Capítulo 4

Aléssio Romano,

O carro deslizou silenciosamente até a frente da clínica. Era um trajeto que eu já conhecia de cor, como se meu corpo soubesse exatamente a hora de desligar a mente e entrar no modo automático. Não importava quantas reuniões eu tivesse, quantos negócios fossem fechados ou quantas vidas fossem tiradas ao meu redor, quando eu chegava ali, tudo parava. O peso do mundo do lado de fora ficava pequeno, insignificante. Ali, o mundo era só ela.

Vito, meu soldado mais fiel, saiu do carro antes de mim, abrindo o guarda-chuva e caminhando até minha porta. Ele era eficiente, como sempre. Um homem de poucas palavras, mas de ações precisas. Abri a porta e, em segundos, o guarda-chuva estava sobre minha cabeça. A chuva ainda caía devagar, mas para mim, era como se fosse invisível. Meus olhos estavam fixos na porta da clínica, e minha mente estava no quarto dela.

Entramos. O ambiente cheirava a álcool, o tipo de cheiro que grudava na pele e nos ossos. As enfermeiras me cumprimentaram com um leve aceno, todas já acostumadas com minha presença. Algumas delas tinham sorrisos amigáveis, outras mantinham a distância, mas não importava. Eu não estava ali por elas.

— Boa noite, senhor Romano — disse uma delas, passando rapidamente pelo corredor.

— Boa noite, respondi sem tirar os olhos do caminho.

Segui em frente, subindo as escadas e atravessando os corredores que me levavam ao quarto 302. Esse número estava gravado na minha mente como uma marca que eu nunca poderia apagar. Era onde ela estava. Onde ela lutava, dia após dia.

Quando cheguei à porta, respirei fundo. Sempre fazia isso. Não importava quantas vezes eu a visitasse, sempre havia aquele segundo de pausa antes de entrar. Como se eu precisasse reunir forças para enfrentar o que me esperava lá dentro. Ela era tão pequena, tão frágil. E eu, com todo meu poder e influência, era impotente.

Abri a porta lentamente e entrei.

Lia estava deitada na cama, rodeada por travesseiros e cobertores coloridos que eu tinha comprado para ela, na esperança de que fizessem aquele lugar parecer menos frio. Ela tinha a pele pálida, os olhos fundos e o cabelo, que um dia foi cheio de vida, agora estava ralo. A leucemia estava consumindo cada parte dela. E eu não podia fazer nada, a não ser estar ali.

— Oi, pequena — minha voz saiu suave, quase um sussurro.

Os olhos dela se abriram lentamente, e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.

— Tio Aléssio — ela murmurou, a voz fraca, mas cheia de carinho.

Caminhei até a cama, sentando-me na cadeira ao lado. Peguei a pequena mão dela nas minhas. Estava gelada, como sempre. Eu esfreguei levemente seus dedos, tentando aquecê-los, como se isso fosse ajudar de alguma forma.

— Como você está hoje? — perguntei, mesmo sabendo a resposta.

— Cansada... mas bem. — Ela tentou sorrir de novo, mas o esforço era visível. — A mamãe veio me ver hoje.

Assenti. Minha irmã tentava estar presente o máximo que podia, mas eu sabia que ela evitava passar muito tempo aqui. Era difícil para ela. Era difícil para todos nós.

— Trouxe uma coisa para você — disse, puxando o livro da sacola que estava comigo. — Lembra que você pediu esse?

Os olhos dela brilharam, mesmo que por um momento. Aquele brilho de expectativa que as crianças têm quando recebem algo que desejam. Ela tentou se sentar, mas sua força não foi suficiente, então eu a ajudei a se ajeitar nos travesseiros.

— Obrigada, tio — ela disse, pegando o livro com as mãos frágeis.

— Você sabe que eu sempre cumpro minhas promessas, não é? — sorri, tentando aliviar o peso do momento.

Ela riu baixinho, um som que para mim era o mais precioso do mundo. Eu faria qualquer coisa para ouvir essa risada mais vezes.

— Vai ler pra mim? — Lia pediu, ajeitando o livro no colo.

— Claro que vou. — Peguei o livro de volta e comecei a folhear as páginas.

A história era simples, infantil, sobre aventuras e princesas em reinos distantes. Um mundo de fantasia que Lia adorava. Ela ouvia com atenção, os olhos fixos em mim, embora eu soubesse que em algum momento ela começaria a se cansar. E foi o que aconteceu. Metade da história e já dava para ver seus olhos ficando pesados.

— Você pode parar por aqui, tio — ela disse, piscando devagar. — Termina outro dia.

— Você tem certeza? — perguntei, fechando o livro. — Posso continuar, se quiser.

Ela balançou a cabeça, um gesto suave.

— Amanhã... — murmurou. — Estou cansada.

Eu sabia que talvez amanhã ela não estivesse com forças nem para ouvir. Mas não insistiria. A última coisa que eu queria era forçar alguma coisa a ela. Eu me inclinei e beijei sua testa, sentindo o cheiro suave dos cremes que as enfermeiras passavam nela. Era um cheiro que me fazia lembrar de fragilidade, mas também de amor. Um amor que eu nunca deixaria de sentir por ela.

Fiquei ali sentado, segurando a mão dela até que o sono a levasse de vez. Seu peito subia e descia devagar, cada respiração uma vitória. Cada segundo, um presente.

Quando finalmente saí do quarto, fechei a porta com cuidado, sem fazer barulho. As luzes da clínica eram suaves, e o silêncio era quase opressor. Vito estava me esperando no corredor, ainda segurando o guarda-chuva em mãos, como se o tempo não tivesse passado desde que entramos.

— Tudo certo, senhor Romano? — ele perguntou, a voz baixa.

— Sim, Vito. — Assenti, olhando para o fim do corredor. — Tudo certo por hoje.

Enquanto saíamos da clínica, o peso da minha vida lá fora começou a se arrastar de volta para mim. Eu era Alessio Romano, um homem que controlava tudo ao seu redor, menos o que realmente importava. Ali, no quarto 302, o poder que eu tinha significava absolutamente nada.

O guarda-chuva se abriu sobre mim de novo, e a chuva fria voltou a cair. Mas, no fundo, eu sabia que a tempestade estava dentro de mim.

— Vamos para casa, preciso descansar — avisei.

Vito abriu a porta do carro, entrei e seguimos para minha mansão.

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