Capítulo 2

Aléssio Romano,

O poder é uma coisa curiosa. Quando você tem o controle, tudo parece estar à sua disposição. As pessoas abaixam a cabeça quando você passa, e ninguém ousa olhar nos seus olhos por muito tempo. Mas, por dentro, é diferente. Por dentro, você carrega um peso que ninguém vê. Um peso que, no meu caso, tem o rosto de uma garotinha de seis anos, deitada numa cama de hospital, lutando contra algo que nenhum poder, nenhum dinheiro, pode derrotar.

Meu nome é Alessio Romano, e eu sempre soube o que era o controle. Desde jovem, fui criado no mundo do crime, onde força e lealdade eram tudo. Vi meu pai comandar com mão de ferro, e quando ele morreu, não havia dúvida de que eu seria o próximo a carregar o fardo da família. Aprendi rápido que nesse mundo, ou você controla, ou é controlado. E eu nunca fui bom em ser controlado.

Hoje, eu tinha saído de mais uma dessas reuniões intermináveis. Homens de terno, conversas sobre territórios e negócios. Eu os controlava, mas por dentro, minha mente estava em outro lugar. Na verdade, estava sempre em outro lugar desde que minha sobrinha, Lia, ficou doente.

Lia é a filha da minha irmã mais velha. Ela tinha seis anos e sempre foi cheia de vida. Corria pela casa, me fazia perguntas que eu nunca sabia como responder. Até que um dia, ela parou de correr. Parou de brincar. Começou a reclamar de dores que ninguém conseguia explicar, até que o diagnóstico veio: leucemia. A palavra caiu como um soco no estômago. Câncer. Aquela doença que só acontece com os outros, até que ela entra na sua vida sem pedir licença.

Desde então, eu fazia o que podia. Pagava pelos melhores médicos, pelas melhores clínicas. Mas nada disso fazia diferença no olhar vazio que ela começou a carregar. Eu a visitava todos os dias. Nunca deixava de ir, nem por um minuto. Quando eu chegava, ela sorria, mas era um sorriso fraco. Um sorriso que não pertencia a uma criança. Ela tinha perdido a força. E, se eu pudesse, trocaria de lugar com ela em um segundo. Mas o mundo não funciona assim, não importa quanto poder você tenha.

Depois da reunião, minha mente estava nela. Lia queria um livro. Ela me disse isso ontem, com a voz fraca, mas decidida. Eu prometi que iria comprar o livro para ela. Um livro infantil sobre aventuras e magia. Algo que a fizesse esquecer, nem que fosse por um momento, da dor e da tristeza. Só havia uma livraria na cidade que tinha o livro, um lugar pequeno na esquina de uma rua movimentada, escondida entre lojas de café e escritórios.

Quando o carro parou na frente da livraria, olhei para fora. A chuva fina ainda caía, encharcando as calçadas. Um dos meus homens, Vito, saiu primeiro, segurando um guarda-chuva. Abri a porta, ajustando meu casaco antes de sair. Eu não me importava com a chuva, mas há certas imagens que preciso manter. Ninguém me vê molhado, ninguém me vê vulnerável. Um mafioso sempre precisa parecer no controle, mesmo quando está no limite.

Caminhei até a entrada da livraria, com Vito me protegendo da chuva. Quando entrei, o cheiro de papel velho e madeira polida me cercou, um alívio temporário dos meus problemas. A dona, uma mulher idosa, me cumprimentou com um aceno de cabeça. Ela sabia quem eu era, claro. Todo mundo naquela parte da cidade sabia.

— O livro está reservado, senhor Romano — disse ela, com um leve sorriso.

Agradeci com um aceno e paguei em dinheiro. Não precisei falar muito. Peguei o livro, sentindo seu peso nas mãos. Era leve, colorido, com ilustrações alegres que pareciam tão distantes do meu mundo. Mas era o que Lia queria, então era o que ela teria.

Saí da livraria, ainda sob o guarda-chuva de Vito. A chuva havia aumentado, batendo forte no asfalto. O mundo parecia mais frio, mais cinza. Enquanto eu caminhava de volta para o carro, uma mulher passou correndo pela calçada e se esbarrou em mim. Foi tudo rápido demais. Ela caiu no chão, sentada, suas roupas absorvendo a água da calçada encharcada.

— Droga! — ela murmurou, tentando se levantar.

Eu parei por um segundo, encarando-a. Ela parecia desesperada, molhada e, pela aparência, alguém acostumada a se meter em problemas. Meu instinto de controlar a situação me dizia para continuar andando. Mas alguma coisa me fez ficar ali, olhando para ela enquanto Vito segurava o guarda-chuva sobre mim, completamente indiferente à situação.

— Está bem? — perguntei, em um tom que parecia mais uma formalidade do que verdadeira preocupação.

Ela levantou o rosto, os olhos estreitos de desconfiança. Não parecia grata pela ajuda, mas também não parecia intimidada.

— Estou bem — ela respondeu, tentando se levantar sozinha, mas com dificuldade. — Não preciso de ajuda.

Eu olhei para ela, analisando-a por um momento. Estava claro que ela era alguém que não se importava com as regras.

Vito deu um passo à frente, como se quisesse que eu seguisse em frente, mas levantei a mão. Havia algo naquela garota que me fez pausar. Talvez fosse o olhar vazio que lembrava, de certa forma, o de Lia. Talvez fosse só curiosidade.

— Você deveria tomar mais cuidado — falei, sem tirar os olhos dela.

Ela finalmente se levantou, ajeitando as roupas molhadas com um ar de desafio.

— E você deveria andar com menos seguranças — ela retrucou, olhando para Vito de relance. — Afinal, foi por culpa de vocês que cai, estavam no caminho.

Eu sorri, um sorriso leve, quase imperceptível. Não era o tipo de resposta que eu esperava, e talvez por isso tenha me interessado. Não era comum alguém falar assim comigo, ainda mais sem saber quem eu era.

— Talvez — respondi, virando de costas para ela e voltando para o carro.

Entrei no carro e olhei para o livro no meu colo. A vida era cheia de momentos inesperados. Mas naquele momento, minha mente estava em Lia. Ela esperava por mim, e nada mais importava.

— Vamos para a clínica — ordenei.

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