Bianca Santoro,
O dia amanheceu, mas para mim parecia que a noite ainda se arrastava. Eu estava deitada na cama do mesmo jeito que me joguei nela na noite anterior, sem me mover, sem fechar os olhos nem por um segundo. A escuridão já tinha se esvaído pela janela, mas o vazio dentro de mim continuava. Fitei o teto por horas, tentando encontrar respostas, tentando entender por que eu continuava nesse ciclo de dor e culpa. O rosto do meu irmão, o tapa da minha tia, tudo se misturava na minha cabeça, uma tortura silenciosa que eu não conseguia afastar. Meu corpo estava pesado, como se eu estivesse presa naquele colchão velho e afundado. Eu sabia que deveria me levantar, fazer algo, qualquer coisa. Mas a verdade é que, por mais que o mundo lá fora estivesse vivo, eu não me sentia parte dele. Eu era um fantasma em minha própria vida. De repente, ouvi batidas fortes na porta. — Anda, levanta dessa cama! — a voz da minha tia soou áspera, cheia de desprezo. — Aqui não é a casa da mãe Joana! Vai comprar uns pães pra mim, vai! Fechei os olhos por um segundo, desejando que ela sumisse, que aquela vida sumisse. Mas o que eu queria nunca importava. O que ela queria, sim. Suspirei fundo, puxei o cobertor de cima do meu corpo e me arrastei para fora da cama. Meus músculos estavam rígidos, como se eu tivesse corrido por quilômetros, mas tudo o que eu fiz foi ficar deitada a noite toda, perdida em pensamentos que só me afundavam mais. Passei pela porta sem olhar para a cara dela, mas senti seus olhos cravados em mim, como se estivesse me julgando a cada segundo. Peguei o dinheiro amassado que ela jogou em cima da mesa e saí. A rua estava mais movimentada do que o normal. O sol mal havia surgido por entre as nuvens cinzentas, e eu já sentia o peso do dia nas minhas costas. Caminhei sem pressa, com os ombros encolhidos e a cabeça baixa. A padaria ficava a algumas quadras de distância, mas parecia que cada passo que eu dava me levava para mais longe, como se o caminho se estendesse diante de mim, sem fim. Enquanto eu me aproximava da esquina, senti aquela sensação que me dizia que algo estava errado. Era como se o ar ao meu redor estivesse diferente, carregado de uma tensão diferente. Olhei discretamente por cima do ombro e vi dois homens parados do outro lado da rua. Os mesmos homens da noite anterior. — Caramba, de novo não ... — murmurei para mim mesma, o coração começando a bater mais rápido. Tentei acelerar o passo sem parecer que estava fugindo, mas eles não eram idiotas. Eles começaram a se mover, atravessando a rua lentamente, como predadores que sabem que a presa não tem para onde correr. Eu tinha duas opções: correr e tentar despistá-los de novo ou enfrentar a situação de frente. Eu já estava cansada de correr. E o medo... bem, o medo tinha se tornado uma parte constante da minha vida. Talvez fosse hora de encarar isso. Cruzei a rua rapidamente, meus olhos vasculhando ao redor em busca de uma saída ou de alguma ajuda. As pessoas passavam apressadas, ninguém notava a garota problemática que tentava se manter viva mais um dia. Quando cheguei na calçada do outro lado, senti um puxão forte no braço. Um dos homens estava mais rápido do que eu esperava. — Achou que ia escapar fácil, garota? — ele disse, apertando meu braço com força. — Você tem uma dívida a pagar. O dinheiro não estava completo, não foi suficiente. — Não devo nada a vocês! — respondi, puxando meu braço, tentando me soltar. O outro homem apareceu ao meu lado, bloqueando minha saída. — Não adianta correr dessa vez, mocinha. — Ele sorriu, o sorriso mais cruel que já vi. — Queremos o restante do dinheiro, ou você servirá para nós 4 de outra forma, será bem divertido brincar com você. Eu não tinha o que eles queriam. E mesmo que tivesse, não daria. Minha mente trabalhava rápido, buscando qualquer rota de fuga, qualquer oportunidade. No desespero, fiz a única coisa que pude pensar: puxei meu braço com toda a força que tinha e corri em direção à rua. A adrenalina tomou conta de mim, e por um segundo, pensei que poderia escapar. Mas foi nesse segundo que tudo aconteceu. O som de um carro freando bruscamente encheu meus ouvidos, e tudo ao meu redor pareceu desacelerar. Senti algo me atingir com uma força tão grande que foi como se o mundo tivesse desmoronado sobre mim. Fui arremessada para trás, caindo no asfalto molhado da chuva da noite anterior. Minha cabeça bateu no chão, e a última coisa que vi foi o céu nublado, antes de tudo se apagar. 。◕‿◕。 Quando acordei, tudo estava nebuloso. Minha cabeça latejava, e uma dor lancinante atravessava meu corpo. O som da rua estava distante, como se eu estivesse ouvindo tudo debaixo d'água. Pisquei algumas vezes, tentando focar minha visão. Aos poucos, vi aquele homem da noite anterior, ali próximo a mim. Seus olhos azuis intenso encontram os meus, e neles haviam preocupação. Ele estava cercado por outros homens de terno. Meu cérebro levou um segundo para processar o que havia acontecido. — Você está bem? — ele perguntou, a voz baixa, mas firme, como se já soubesse que a resposta era não. Tentei falar, mas minha garganta estava seca, e tudo o que saiu foi um murmúrio sem sentido. Minha visão ainda estava turva, mas eu percebi que estava cercada. Os homens que me perseguiam não estavam mais lá. Provavelmente fugiram no momento do impacto. Eu havia escapado deles por sorte, ou por azar, dependendo de como se olhasse. Aquele homem abaixou-se ao meu lado, seus olhos me analisando com cuidado. — Você precisa de um hospital. — Ele fez um sinal com a mão, e um de seus homens se aproximou. — Chame uma ambulância, rápido. — Sim senhor! Eu queria dizer que não precisava de ajuda, que podia me virar sozinha. Mas, naquele momento, meu corpo não me obedecia. A dor e o cansaço eram maiores do que o orgulho.Aléssio Romano, Acordei cedo, como de costume. O sol mal tinha nascido e, mesmo assim, minha mente já estava cheia de compromissos e responsabilidades. Havia uma reunião importante pela manhã, algo que não podia ser adiado. Além disso, uma viagem estava marcada para a noite, um encontro essencial com outros membros do meu círculo de negócios. Tudo precisava seguir conforme o plano. Não havia espaço para erros. Levantei, caminhei até o banheiro e liguei o chuveiro. A água quente caía sobre meus ombros, relaxando os músculos que pareciam estar sempre tensos. Esse era o único momento do dia em que eu podia me desligar do caos que me cercava, mesmo que fosse por alguns minutos. Após o banho, me vesti com cuidado. Meu terno estava impecável, o tecido ajustado perfeitamente ao corpo. Coloquei a gravata preta, o toque final de uma rotina que eu conhecia bem demais. Olhei no espelho rapidamente, mas sem interesse. O reflexo que vi era o mesmo de sempre: controle absoluto. Pelo menos, era o
Aléssio Romano,A discussão entre mim e Bianca foi curta, mas intensa. Suas respostas afiadas, sua raiva evidente, e a maneira como ela me encarava, como se quisesse me afastar e desafiar ao mesmo tempo, me deixavam inquieto. Ela era diferente de qualquer outra pessoa que eu já tinha conhecido. E havia algo nela que me incomodava de uma maneira que eu não conseguia definir. Mas, antes que eu pudesse continuar tentando entender o que estava acontecendo entre nós, a enfermeira entrou no quarto.Ela caminhou até o soro pendurado ao lado da cama de Bianca e verificou os medicamentos com a eficiência de quem já fez isso milhares de vezes. Bianca permaneceu em silêncio, e eu me afastei um pouco, permitindo que a enfermeira fizesse o trabalho dela.Foi nesse momento que meu celular vibrou no bolso do meu terno. Atendi com um movimento rápido, levando o telefone ao ouvido. Era Vito.— Senhor Romano, Don Rick está esperando. Ele ligou perguntando quando você vai chegar para a reunião — a voz d
Bianca Santoro, — O que aquele homem pensa que sou? — murmurei, sentindo o desconforto do soro preso à minha veia. — Não vou ficar aqui, só porque ele quer. A sala branca e fria do hospital me fazia sentir ainda mais sufocada. Eu odiava hospitais, e o fato de estar ali, sob o olhar daquele homem misterioso, me deixava ainda mais agitada. Não era apenas a dor física que me incomodava, era o peso de estar constantemente sob o controle de situações que pareciam fugir do meu alcance. Eu não queria a ajuda dele, muito menos precisava de sua piedade. Não precisava de ninguém.Com um movimento brusco, arranquei a agulha do soro do meu braço. O pequeno ponto de sangue apareceu na pele, mas eu não me importei. Era uma dor insignificante comparada ao que eu já havia suportado. Respirei fundo e balancei a cabeça. Precisava sair dali, e rápido. O que quer que estivesse acontecendo, eu não queria fazer parte disso. Aquela cama de hospital me fazia lembrar da fragilidade da vida. E fragilidade er
Aléssio Romano,A sala de reuniões estava silenciosa, exceto pelo som do ar-condicionado zumbindo no canto. Ao redor da mesa de mármore polida, homens de terno esperavam para que o Don Rick finalmente continuasse a tratar do assunto dos carregamentos, suas expressões sérias. Já fazia a mais ou menos 1 hora de reunião. Don Rick estava sentado na ponta da mesa. Ele era um dos mais antigos aliados da família, mas também era o mais cauteloso. Sabia como medir cada palavra e gesto, o que o tornava um aliado perigoso, mas essencial.— Os últimos carregamentos chegaram, mas houve um problema com a alfândega no porto. — A voz de Don Rick soava como um trovão suave, mas com peso de comando. — Precisamos ter certeza de que os "contatos" estão fazendo o que foi combinado. Se não, vamos perder uma boa quantia.— Já esperava por isso. — Minha voz era calma, mas firme. — Eu tinha algumas suspeitas de que alguém estava tentando desviar a atenção da alfândega, talvez nos testar. Já mandei uma equip
Aléssio Romano,Assim que cheguei à mansão, o peso do dia começou a se fazer sentir sobre meus ombros. A reunião com Rick, o desenrolar dos problemas com os carregamentos, e, é claro, Bianca. Tudo parecia estar se acumulando em um ritmo que eu não podia controlar, e isso era algo que me incomodava profundamente. Eu sempre controlei todas as variáveis da minha vida, mas, ultimamente, sentia que as coisas estavam fugindo de minhas mãos. Eu prometi a minha sobrinha Lia, que iria na clínica quando saísse da reunião, mas com tudo que aconteceu, acabei não podendo ir. Caminhei direto para meu quarto, sem nem mesmo notar os olhares dos seguranças que estavam de plantão. Precisava de um tempo para mim. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio me envolveu, um silêncio que eu costumava apreciar, mas que hoje parecia mais pesado.Tirei minha roupa lentamente, desfazendo o nó da gravata, desabotoando o paletó e jogando-o sobre a cadeira ao lado da cama. Cada peça de roupa que removia er
Aléssio Romano,As últimas três semanas passaram em um ritmo lento, quase arrastado. Viajei, tratei de negócios importantes, participei de festas e jantares de interesse. Negociei contratos significativos e mantive minha presença no mundo dos negócios como de costume. Minha rotina seguia inabalável, com a exceção de um detalhe: nada de Bianca. Nenhum sinal, nenhuma palavra. Ela parecia ter desaparecido completamente. Meu pai sempre dizia que a pressa é inimiga da perfeição, e talvez ele estivesse certo. Algum momento, ela iria precisar de mim. Isso era inevitável. No final, todos precisam de algo. Bianca não seria diferente.Enquanto aguardava esse momento, segui com meus compromissos, concentrando-me nos acordos em andamento. O controle sempre foi a base de tudo para mim. Eu me assegurava de que cada movimento fosse calculado e eficiente. Por trás dos jantares de negócios e das festas de aparências, sempre havia uma nova negociação, uma nova aliança a ser formada. Cada passo no mundo
Bianca Santoro,Essas semanas se arrastaram como se o tempo estivesse preso, me sufocando a cada segundo que passava. Minha vida não mudou muito desde a última vez que vi aquele homem arrogante. Continuei fugindo dos canalhas a quem eu ainda devia uma boa parte do dinheiro. Sempre que achava que tinha escapado deles, apareciam em alguma esquina, prontos para me lembrar de que minha dívida estava longe de ser paga.Hoje não era diferente. Estava vestida de preto, com uma toca que cobria meu cabelo e uma máscara no rosto. Sentada em um banco em frente a uma loja de roupas, observava o movimento da rua. Minha mente estava focada em um plano. Nas últimas três semanas, estive arquitetando como conseguir o dinheiro para pagar aqueles desgraçados de uma vez por todas. Não era fácil, mas eu precisava arriscar. Precisava agir.O barulho das pessoas andando pela rua e o som dos carros ao fundo ajudavam a disfarçar minha ansiedade. Meu alvo era simples: a loja à minha frente. O caixa dela estava
Aléssio Romano,Assim que entrei no meu escritório após a visita à clínica, recebi uma ligação de Vito. Já era tarde, e eu esperava que o dia estivesse acabando, mas parecia que a noite ainda me reservaria algumas surpresas.— Senhor, Bianca se meteu em uma fria. — disse ele, com aquele tom calmo, quase indiferente. — A molecada chama assim, não é? Ela entrou em uma loja de roupas, pegou o dinheiro do caixa, e assim que saiu, o alarme disparou. A polícia foi acionada e prendeu ela. Levaram-na para a delegacia.Suspirei, sem surpresa. Eu sabia que isso iria acontecer eventualmente. Bianca não era o tipo de pessoa que conseguia se manter longe de problemas. Ela estava presa naquele ciclo autodestrutivo, e, por mais que resistisse, o fim sempre seria o mesmo. Era inevitável.— Não faça nada. — respondi a Vito. — Ela vai ter que me procurar. Eu sei que vai dar um jeito de me ligar.Desliguei o telefone e caminhei até a janela do meu escritório, olhando para o jardim lá fora. Uma parte de