LIVRO 1 - CAPÍTULO 1.4

Quando eu tomo coragem para voltar meu olhar para Hill ele ainda está olhando pra mim, mas agora com a testa um pouco franzida – problemas?

─ Minha amiga teve uma emergência. Ela não virá mais. De modo que eu vou apenas terminar minha cerveja e deixá-lo em paz.

─ Você é bem-vinda para ficar.

─ Mesmo? – eu digo sarcasticamente, já que, durante o pouco tempo que estamos sentados aqui ele mal falou comigo – Bem, de qualquer maneira, eu preciso mesmo ir.

─ Eu sinto muito. Não estou sendo uma companhia agradável não é mesmo? – Eu sinto vontade de dizer que realmente ele não tem sido uma boa companhia, mas me contenho – Deixe-me oferecer outra bebida – ele não espera a minha anuência e já sinaliza para o garçom pedindo mais uma dose de whisky e mais uma cerveja. Quando o garçom se afasta, ele volta a me olhar e eu me pergunto se vamos entrar em outra fase do jogo “encare o outro”, eu tenho minha resposta quando ele fala – Você não é daqui. – Não foi uma pergunta.

─ Não. Eu não sou?

─ De onde é esse sotaque?

─ Brasil.

─ Oh, eu nunca estive no Brasil. Mas sei que é um belo país. Eu conheço alguns brasileiros.

─ Sim. É um belo país. – Eu digo com orgulho explícito.

Nossas bebidas chegam e ele leva seu copo à boca sem desviar o olhar. Eu faço o mesmo – Embora tenha percebido o seu sotaque, seu inglês é fluente. Está aqui há muito tempo?

─ Cerca de dois anos. Mas estive aqui algumas vezes no passado, antes de ser transferida pra cá eu sempre pratiquei o inglês. Eu precisava estar afiada no idioma, pois participava de muitas videoconferências com a sede.

─ Diga-me algo na sua língua – seu pedido vem acompanhado por dois olhos fixos na minha boca.

Eu dou um sorriso diabólico e falo em português – Você é um idiota, mas isso não muda o fato de que você é um filho-da-puta bonito e eu adoraria fazer sexo com você. É uma pena que, assim como todas as outras vezes, não seria grande coisa e eu provavelmente ficaria frustrada.

─ O que você disse?

─ Eu acho que você não gostaria de saber.

Ele esboça um sorriso – Sério? Talvez eu deva dizer que entendi a palavra “sexo” e acho que você falou um palavrão.

         Eu fico constrangida – Você disse que não falava minha língua.

─ Eu acertei?

─ Sim eu falei a palavra sexo e falei mal da sua mãe.

─ Honestamente, o “sexo” foi puro chute e quanto ao palavrão eu realmente já havia escutado ele antes. Eu sou uma espécie de usuário assíduo de palavrões em âmbito privado. E geralmente são as primeiras palavras, em outra língua, que eu aprendo. – Eu ri com a sua honestidade e pela tentativa em ser engraçado. Posso admitir que ele está se esforçando pra ser uma boa companhia.

─ Âmbito privado?

─ Sim. Eu sou um homem de negócios. Então tenho cuidado com o que eu falo em público. Mas, na minha privacidade eu recorro a eles com frequência.

─ Que coisa pra se orgulhar – eu penso alto.

Ele não responde. Mas, me faz outra pergunta – O que você está comemorando.

─ Eu não estou comemorando.

─ Eu ouvi você dizer a sua amiga, ao telefone, que vocês poderiam comemorar em outro momento.

Eu encolho os ombros – Ah! Nós iríamos comemorar a minha mudança de emprego.

─ O que você fazia e o que você faz agora?

─ Eu sou uma advogada especializada em direito empresarial internacional. Antes eu cuidava basicamente dos contratos. Hoje esse campo se ampliou porque estou num cargo de direção em outra empresa. Ela é bem maior que a anterior e com um ramo de atividades diversificado. Mas, estou há apenas uma semana nesse novo emprego.

─ Parabéns! – Ele ergue seu corpo eu um brinde e eu imito seu gesto. Mesmo agora depois da nossa conversa ter progredido bastante se comparada à maneira como começamos, eu ainda me sinto ligeiramente incomodada sob o seu olhar. Eu me pergunto como pode um rosto tão pacífico ser totalmente transformado pela intensidade dos seus olhos. 

─ Obrigada. Mas e você?

─ Eu tenho uma empresa de Contabilidade. E paralelamente eu faço alguns investimentos. Eu tenho algumas ações nas empresas certas. Mas minha paixão são os números.

─ Você não se parece com um contador.

Eu sinto uma nota de divertimento em sua voz – Ah, não? Ninguém nunca me acusou disso. Então me diga como se parece um contador na sua visão?

Eu tomo mais um longo gole da minha cerveja antes de falar e percebo que ela apenas está no fim, talvez eu deva ser mais cuidadosa com a bebida. Eu não quero fazer nada que me arrependa depois. Em seguida eu fecho meus olhos e tento imaginar um contador. Mesmo com os olhos fechados eu posso sentir o seu olhar sobre mim e meu rosto se aquece. – Bem, – eu começo – o contador de uma empresa que eu trabalhei usava óculos de lentes grossas, ele suava muito e sua gravata estava sempre frouxa e amassada assim como o seu paletó estava sempre amassado também. Você sabe, esse povo que trabalha com números geralmente é muito desajeitado – eu o provoco e funciona. Antes de abrir os olhos eu ouço sua risada. Uma risada rouca e eu quis abrir os meus olhos para vê-lo sorrir. Eu abro e lá está o seu belo sorriso, mas a intensidade do seu olhar continua lá, me comendo com os olhos. Céus! Esse homem é quente.

─ Eu acho que o contador que você conheceu não causou uma boa impressão da nossa profissão. Eu poderia estar magoado, mas, uma vez que você disse que eu não me pareço com um contador, eu acho que posso tomar isso como um elogio. Então me diga com que eu não me pareço exatamente?

─ Não é óbvio? Se eu usar esse contador que eu acabei de descrever para comparar, você não se parece em absolutamente nada. Você se veste bem, seu terno é impecável e eu posso apostar que é obscenamente caro, embora não tenha ideia do quanto. Você não parece desajeitado, tem uma boa postura, se move com graça e, além disso, tem um belo rosto. O seu cabelo é um pouco bagunçado, mas de um jeito sexy. Ah e você não usa óculos. Eu diria mais que você se parece com um advogado.

─ Nossa! Como você é modesta. – Ele diz com sarcasmo – devo me sentir lisonjeado em me parecer com um advogado, já que me parecer com o seu modelo de contador não é uma boa coisa, no final das contas. Agora, se me permite uma observação, essa parte de se mover com graça me pareceu um pouco... delicado demais – eu ri dessa pequena demonstração de macheza ─ Eu não usaria “graciosidade” para me descrever. Mas eu vou tomar isso como um elogio também, apesar de tudo. Quanto ao restante, eu uso óculos, às vezes. Hoje uso bem menos, geralmente eu uso para leitura e, também, porque durante muito tempo estive habituado a eles. Mas as lentes não são grossas e, ultimamente eu tenho usado lentes de contato. Espero que isso não estrague o modelo de advogado que você criou na sua cabeça.

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