— Masa'u Al-Khair! (Boa tarde para você também). O que deseja? — Ele perguntou educadamente, tentando dar o máximo de atenção para ela, mesmo estando apressado para procurar alguém no que parecia ser um relatório em cima do balcão.
— Poderia me informar se tem um quarto disponível? — Aisha perguntou com um sorriso gentil nos lábios, mesmo que ele não pudesse ver no momento devido ao niqab vinho que só lhe permitia ver seus olhos verdes. Ele, por outro lado, usava apenas o conjunto de roupas longas, que se assemelhava a um vestido masculino, fechando até abaixo do pescoço, com um turbante, um pano enrolado na cabeça, que deixava visível a cor dos cabelos apenas pela pequena parte que sobrava perto das orelhas. O rosto podia ficar visível, diferente dos costumes antigos em que somente os homens poderiam mostrá-lo. Hoje em dia, as mulheres podiam mostrar até os cabelos, no entanto, as roupas longas como os vestidos ainda eram essenciais. — Sim, claro! Um momento! — ele respondeu, olhando as vagas disponíveis no computador. Em menos de cinco minutos, o atendente já tinha dado a informação e a chave a ela, assim como recebido dinheiro suficiente para pagar uma semana com direito a tudo que fosse possível. Era quase todo o dinheiro que Aisha havia levado, por isso ela teria que encontrar um emprego na manhã seguinte. Aisha curvou a cabeça levemente como agradecimento. — As-salam alaykom! (Que a paz esteja com você) — desejou, antes de pegar o elevador para seu quarto. Teria de arrumar suas coisas o mais rápido possível para poder conhecer um pouco a cidade, antes de tudo, ainda que fosse apenas a vizinhança. **Tempos depois…** Aisha caminhava apressadamente para ficar atrás do caixa do banco mais importante dos Emirados de Abu Dhabi, importante pelo fato de ser o único que guarda parte das riquezas do sheik mais cobiçado em todo o país. Ela arrumou o hijab azul que cobria os cabelos e pescoço. Assim como o hijab, também tinha o chador; uma peça semicircular, que se envolve desde a cabeça, cobre todo o corpo e se sustenta sem ganchos, apenas nas dobras do pescoço; o rosto fica à mostra. Também havia o shayla, um lenço grande e retangular, popular na região do Golfo. Ele é enrolado no pescoço, sendo cruzado na altura dos ombros. Não era tão obrigatório usar qualquer um desses naquele espaço, ou até na cidade, mas a cultura ainda tinha importância, as pessoas ainda levavam como regras, principalmente quando um príncipe (sheik) vinha pessoalmente fazer algum depósito ou saque. A colega de Aisha, Samia, pareceu sorrir por baixo da burca vinho que lhe cobria o rosto. Dava para ver apenas pelos seus olhos castanhos que ela tentava acalmar a novata. Aisha tinha quinze dias trabalhando no banco, nem havia saído da época de experiência e um sheik já estava dando as caras no seu local de trabalho. Samia, por outro lado, tinha pouco mais de um ano ali dentro e já havia visto o príncipe algumas vezes. Na sua época de experiência, ele demorou meses para aparecer, o que para ela foi uma grande sorte, ao contrário da colega. O sheik tinha em torno de uns vinte e oito anos. Era sempre profissional, mas quando queria algo, ninguém tomava sua frente. Samia vivia dizendo que Aisha era muito jovem e bonita, tanto que poderia chamar a atenção do príncipe no primeiro olhar, então ela aconselhou seguir os costumes quando o secretário do sheik avisasse que ele iria ao banco. O que Aisha poderia fazer se ele a quisesse? Nada. Não havia ninguém mais poderoso que ele para passar por cima de sua decisão ou palavra. Para sua sorte, havia sido recompensada com a indisposição dele; ele não olhara para o rosto de ninguém além de quem precisava tratar de seus negócios naquele dia. Até aquele fatídico dia, o dia em que Aisha baixou a guarda com o convite de outra pessoa em mãos. **Agora...** Aisha não conseguia compreender o que havia de fato acontecido. Ela havia confrontado um sheik? Aquele sheik? E ele escolheu a ela? Samia notou que a colega ainda olhava para as portas de vidro sem mexer um músculo do corpo. — Aisha. — chamou-a calmamente, sem precisar sair de seu lugar, pois estava ao seu lado. Aisha piscou seus olhos verdes diversas vezes quando a ouviu, então se virou para encará-la. — Não se preocupe, ainda há chances de ele não te escolher. Terá várias escolhidas sendo convidadas especiais do sheik, assim como você. — Samia tentou acalmá-la. Apesar de ela ter grandes chances de ser a verdadeira escolhida, pois havia sido a única que ele realmente olhara, as demais foram escolhidas por Samuel, seu braço direito. Samia não iria demonstrar sua preocupação para com ela, afinal, queria acalmá-la, não deixá-la mais abalada. Vendo o rosto de Aisha suavizar, a colega sorriu aliviada. — Tenho que vestir aquilo que ele me impor? — perguntou ela. Sentiu algo estranho se remexer em seu interior, dando-lhe a sensação de fraqueza e submissão. A amiga apenas demonstrou sua tristeza como resposta. Aisha sabia que a cultura do país de seus antepassados era aquela — submissão aos mais fortes, ao governo, aos homens. Eram impostas tantas regras a uma mulher que tornavam sua independência estreita como os cílios postiços que muitas usavam, apesar de não serem necessários, pois, mulheres árabes eram conhecidas por seus olhares marcantes. Talvez fosse pelo fato de muitas vezes serem os olhos os únicos a serem vistos debaixo de tanto pano. Aisha respirou fundo e apertou o convite nas mãos. Olhou para baixo, encontrando a lixeira perto de seus pés, e esticou a mão esquerda naquela direção com o convite. — Não faça isso. — pediu Samia. Aisha a olhou com confusão, seu braço ainda mantido na mesma posição. — Precisará do convite para entrar na festa. — resumiu a colega preocupada. — Não precisam saber que não fui. — tentou parecer racional. — O príncipe vai saber que não compareceu. Sabe o que vai acontecer se desobedecer à ordem dada por ele. — Samia respondeu com pesar. — Droga! — Aisha praguejou baixinho. Ela sabia que a colega tinha razão. Por mais que estivesse com medo, raiva, ou tivesse coragem para fazer tal coisa, ela não poderia. Sua família estaria em perigo; ele tinha poder para ameaçá-los. Retomou a postura sob o olhar atento da colega. Colocou o convite no bolso do uniforme e voltou ao trabalho; ela ainda precisava dele. Lembrou que sua família precisava do dinheiro, que seu futuro dependia do seu crescimento.Mascarando um bom humor inexistente, Aisha atendeu os novos clientes com eficiência. Não precisava sorrir; sentia que não conseguiria fazê-lo, mesmo se fosse necessário. Levar seu trabalho a sério era o correto. — Quer companhia? — Samia perguntou quando juntas deixavam o banco. — Até a minha casa? — Aisha perguntou confusa. — Sim. Até a sua casa. — Samia não queria tocar no assunto, sabia, porém, que uma hora ou outra ela lembraria. — Ah! Não. Tudo bem! — sorriu para a colega enquanto desciam as escadas. — Certo. — Samia respondeu curto. Aisha estava tão confusa que não conseguiu ver a decepção estampada no rosto da amiga. — As-salam alaykom! — Aisha baixou a cabeça falando baixinho (Que a paz esteja com você). — Wa Alykom As-salam! — Samia refez a mesma ação (Que a paz esteja com você, também). Tomando caminhos diferentes, elas se afastaram. (...) Assim que Aisha colocou os pés no apartamento, o atendente levantou-se de sua cadeira atrás do balcão de atendimento
Aisha fingiu não se importar em tocar no assunto, colocou a burca no banco no fundo do espaço pequeno e abriu a bolsa enquanto falava com Samia. — É o pior vestido que uma mulher decente pode usar, haverão olhares tortos para mim. — respondeu, tirando o celular da bolsa. — Ele mandou algo assim? — Samia perguntou horrorizada. — Não posso vestir aquilo, iria parecer uma mulher sem escrúpulos. — respondeu calma. Ambas caminharam para fora do espaço, indo em direção ao caixa de atendimento. No caminho, cumprimentaram os outros colegas que trabalhavam com o dinheiro na parte mais afastada da entrada. — Como irá fazer? Não pode faltar, seria uma afronta. — se preocupou Samia. — Comprarei outro. Terei de gastar minhas economias, mas irá valer a pena. — respondeu Aisha. — O que pensa em fazer? — perguntou, muito curiosa, sua amiga. — Devolverei seu presente como se fosse meu! — foi firme. — Não pode fazer isso, será uma afronta da mesma forma, talvez uma das piores para alguém como e
A atendente de antes sorriu, muito feliz com a compra de Aisha, e devolveu os vestidos aos seus lugares antes de levá-la ao caixa. — Vejo que lhe agradaram — comentou a atendente, contente. — Não consegui deixá-los — respondeu Aisha, um pouco mais leve. — Eles encantam mesmo — continuou a atendente, passando o cartão da cliente. Após a aprovação, ela colocou os vestidos com todo cuidado dentro de uma caixa para embrulho. — Assim, eles não irão amassar — explicou a jovem. Aisha deu um pequeno sorriso. O cuidado não era exatamente pelas peças sensíveis, mas pelo fato de que um deles estaria em seu corpo naquela noite, apresentado ao sheik Khalil. — Obrigada! As-salam alaykom! — disse a atendente, entregando a caixa. — Wa Alykom As-salam! — respondeu Aisha, antes de se virar e ir embora. No caminho, ela contava os passos. Gostava de caminhar, mas aquele não era o motivo. Tinha medo de chegar cedo demais em casa, como se alguém a estivesse esperando. Nem todo lugar é pacífico. Os
Ele apenas desejou que a paz estivesse com ela em resposta. Aisha saiu do carro com a grande caixa nas mãos, respirou fundo quando ele seguiu seu caminho, deixando-a para trás. Encarou a movimentação que entrava animada, um arco-íris de roupas, cores e rostos. “Logo vai acabar. Seja corajosa, ele jamais iria escolhê-la entre elas.” encorajou-se. Iniciou sua caminhada até as grandes escadas de concreto e mármore. Aproximou-se do segurança e entregou o convite a ele. Após verificar a autenticidade do convite, ele a deixou passar. O lugar era uma imensidão de luxo, parecendo um palácio em forma de aço e ouro. “Eles gastam quase um salário para entrar em uma festa assim?” perguntou-se, entendendo parte do motivo. Quase se esquivando da multidão majestosa, ela teve dificuldade para encontrar alguém que trabalhasse no evento para ajudá-la; todos estavam ocupados. Na primeira oportunidade, entregou seu "presente" a outra pessoa. — Uma tarefa concluída. Agora é esperar algumas horas e ir
Agora estava sério o suficiente para se deixar neutro, apesar do conflito em seu interior: decepção, vergonha, raiva e algo mais. Por mais que não soubesse antes o motivo da linda jovem correr para longe dele, agora seria o de menos. Poderia ser por sua presença inquietante ou pela aparição do seu prometido. Não fazia sentido de qualquer forma. — Estamos aqui para nos divertirmos, não é mesmo? Venha, beba, desfrute! — falou Khalil, agora com um sorriso profissional no rosto. Concordando, Karim decidiu se afastar um pouco da companhia de Khalil. Retornaram aos assuntos profissionais que duraram apenas o necessário. Discretamente, Karim se afastou, dirigindo-se a outro canto do local. Aquele, iria atrás da jovem de beleza delicada e olhos de esmeralda. Com pressa, o sheik passou pela multidão, que claramente queria sua atenção. No entanto, sua prioridade era outra: não deixar a jovem Aisha escapar pelas grandes portas por onde ela entrou. Como se estivesse adivinhando que ele a pro
Aisha sentia estar prestes a desmaiar. Jamais pensou que aquilo realmente aconteceria. Seu mundo parecia desmoronar diante de seus olhos. Levantando os olhos automaticamente, ela encontrou os dele diretamente. Ele a viu frágil, mesmo com a valentia escondida dentro dela. Aisha piscou rapidamente e uma lágrima pareceu pular do seu olho direito, tão rápida que podia parecer uma ilusão se não fosse pelo rastro que ela havia deixado em seu belo rosto. Mas aquilo não amoleceria o coração do Sheik, muito menos o faria suavizar o olhar irritado que transmitia. Ela não tinha palavras, nem voz, nem forças para separar os lábios e responder à sua pergunta. Percebeu que estava olhando em seus olhos e logo sentiu suas pernas fraquejarem de uma só vez. Sem conseguir se amparar em nada, ela sentiu o sangue fugir do seu rosto. Até mesmo o homem rígido à sua frente parecia ter notado sua palidez naquele instante, pois ficou em alerta. Sentiu-se dentro de um globo transparente e gigante, que gira
Que tinha coragem de lhe olhar nos olhos sem pressão alguma, que tinha um ar intrigante e uma força interna mesclada ao amor. Era óbvio que ela não compareceu por boa vontade; um fator externo havia influenciado sua decisão, provavelmente a família. O simples fato de pensar no bem dos seus entes queridos já dizia muito sobre ela, sobre sua moral, sua personalidade, seu coração e futuro. Nada seria efêmero. Khalil dirigiu-se ao espaçoso sofá de couro. Teria tempo para descansar antes que sua convidada despertasse. Sentando-se de modo confortável, ele suspirou cansado. O dia não havia sido mais leve que os outros; tinha sido desgastante, e a festa planejada era um dos motivos. Outro motivo seria lidar com a jovem que permanecia apagada em sua cama. Ela tinha um temperamento semelhante ao seu, ele reconhecia. Mas foi justamente isso que a pôs na situação em que estava. Do contrário, estaria apenas trabalhando no banco central, tendo uma vida financeiramente difícil e pacata, até mesmo
Quando seus olhos retornaram aos dela, estavam alternando entre um brilho fogo e a escuridão que se expandia no centro. Isso fez com que a jovem à sua frente experimentasse um turbilhão de novas emoções. Sua mente parecia trabalhar dez vezes mais, enquanto bloqueava os comandos dos músculos e nervos, impedindo qualquer movimento. — Vejo que despertou. — Sua voz grossa e baixa cortou o silêncio. Ele permaneceu parado por mais alguns segundos, esperando uma reação da parte dela. Suas bochechas estavam coradas, e ele sabia muito bem o motivo. No momento, isso não importava. — Onde eu... estou? — Aisha perguntou segundos depois que a grande imagem dele saiu de sua frente. Ele caminhou despreocupado até outra porta no canto do quarto, do outro lado. Ela recuperou seus movimentos quando não o sentiu por perto. — Está onde deveria estar! — respondeu Khalil de onde estava. — O que faço aqui? — quis saber, ainda receosa por tudo que havia acontecido. Entre despertar em um lugar estranho,