Aléssio Romano,
O poder é uma coisa curiosa. Quando você tem o controle, tudo parece estar à sua disposição. As pessoas abaixam a cabeça quando você passa, e ninguém ousa olhar nos seus olhos por muito tempo. Mas, por dentro, é diferente. Por dentro, você carrega um peso que ninguém vê. Um peso que, no meu caso, tem o rosto de uma garotinha de seis anos, deitada numa cama de hospital, lutando contra algo que nenhum poder, nenhum dinheiro, pode derrotar. Meu nome é Alessio Romano, e eu sempre soube o que era o controle. Desde jovem, fui criado no mundo do crime, onde força e lealdade eram tudo. Vi meu pai comandar com mão de ferro, e quando ele morreu, não havia dúvida de que eu seria o próximo a carregar o fardo da família. Aprendi rápido que nesse mundo, ou você controla, ou é controlado. E eu nunca fui bom em ser controlado. Hoje, eu tinha saído de mais uma dessas reuniões intermináveis. Homens de terno, conversas sobre territórios e negócios. Eu os controlava, mas por dentro, minha mente estava em outro lugar. Na verdade, estava sempre em outro lugar desde que minha sobrinha, Lia, ficou doente. Lia é a filha da minha irmã mais velha. Ela tinha seis anos e sempre foi cheia de vida. Corria pela casa, me fazia perguntas que eu nunca sabia como responder. Até que um dia, ela parou de correr. Parou de brincar. Começou a reclamar de dores que ninguém conseguia explicar, até que o diagnóstico veio: leucemia. A palavra caiu como um soco no estômago. Câncer. Aquela doença que só acontece com os outros, até que ela entra na sua vida sem pedir licença. Desde então, eu fazia o que podia. Pagava pelos melhores médicos, pelas melhores clínicas. Mas nada disso fazia diferença no olhar vazio que ela começou a carregar. Eu a visitava todos os dias. Nunca deixava de ir, nem por um minuto. Quando eu chegava, ela sorria, mas era um sorriso fraco. Um sorriso que não pertencia a uma criança. Ela tinha perdido a força. E, se eu pudesse, trocaria de lugar com ela em um segundo. Mas o mundo não funciona assim, não importa quanto poder você tenha. Depois da reunião, minha mente estava nela. Lia queria um livro. Ela me disse isso ontem, com a voz fraca, mas decidida. Eu prometi que iria comprar o livro para ela. Um livro infantil sobre aventuras e magia. Algo que a fizesse esquecer, nem que fosse por um momento, da dor e da tristeza. Só havia uma livraria na cidade que tinha o livro, um lugar pequeno na esquina de uma rua movimentada, escondida entre lojas de café e escritórios. Quando o carro parou na frente da livraria, olhei para fora. A chuva fina ainda caía, encharcando as calçadas. Um dos meus homens, Vito, saiu primeiro, segurando um guarda-chuva. Abri a porta, ajustando meu casaco antes de sair. Eu não me importava com a chuva, mas há certas imagens que preciso manter. Ninguém me vê molhado, ninguém me vê vulnerável. Um mafioso sempre precisa parecer no controle, mesmo quando está no limite. Caminhei até a entrada da livraria, com Vito me protegendo da chuva. Quando entrei, o cheiro de papel velho e madeira polida me cercou, um alívio temporário dos meus problemas. A dona, uma mulher idosa, me cumprimentou com um aceno de cabeça. Ela sabia quem eu era, claro. Todo mundo naquela parte da cidade sabia. — O livro está reservado, senhor Romano — disse ela, com um leve sorriso. Agradeci com um aceno e paguei em dinheiro. Não precisei falar muito. Peguei o livro, sentindo seu peso nas mãos. Era leve, colorido, com ilustrações alegres que pareciam tão distantes do meu mundo. Mas era o que Lia queria, então era o que ela teria. Saí da livraria, ainda sob o guarda-chuva de Vito. A chuva havia aumentado, batendo forte no asfalto. O mundo parecia mais frio, mais cinza. Enquanto eu caminhava de volta para o carro, uma mulher passou correndo pela calçada e se esbarrou em mim. Foi tudo rápido demais. Ela caiu no chão, sentada, suas roupas absorvendo a água da calçada encharcada. — Droga! — ela murmurou, tentando se levantar. Eu parei por um segundo, encarando-a. Ela parecia desesperada, molhada e, pela aparência, alguém acostumada a se meter em problemas. Meu instinto de controlar a situação me dizia para continuar andando. Mas alguma coisa me fez ficar ali, olhando para ela enquanto Vito segurava o guarda-chuva sobre mim, completamente indiferente à situação. — Está bem? — perguntei, em um tom que parecia mais uma formalidade do que verdadeira preocupação. Ela levantou o rosto, os olhos estreitos de desconfiança. Não parecia grata pela ajuda, mas também não parecia intimidada. — Estou bem — ela respondeu, tentando se levantar sozinha, mas com dificuldade. — Não preciso de ajuda. Eu olhei para ela, analisando-a por um momento. Estava claro que ela era alguém que não se importava com as regras. Vito deu um passo à frente, como se quisesse que eu seguisse em frente, mas levantei a mão. Havia algo naquela garota que me fez pausar. Talvez fosse o olhar vazio que lembrava, de certa forma, o de Lia. Talvez fosse só curiosidade. — Você deveria tomar mais cuidado — falei, sem tirar os olhos dela. Ela finalmente se levantou, ajeitando as roupas molhadas com um ar de desafio. — E você deveria andar com menos seguranças — ela retrucou, olhando para Vito de relance. — Afinal, foi por culpa de vocês que cai, estavam no caminho. Eu sorri, um sorriso leve, quase imperceptível. Não era o tipo de resposta que eu esperava, e talvez por isso tenha me interessado. Não era comum alguém falar assim comigo, ainda mais sem saber quem eu era. — Talvez — respondi, virando de costas para ela e voltando para o carro. Entrei no carro e olhei para o livro no meu colo. A vida era cheia de momentos inesperados. Mas naquele momento, minha mente estava em Lia. Ela esperava por mim, e nada mais importava. — Vamos para a clínica — ordenei.Bianca Santoro,A porta de casa bateu atrás de mim com um estrondo. O som ecoou pelas paredes sujas e cheias de manchas, o tipo de coisa que ninguém mais notava, exceto eu. Aquele lugar me sufocava. Cada centímetro, cada cheiro, cada lembrança. Meu corpo estava molhado pela chuva, mas a dor que eu sentia não vinha disso. Minha cabeça estava a mil desde o encontro com aquele homem estranho na rua, mas eu mal tinha tempo para processar aquilo. Porque logo que entrei, senti o peso da presença dela.Minha tia estava no meio da sala, com uma garrafa de cerveja na mão, olhando para mim com aqueles olhos vidrados de ódio misturado com o álcool. Ela sabia. Não sei como, mas sabia. E quando ela sabia de algo, o inferno logo começava.— Você acha que eu sou burra, fedelha? — sua voz saiu num rosnado, arrastando as palavras como quem já tinha bebido demais. — Você acha que eu não sei o que você fez hoje?Ela deu um passo à frente, seu corpo cambaleando um pouco. Não respondi. Sabia o que vinha a
Aléssio Romano,O carro deslizou silenciosamente até a frente da clínica. Era um trajeto que eu já conhecia de cor, como se meu corpo soubesse exatamente a hora de desligar a mente e entrar no modo automático. Não importava quantas reuniões eu tivesse, quantos negócios fossem fechados ou quantas vidas fossem tiradas ao meu redor, quando eu chegava ali, tudo parava. O peso do mundo do lado de fora ficava pequeno, insignificante. Ali, o mundo era só ela.Vito, meu soldado mais fiel, saiu do carro antes de mim, abrindo o guarda-chuva e caminhando até minha porta. Ele era eficiente, como sempre. Um homem de poucas palavras, mas de ações precisas. Abri a porta e, em segundos, o guarda-chuva estava sobre minha cabeça. A chuva ainda caía devagar, mas para mim, era como se fosse invisível. Meus olhos estavam fixos na porta da clínica, e minha mente estava no quarto dela.Entramos. O ambiente cheirava a álcool, o tipo de cheiro que grudava na pele e nos ossos. As enfermeiras me cumprimentaram
Bianca Santoro,O dia amanheceu, mas para mim parecia que a noite ainda se arrastava. Eu estava deitada na cama do mesmo jeito que me joguei nela na noite anterior, sem me mover, sem fechar os olhos nem por um segundo. A escuridão já tinha se esvaído pela janela, mas o vazio dentro de mim continuava. Fitei o teto por horas, tentando encontrar respostas, tentando entender por que eu continuava nesse ciclo de dor e culpa. O rosto do meu irmão, o tapa da minha tia, tudo se misturava na minha cabeça, uma tortura silenciosa que eu não conseguia afastar.Meu corpo estava pesado, como se eu estivesse presa naquele colchão velho e afundado. Eu sabia que deveria me levantar, fazer algo, qualquer coisa. Mas a verdade é que, por mais que o mundo lá fora estivesse vivo, eu não me sentia parte dele. Eu era um fantasma em minha própria vida.De repente, ouvi batidas fortes na porta.— Anda, levanta dessa cama! — a voz da minha tia soou áspera, cheia de desprezo. — Aqui não é a casa da mãe Joana! Va
Aléssio Romano, Acordei cedo, como de costume. O sol mal tinha nascido e, mesmo assim, minha mente já estava cheia de compromissos e responsabilidades. Havia uma reunião importante pela manhã, algo que não podia ser adiado. Além disso, uma viagem estava marcada para a noite, um encontro essencial com outros membros do meu círculo de negócios. Tudo precisava seguir conforme o plano. Não havia espaço para erros. Levantei, caminhei até o banheiro e liguei o chuveiro. A água quente caía sobre meus ombros, relaxando os músculos que pareciam estar sempre tensos. Esse era o único momento do dia em que eu podia me desligar do caos que me cercava, mesmo que fosse por alguns minutos. Após o banho, me vesti com cuidado. Meu terno estava impecável, o tecido ajustado perfeitamente ao corpo. Coloquei a gravata preta, o toque final de uma rotina que eu conhecia bem demais. Olhei no espelho rapidamente, mas sem interesse. O reflexo que vi era o mesmo de sempre: controle absoluto. Pelo menos, era o
Aléssio Romano,A discussão entre mim e Bianca foi curta, mas intensa. Suas respostas afiadas, sua raiva evidente, e a maneira como ela me encarava, como se quisesse me afastar e desafiar ao mesmo tempo, me deixavam inquieto. Ela era diferente de qualquer outra pessoa que eu já tinha conhecido. E havia algo nela que me incomodava de uma maneira que eu não conseguia definir. Mas, antes que eu pudesse continuar tentando entender o que estava acontecendo entre nós, a enfermeira entrou no quarto.Ela caminhou até o soro pendurado ao lado da cama de Bianca e verificou os medicamentos com a eficiência de quem já fez isso milhares de vezes. Bianca permaneceu em silêncio, e eu me afastei um pouco, permitindo que a enfermeira fizesse o trabalho dela.Foi nesse momento que meu celular vibrou no bolso do meu terno. Atendi com um movimento rápido, levando o telefone ao ouvido. Era Vito.— Senhor Romano, Don Rick está esperando. Ele ligou perguntando quando você vai chegar para a reunião — a voz d
Bianca Santoro, — O que aquele homem pensa que sou? — murmurei, sentindo o desconforto do soro preso à minha veia. — Não vou ficar aqui, só porque ele quer. A sala branca e fria do hospital me fazia sentir ainda mais sufocada. Eu odiava hospitais, e o fato de estar ali, sob o olhar daquele homem misterioso, me deixava ainda mais agitada. Não era apenas a dor física que me incomodava, era o peso de estar constantemente sob o controle de situações que pareciam fugir do meu alcance. Eu não queria a ajuda dele, muito menos precisava de sua piedade. Não precisava de ninguém.Com um movimento brusco, arranquei a agulha do soro do meu braço. O pequeno ponto de sangue apareceu na pele, mas eu não me importei. Era uma dor insignificante comparada ao que eu já havia suportado. Respirei fundo e balancei a cabeça. Precisava sair dali, e rápido. O que quer que estivesse acontecendo, eu não queria fazer parte disso. Aquela cama de hospital me fazia lembrar da fragilidade da vida. E fragilidade er
Aléssio Romano,A sala de reuniões estava silenciosa, exceto pelo som do ar-condicionado zumbindo no canto. Ao redor da mesa de mármore polida, homens de terno esperavam para que o Don Rick finalmente continuasse a tratar do assunto dos carregamentos, suas expressões sérias. Já fazia a mais ou menos 1 hora de reunião. Don Rick estava sentado na ponta da mesa. Ele era um dos mais antigos aliados da família, mas também era o mais cauteloso. Sabia como medir cada palavra e gesto, o que o tornava um aliado perigoso, mas essencial.— Os últimos carregamentos chegaram, mas houve um problema com a alfândega no porto. — A voz de Don Rick soava como um trovão suave, mas com peso de comando. — Precisamos ter certeza de que os "contatos" estão fazendo o que foi combinado. Se não, vamos perder uma boa quantia.— Já esperava por isso. — Minha voz era calma, mas firme. — Eu tinha algumas suspeitas de que alguém estava tentando desviar a atenção da alfândega, talvez nos testar. Já mandei uma equip
Aléssio Romano,Assim que cheguei à mansão, o peso do dia começou a se fazer sentir sobre meus ombros. A reunião com Rick, o desenrolar dos problemas com os carregamentos, e, é claro, Bianca. Tudo parecia estar se acumulando em um ritmo que eu não podia controlar, e isso era algo que me incomodava profundamente. Eu sempre controlei todas as variáveis da minha vida, mas, ultimamente, sentia que as coisas estavam fugindo de minhas mãos. Eu prometi a minha sobrinha Lia, que iria na clínica quando saísse da reunião, mas com tudo que aconteceu, acabei não podendo ir. Caminhei direto para meu quarto, sem nem mesmo notar os olhares dos seguranças que estavam de plantão. Precisava de um tempo para mim. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio me envolveu, um silêncio que eu costumava apreciar, mas que hoje parecia mais pesado.Tirei minha roupa lentamente, desfazendo o nó da gravata, desabotoando o paletó e jogando-o sobre a cadeira ao lado da cama. Cada peça de roupa que removia er