Mascarando um bom humor inexistente, Aisha atendeu os novos clientes com eficiência. Não precisava sorrir; sentia que não conseguiria fazê-lo, mesmo se fosse necessário. Levar seu trabalho a sério era o correto.
— Quer companhia? — Samia perguntou quando juntas deixavam o banco. — Até a minha casa? — Aisha perguntou confusa. — Sim. Até a sua casa. — Samia não queria tocar no assunto, sabia, porém, que uma hora ou outra ela lembraria. — Ah! Não. Tudo bem! — sorriu para a colega enquanto desciam as escadas. — Certo. — Samia respondeu curto. Aisha estava tão confusa que não conseguiu ver a decepção estampada no rosto da amiga. — As-salam alaykom! — Aisha baixou a cabeça falando baixinho (Que a paz esteja com você). — Wa Alykom As-salam! — Samia refez a mesma ação (Que a paz esteja com você, também). Tomando caminhos diferentes, elas se afastaram. (...) Assim que Aisha colocou os pés no apartamento, o atendente levantou-se de sua cadeira atrás do balcão de atendimento imediatamente, fazendo assim Aisha se alertar. Não era comum aquele ato. — Tem uma encomenda para você. — falou ele, pondo a caixa embrulhada em cima do balcão. Aisha estranhou em primeiro lugar, mas logo recordou-se do que se tratava. Pegou a caixa sem sorrir, agradeceu e caminhou até o elevador. Ela sabia muito bem que a empolgação de Said era devido ao aparecimento de alguém da alta sociedade, ou seja, da parte do sheik. Caminhando lentamente, ela saiu do elevador quando ele parou em seu andar. Destrancou a porta com a caixa vermelha abaixo do braço tocando sua cintura. Passou a chave novamente, trancando desta vez. Jogou-se no primeiro sofá à frente. Seu apartamento, ao qual havia mudado recentemente, tinha apenas um quarto e uma sala com a cozinha separada apenas por uma parede curta. Sentindo-se derrotada, pôs a caixa no colo. Suspirou e abriu... Um lindo vestido branco com renda e detalhes. Tirando-o para fora, ela notou que algumas partes eram transparentes, o que a fez pôr-se de pé num salto. — O quê? — quase gritou. — Eu não vou usar isto! — foi rápida em sua decisão. Como se o vestido tivesse traças, ela o jogou no sofá assim que se afastou em um salto. Ele era fino, com muitas partes transparentes, rendado, e ainda tinha um lenço acompanhando o modelo. Aquilo chamaria atenção desnecessária, além de causar uma má impressão a todos, pois era muito ousado. — Seu Sheik... — ela mordeu a língua antes de continuar. Não tinha certeza se poderia ser ouvida, notara haver falado alto o suficiente para os vizinhos ouvirem. — Não vou dar-lhes este gostinho! — bateu o pé, falando baixo. Recolheu a caixa do chão, colocando o vestido novamente dentro. Estava disposta: iria comprar um novo vestido. Infelizmente, teria que gastar suas economias com um traje caro, mas serviria ao menos para comparecer com o presente do príncipe, evitando assim quebrar a maior ordem, além de não expor sua família ao perigo. Faria isso logo que saísse do banco. Disposta, fechou a caixa, caminhou com ela até o quarto, e a pôs sobre a cama. Abriu a primeira gaveta de sua cômoda. Levantou o braço direito para encarar a fita vermelha que pegara; a cor era a mesma da caixa. Ela torcia para passar despercebido. Fez um laço bem feito e sorriu, determinada. Pegou a caixa novamente, agora a pondo sobre a cômoda. — Espero que goste do seu presente, sheik Khalil Al-Maktoum. — falou o sobrenome dele, associado ao poder e à família real de dois Emirados. Mordendo o lábio inferior, ela pensou de repente: “Só espero que ele não abra na minha presença. Caso contrário, estarei encrencada.” — Que Alá me proteja! — pediu. Respirou fundo antes de ir até o banheiro. O espaço não era muito grande, mas era adequado. Tirou a roupa e ligou o chuveiro, deixando a primeira água cair na cerâmica branca. Amarrou o cabelo em um coque frouxo em frente ao pequeno espelho fixo na parede. Encarou sua imagem, decidindo parar de pensar no que aconteceria no dia seguinte. Com este pensamento, colocou seu corpo embaixo do chuveiro de água fria. (...) Vestiu-se com sua calça mole e blusa larga de mangas longas. Gostava daquelas roupas, e além disso, não era proibido vestir-se daquela forma quando estava sozinha. Aquele era o caso, e ela esperava que continuasse assim por muito tempo. Dirigiu-se à pequena cozinha. Preparou arroz temperado com açafrão, cardamomo e tomilho; apenas faltava mais de tumeric (açafrão-da-terra), que ela teria que repor em algum momento. Por fim, preparou o peixe. Logo, sua janta estava pronta e posta sobre a pequena mesa da sala. Como era apenas Aisha que morava ali, sua mesa não tinha cadeiras; a mesma tinha pernas curtas que permitiam muito bem comer sua refeição sentada no chão da sala. Lavou as louças, voltou para o banheiro, escovou os dentes e verificou o smartphone quando chegou ao quarto. Pondo-se embaixo das cobertas, ela mandou algumas mensagens à sua mãe. Após comprovar que tudo estava certo com sua família, ela desligou o aparelho, deixando de fora a parte em que foi convidada para a festa de um sheik. Sua intenção não era deixá-los preocupados; acreditava firmemente que conseguiria decepcionar o sheik a ponto de fazê-lo esquecê-la, convencê-lo a escolher entre as demais pretendentes, que com toda certeza eram bem de vida, de uma classe bem acima da sua e em patamares próximos ao dele. Mais leve que minutos atrás, ela conseguiu dormir rapidamente. No dia seguinte, Aisha acordou cedo. Vestiu seu uniforme, uma blusa fechada de mangas longas e uma saia lápis. Calçou o salto alto, amarrou os cabelos e vestiu uma burca azul. Então pegou o lenço da mesma cor para, depois de tirar a burca, passar por cima de seus cabelos. Pegou sua bolsa de colo e saiu. Mal chegou ao banco, já foi abordada por Samia. — Sabaḥu Al-Khair! — Samia foi a primeira. — Sabaḥu Al-Khair! — (Bom dia para você também ou À luz da manhã) Respondeu Aisha enquanto tirava a burca no quartinho de serviço. — Como é o traje? — Samia não escondeu sua curiosidade.Aisha fingiu não se importar em tocar no assunto, colocou a burca no banco no fundo do espaço pequeno e abriu a bolsa enquanto falava com Samia. — É o pior vestido que uma mulher decente pode usar, haverão olhares tortos para mim. — respondeu, tirando o celular da bolsa. — Ele mandou algo assim? — Samia perguntou horrorizada. — Não posso vestir aquilo, iria parecer uma mulher sem escrúpulos. — respondeu calma. Ambas caminharam para fora do espaço, indo em direção ao caixa de atendimento. No caminho, cumprimentaram os outros colegas que trabalhavam com o dinheiro na parte mais afastada da entrada. — Como irá fazer? Não pode faltar, seria uma afronta. — se preocupou Samia. — Comprarei outro. Terei de gastar minhas economias, mas irá valer a pena. — respondeu Aisha. — O que pensa em fazer? — perguntou, muito curiosa, sua amiga. — Devolverei seu presente como se fosse meu! — foi firme. — Não pode fazer isso, será uma afronta da mesma forma, talvez uma das piores para alguém como e
A atendente de antes sorriu, muito feliz com a compra de Aisha, e devolveu os vestidos aos seus lugares antes de levá-la ao caixa. — Vejo que lhe agradaram — comentou a atendente, contente. — Não consegui deixá-los — respondeu Aisha, um pouco mais leve. — Eles encantam mesmo — continuou a atendente, passando o cartão da cliente. Após a aprovação, ela colocou os vestidos com todo cuidado dentro de uma caixa para embrulho. — Assim, eles não irão amassar — explicou a jovem. Aisha deu um pequeno sorriso. O cuidado não era exatamente pelas peças sensíveis, mas pelo fato de que um deles estaria em seu corpo naquela noite, apresentado ao sheik Khalil. — Obrigada! As-salam alaykom! — disse a atendente, entregando a caixa. — Wa Alykom As-salam! — respondeu Aisha, antes de se virar e ir embora. No caminho, ela contava os passos. Gostava de caminhar, mas aquele não era o motivo. Tinha medo de chegar cedo demais em casa, como se alguém a estivesse esperando. Nem todo lugar é pacífico. Os
Ele apenas desejou que a paz estivesse com ela em resposta. Aisha saiu do carro com a grande caixa nas mãos, respirou fundo quando ele seguiu seu caminho, deixando-a para trás. Encarou a movimentação que entrava animada, um arco-íris de roupas, cores e rostos. “Logo vai acabar. Seja corajosa, ele jamais iria escolhê-la entre elas.” encorajou-se. Iniciou sua caminhada até as grandes escadas de concreto e mármore. Aproximou-se do segurança e entregou o convite a ele. Após verificar a autenticidade do convite, ele a deixou passar. O lugar era uma imensidão de luxo, parecendo um palácio em forma de aço e ouro. “Eles gastam quase um salário para entrar em uma festa assim?” perguntou-se, entendendo parte do motivo. Quase se esquivando da multidão majestosa, ela teve dificuldade para encontrar alguém que trabalhasse no evento para ajudá-la; todos estavam ocupados. Na primeira oportunidade, entregou seu "presente" a outra pessoa. — Uma tarefa concluída. Agora é esperar algumas horas e ir
Agora estava sério o suficiente para se deixar neutro, apesar do conflito em seu interior: decepção, vergonha, raiva e algo mais. Por mais que não soubesse antes o motivo da linda jovem correr para longe dele, agora seria o de menos. Poderia ser por sua presença inquietante ou pela aparição do seu prometido. Não fazia sentido de qualquer forma. — Estamos aqui para nos divertirmos, não é mesmo? Venha, beba, desfrute! — falou Khalil, agora com um sorriso profissional no rosto. Concordando, Karim decidiu se afastar um pouco da companhia de Khalil. Retornaram aos assuntos profissionais que duraram apenas o necessário. Discretamente, Karim se afastou, dirigindo-se a outro canto do local. Aquele, iria atrás da jovem de beleza delicada e olhos de esmeralda. Com pressa, o sheik passou pela multidão, que claramente queria sua atenção. No entanto, sua prioridade era outra: não deixar a jovem Aisha escapar pelas grandes portas por onde ela entrou. Como se estivesse adivinhando que ele a pro
Aisha sentia estar prestes a desmaiar. Jamais pensou que aquilo realmente aconteceria. Seu mundo parecia desmoronar diante de seus olhos. Levantando os olhos automaticamente, ela encontrou os dele diretamente. Ele a viu frágil, mesmo com a valentia escondida dentro dela. Aisha piscou rapidamente e uma lágrima pareceu pular do seu olho direito, tão rápida que podia parecer uma ilusão se não fosse pelo rastro que ela havia deixado em seu belo rosto. Mas aquilo não amoleceria o coração do Sheik, muito menos o faria suavizar o olhar irritado que transmitia. Ela não tinha palavras, nem voz, nem forças para separar os lábios e responder à sua pergunta. Percebeu que estava olhando em seus olhos e logo sentiu suas pernas fraquejarem de uma só vez. Sem conseguir se amparar em nada, ela sentiu o sangue fugir do seu rosto. Até mesmo o homem rígido à sua frente parecia ter notado sua palidez naquele instante, pois ficou em alerta. Sentiu-se dentro de um globo transparente e gigante, que gira
Que tinha coragem de lhe olhar nos olhos sem pressão alguma, que tinha um ar intrigante e uma força interna mesclada ao amor. Era óbvio que ela não compareceu por boa vontade; um fator externo havia influenciado sua decisão, provavelmente a família. O simples fato de pensar no bem dos seus entes queridos já dizia muito sobre ela, sobre sua moral, sua personalidade, seu coração e futuro. Nada seria efêmero. Khalil dirigiu-se ao espaçoso sofá de couro. Teria tempo para descansar antes que sua convidada despertasse. Sentando-se de modo confortável, ele suspirou cansado. O dia não havia sido mais leve que os outros; tinha sido desgastante, e a festa planejada era um dos motivos. Outro motivo seria lidar com a jovem que permanecia apagada em sua cama. Ela tinha um temperamento semelhante ao seu, ele reconhecia. Mas foi justamente isso que a pôs na situação em que estava. Do contrário, estaria apenas trabalhando no banco central, tendo uma vida financeiramente difícil e pacata, até mesmo
Quando seus olhos retornaram aos dela, estavam alternando entre um brilho fogo e a escuridão que se expandia no centro. Isso fez com que a jovem à sua frente experimentasse um turbilhão de novas emoções. Sua mente parecia trabalhar dez vezes mais, enquanto bloqueava os comandos dos músculos e nervos, impedindo qualquer movimento. — Vejo que despertou. — Sua voz grossa e baixa cortou o silêncio. Ele permaneceu parado por mais alguns segundos, esperando uma reação da parte dela. Suas bochechas estavam coradas, e ele sabia muito bem o motivo. No momento, isso não importava. — Onde eu... estou? — Aisha perguntou segundos depois que a grande imagem dele saiu de sua frente. Ele caminhou despreocupado até outra porta no canto do quarto, do outro lado. Ela recuperou seus movimentos quando não o sentiu por perto. — Está onde deveria estar! — respondeu Khalil de onde estava. — O que faço aqui? — quis saber, ainda receosa por tudo que havia acontecido. Entre despertar em um lugar estranho,
Era claramente um alerta, além do fato de que ela não o carregaria mais, perderia o sobrenome e em breve carregaria o seu, provavelmente Al-Maktoum, o sobrenome de poder. Aisha obrigou seu corpo a se mover para junto dele e quis sentar-se no outro canto da mesa. — Há várias cadeiras aqui. — alertou ele, afastando uma com a mão direita, sem levantar da sua. Aisha, que havia posto apenas os dedos das mãos sobre a cadeira, os tirou sem vontade. Dirigiu-se até ele; talvez sua expressão mostrasse sua insatisfação, mas entre um tosco e um bronco, quem ganha? Aquele que tem o adjetivo mais preenchido? Afinal, era o mesmo significado para ambos, os mesmos sinônimos, mesmo que tosco fosse mais ligado ao não lapidado e malfeito, enquanto bronco era mais para ignorante, o que ele não era, e selvagem, como era. Um tinha volta, outro... nem tanto. Khalil esperou que ela se sentasse um pouco à sua frente para então pegar seus talheres, mesmo sem vê-la segurando os seus, a princípio. — Não estou