Seus olhos se encontraram, e Valentina sentiu uma onda de calor subir pelo rosto. Ela desviou o olhar, mas podia sentir o peso do olhar dele, curioso e avaliador.
“Com licença,” ele disse, sua voz baixa e grave, “você pode me indicar onde encontro a Madre Superiora?”
Valentina hesitou. Não sabia como responder. O que aquele homem estava fazendo ali tão cedo? E por que parecia tão… inabalável?
“Ela está ocupada agora,” respondeu, tentando manter a compostura. “Talvez você devesse voltar mais tarde.”
Gabriel arqueou uma sobrancelha, claramente não acostumado a ser recusado. “Tenho assuntos urgentes. Pode avisá-la que estou aqui?”
Antes que Valentina pudesse responder, Irmã Amélia apareceu, com sua expressão severa habitual. “O senhor não pode entrar sem autorização. Este é um lugar sagrado.”
Gabriel não recuou. Na verdade, parecia até se divertir com a resistência. “Sagrado ou não, não estou aqui para violar nada. Apenas quero discutir os termos da negociação.”
Valentina observava em silêncio enquanto Irmã Amélia defendia o convento com fervor. Mas, no fundo, ela sabia que Gabriel não era um homem que se deixava intimidar facilmente. Algo em sua postura, em seus gestos controlados, dizia que ele estava acostumado a vencer qualquer batalha.
“Se precisar de mim, estarei na cidade,” disse Gabriel, finalmente, lançando um último olhar para Valentina antes de sair pelo portão.
Quando ele desapareceu. Valentina percebeu que estava segurando a respiração.
O restante do dia foi um borrão de tarefas e reflexões. As freiras comentavam com preocupação sobre o impacto que o resort poderia ter na cidade e, principalmente, no convento. Mas Valentina não conseguia esquecer o olhar de Gabriel.
Naquela noite, durante as orações, enquanto todas as outras noviças recitavam hinos. Valentina se pegou pensando no homem que havia cruzado o jardim mais cedo. Ele parecia tão… determinado, tão diferente do que ela estava acostumada a encontrar ali. Havia algo nele que a intrigava, e isso a incomodava profundamente.
Ao mesmo tempo, Gabriel, no quarto do hotel mais caro da cidade, revisava contratos e plantas arquitetônicas. Mas, por mais que tentasse se concentrar, sua mente voltava à imagem daquela jovem no jardim. A simplicidade dela o perturbava de uma forma que ele não conseguia explicar.
Era só o começo de algo que nenhum dos dois conseguia controlar, mas ambos já sentiam.
Quando Valentina se deitou naquela noite, o rosto de Gabriel cruzou sua mente pela última vez antes de fechar os olhos. E, em outro ponto da cidade, Gabriel sorriu ao lembrar dos olhos dela, tão brilhantes e desafiadores.Sant’Elisa nunca mais seria a mesma, e nem eles.
O dia começou agitado no convento de Sant’Elisa. As freiras andavam de um lado para o outro, preparando-se para receber um grupo de visitantes locais interessados na história do lugar. Valentina, que ainda se adaptava à rotina como noviça, estava no jardim, podando rosas com cuidado. Ela respirava fundo, tentando acalmar a mente que, inexplicavelmente, insistia em revisitar o encontro do dia anterior.Mas antes que pudesse se concentrar em seus pensamentos, ouviu passos rápidos ecoando pelo pátio. Quando se virou, viu Gabriel atravessando os portões do convento com a mesma determinação que carregava no olhar.Ele parecia um homem em missão, vestindo um terno impecável que contrastava com a simplicidade daquele lugar sagrado. Seu olhar varreu o jardim até pousar nela. Um sorriso leve — talvez até desafiador — surgiu em seus lábios.“Valentina, não é?” ele perguntou, como se fossem velhos conhecidos.“Senhor… Gabriel, não deveria estar aqui. Este é um lugar restrito.” Valentina ergueu o
A capela estava silenciosa, exceto pelo som suave da respiração de Valentina. Ela estava ajoelhada diante do altar, as mãos unidas em prece. Tentava acalmar o coração que ainda pulsava descompassado desde o encontro com Gabriel.“Senhor, guia-me em Tuas verdades,” ela sussurrou, os olhos fechados com força. “Afasta de mim tudo o que não pertence ao Teu plano. Não permita que eu me perca.”Mas, mesmo em oração, a lembrança dos olhos intensos de Gabriel surgia em sua mente. A maneira como ele a desafiara, como se enxergasse algo que nem ela mesma sabia existir, a deixava inquieta.De repente, Irmã Amélia apareceu silenciosamente ao seu lado.“Valentina,” a freira disse em tom sério, “você está bem?”Valentina abriu os olhos lentamente, respirando fundo.“Sim, Irmã Amélia. Só… tentando encontrar paz.”A mais velha inclinou a cabeça, estudando-a por um momento.“Você precisa ser forte. Homens como Gabriel não têm escrúpulos. Ele está aqui para destruir tudo o que amamos. Não permita que e
O sol de Sant’Elisa brilhava intensamente naquela manhã, iluminando a cidade pacata e suas ruas movimentadas. Gabriel caminhava pelo centro, de olho nos habitantes locais que passavam por ele com olhares curiosos. Era evidente que sua presença incomodava, mas ele estava acostumado com isso. No entanto, algo o incomodava mais: Valentina.Desde que lera o relatório sobre ela, Gabriel não conseguia parar de pensar nos dois anos misteriosos de sua vida. O que acontecera antes de ela decidir se refugiar no convento? Havia uma história ali, e ele estava determinado a descobrir.Ele parou na frente de uma padaria charmosa, onde o aroma de pão fresco e café o envolveu. Dentro, para sua surpresa, lá estava Valentina. Ela estava sentada perto da janela, com um livro nas mãos e uma xícara de chá à sua frente.Por um momento, Gabriel hesitou. Observou-a em silêncio, notando como a luz do sol iluminava seu rosto sereno. Ela parecia tão distante do mundo ao seu redor, como se estivesse protegida po
Valentina acordou antes do amanhecer, como sempre fazia, mas dessa vez o peso da culpa parecia maior. Sentia-se inquieta, como se estivesse carregando um segredo proibido. Toda vez que fechava os olhos, via o rosto de Gabriel, seus olhos intensos, e ouvia sua voz provocadora.Ela tentou afastar esses pensamentos com a oração, mas as palavras pareciam vazias, como se algo dentro dela estivesse mudando. Ao sair de sua cela para ajudar nas tarefas matinais, encontrou a Madre Superiora no corredor."Valentina, está tudo bem?" perguntou a madre, com um olhar preocupado."Sim, madre. Apenas cansada," respondeu ela, evitando o olhar da superiora.Mas a verdade era outra. Algo dentro dela estava diferente, e ela não sabia como lidar com isso.Enquanto isso, Gabriel estava no café do hotel, olhando pela janela enquanto segurava uma xícara de café. Ele não conseguia tirar Valentina da cabeça. Havia algo nela que o desarmava, uma força que ele não conseguia compreender.“Gabriel, você parece dis
A manhã no convento amanheceu mais silenciosa que o habitual, como se o vento soubesse que algo estava por vir. Valentina, ajoelhada na capela, mal podia concentrar-se em suas preces. Cada palavra das orações parecia pesar, carregada pela lembrança de Gabriel — seu sorriso confiante, o olhar que parecia enxergar além da superfície e a proximidade que fazia seu coração disparar de maneira assustadora.A tranquilidade foi quebrada pelo som suave dos passos da Madre Superiora entrando no recinto.— Valentina, preciso conversar com você — disse ela, com um tom de preocupação que fez o estômago da jovem noviça se apertar.Valentina levantou-se rapidamente, ajustando o véu.— Sim, Madre.As duas caminharam até o jardim do convento, onde a Madre Superiora parou ao lado de uma pequena fonte de pedra.— Você sabe quem é Gabriel Santos? — perguntou, seus olhos fixos nos de Valentina.Valentina hesitou. Mentir não era uma opção.— Ele veio até o convento há alguns dias. Tivemos... uma conversa b
O escritório de Gabriel estava mergulhado no caos. Papéis espalhados, arquivos abertos, e uma pilha de documentos antigos sobre a mesa. Ele segurava uma folha amarelada pelo tempo, os olhos brilhando com uma mistura de excitação e frustração.— Então é isso... — murmurou para si mesmo.O documento, encontrado nos arquivos históricos da cidade, mencionava uma cláusula que poderia preservar o convento como patrimônio religioso e cultural, protegendo-o de qualquer intervenção. Mas havia um porém: a cláusula só teria efeito com a assinatura da Madre Superiora, algo que Gabriel sabia ser quase impossível de conseguir.Ele tamborilou os dedos na mesa, pensativo. Havia uma possibilidade — Valentina. Desde o primeiro encontro, ela parecia ser a chave que poderia destrancar portas no convento, talvez até no coração da Madre Superiora. Mas usá-la para isso trazia complicações que ele não queria admitir.Gabriel recostou-se na cadeira, um sorriso aparecendo no canto dos lábios. Ele sabia como jo
O dia estava nublado, como se o céu refletisse a tempestade que se formava dentro de Valentina. Desde que Gabriel lhe entregara aquele documento, ela se sentia dividida. Ele era carismático, mas também perigosamente persuasivo. Sua mente sabia que deveria manter distância, mas seu coração — ou talvez algo mais profundo — insistia em desafiá-la.Valentina caminhava pelo jardim, perdida em seus pensamentos, quando ouviu uma voz familiar.— Pensativa de novo? — Gabriel estava encostado em uma árvore, observando-a com aquele sorriso que parecia tanto um convite quanto uma armadilha.Ela parou, surpresa, mas logo recuperou a compostura. — O que está fazendo aqui, Gabriel? Este é um lugar privado.Ele deu de ombros, caminhando em sua direção. — Não sabia que jardins eram restritos. Só vim dar uma volta.— Você nunca "só vem dar uma volta". Sempre tem um motivo — respondeu ela, cruzando os braços.Ele parou a poucos passos dela, as mãos nos bolsos, mas os olhos fixos nos dela. — Talvez o
A manhã era fresca, mas Valentina sentia o peso do dia antes mesmo de ele começar. O documento que Gabriel lhe entregara estava escondido no fundo de sua gaveta, mas ocupava espaço demais em seus pensamentos. Cada vez que tentava rezar, o rosto dele surgia em sua mente, junto com a pergunta que não conseguia evitar: "Por que ele mexe tanto comigo?"Enquanto realizava suas tarefas, os olhares das outras irmãs eram difíceis de ignorar. Cochichos seguiam cada passo seu, e Valentina sabia que algo havia mudado. Até mesmo Irmã Amélia, que sempre fora sua confidente, parecia inquieta.— Valentina, precisamos conversar — disse a Madre Superiora mais tarde, com um tom severo que não permitia recusas.Valentina assentiu e seguiu a líder até o escritório. Lá dentro, o ar era ainda mais pesado.— O que está acontecendo? — perguntou Valentina, mesmo sabendo que não gostava da resposta que estava por vir.A Madre Superiora pousou uma carta sobre a mesa, sem perder tempo. — Existem rumores, minha