A sopa estava deliciosa e esquentou as entranhas de Eleanore, mas não a fez se sentir mais confortável com toda aquela situação que vivenciou.
Ela não sabia se era capaz de lidar com elementais do fogo e fantasmas, mesmo que estes fossem aparentemente amigáveis. Nunca havia pensado na existência desse tipo de criaturas, nunca sequer imaginou e ainda estava considerando a possibilidade de estar sonhando.
Provavelmente estava sendo grosseira em não confiar nas pessoas que cuidaram dela. Eleanore nunca confiou muito nas pessoas, dado os exemplos que tinha, mas, considerando que os habitantes do castelo não eram exatamente humanos, significava que eles eram mais confiáveis por isso?
Eleanore não queria ficar naquele castelo, não quando o senhor dele não estava presente e poderia não gostar de encontrá-la ali. Não sabia que tipo de homem poderia abrigar elementais do fogo e fantasmas em seu castelo. Será que poderia bater nela, como seu pai? Ela não esperaria para obter uma resposta.
Já deveria ser muito tarde, quando Eleanore se aventurou para fora de seu quarto novamente. Levou a lamparina consigo, para usar como arma, caso necessário. Ela ficava olhando para cima, a fim de verificar se havia algum fantasma flutuando no teto. Não tinha.
Ela desceu as escadas muito lentamente para não produzir nenhum ruído.
A escada ficava a vários passos da porta de entrada. Ambos os cômodos que rodeavam a escada eram ricamente mobilhados, com quadros de paisagens pendurados nas paredes, as altas janelas intactas, sem vidros quebrados. Do lado esquerdo, havia sofás, um tapete cobrindo o chão, uma lareira de tijolos acesa, mesinhas com delicados vasos enfeitados com lindas flores. Do lado direito, ficava uma sala um pouco mais íntima, também havia um sofá, poltronas, algumas estantes com livros empilhados, folhas e potinhos com líquidos coloridos.
Eleanore foi para a sala da direita, andando o mais silenciosamente que podia. Na outra extremidade do cômodo, entre duas estantes enormes, havia um corredor amplo, que levava à uma cozinha.
Ela caminhou até lá, sempre atenta e olhando ao redor, o coração disparado no peito.
A cozinha tinha piso de pedra, um grande fogão de aço negro, sustentado por diversos tijolos, ocupava uma boa parte da cozinha, as panelas de aço ficavam penduradas logo acima dele. Também havia ali armários de madeira com vidros nas portas, possibilitando a visualização de seu conteúdo interno. Uma mesa se estendia no centro da cozinha com seis cadeiras. Havia lenha empilhada em um canto, uma dispensa e, na janela, que estava aberta, havia um vaso com margaridas.
Eleanore foi para os armários procurando por comida que pudesse levar, mas, antes que pudesse pegar qualquer coisa, um clarão vindo do fogão fez com que ela pulasse de susto. Havia uma chama crescente vinda dali, que fez Eleanore recuar até a outra extremidade da cozinha, esbarrando em uma das cadeiras e quase caindo no chão. Ela segurou a lamparina com mais força, mas achou que ela não fosse fazer muito efeito em um fogo, que parecia estar vivo.
– Vai roubar? É assim que nos agradece? – aquela era a voz crepitante que ela ouvira, pensando melhor agora, soava mesmo como o fogo consumindo a madeira.
Eleanore abriu a boca para falar, mas não conseguiu articular uma palavra sequer. Não podia mesmo acreditar que aquele fogo estava falando com ela. Parecia um delírio mesmo estando bem na sua frente.
Aquelas chamas começaram a mudar, tomando uma nova forma, assumindo o contorno de um humano, de uma mulher, embora continuasse a ser essencialmente fogo, queimando e brilhando intensamente.
“Ela não vai me machucar”. Eleanore ficava repetindo para si mesma.
– E-eu só... – ela engoliu em seco sem saber o que dizer. Iria mesmo rouba-los.
– Entendo que esteja assustada. – a elemental do fogo disse, solidária – Mas não lhe farei mal e nem ninguém aqui. Não precisa fugir, isto não é uma prisão e você não é prisioneira. Mas é imprudente sair à noite, senhorita, a noite é perigosa.
Eleanore percebeu que June dissera a mesma coisa. Será que havia mesmo monstros a observando enquanto ela andava por entre as árvores pelo caminho de pedra? De repente, estava com mais medo do que poderia ter do lado de fora daquele castelo.
– Sente-se – A mulher de fogo, que June dissera se chamar Amber, fez um gesto com a mão e a cadeira se afastou da mesa sem que nada tocasse nela. Àquela altura, Eleanore sequer ficou impressionada. – Gostaria de beber algo quente?
– Não quero incomodar. – ela disse sinceramente.
– Não é incomodo nenhum. – Amber fez mais gestos com as mãos e uma chaleira saiu do armário e foi direto para baixo de uma torneira, enchendo-se de água, logo depois, ervas também saíram voando da dispensa, sem que nada as segurasse e se juntou a água na chaleira. Uma xícara pousou em frente a Eleanore e, depois da chaleira ser esquentada por Amber rapidamente, ela passeou pelo ar, derramando o chá na xicara da garota, que olhava tudo com um fascínio genuíno.
– Como pode? Tudo... flutuou... você não segurou... como? – Eleanore olhou para Amber, mas era difícil olhar diretamente para ela por causa do clarão.
– Magia, querida. Nosso Mestre enfeitiçou esse castelo para que nos servisse e tivesse vontade própria, basta pedir com jeitinho, que ele vai te atender.
– Mas... você não pediu. – Eleanore pontuou sem conseguir se conter – Apenas gesticulou com a mão.
– Eu pedi, sim, só que com a mente. Ajuda se pedir por favor, a casa é geniosa.
Eleanore queria saber como uma casa poderia ser geniosa, mas imaginou que a resposta seria “magia”. Embora tudo aquilo fosse uma clara insanidade, ela não conseguia deixar de pensar no quão extraordinário tudo aquilo era. Magia existia, veja só.
Sua vida sempre foi tão monótona, nada parecido nunca havia acontecido e, agora, estava conversando com uma mulher de fogo que lhe ofereceu chá. Havia um fascínio crescendo dentro de Eleanore, gradativamente tomando o lugar do medo do desconhecido.
Ela tomou um gole do chá, que estava delicioso e quente na medida certa.
– Seu Mestre é um homem bom? – Eleanore perguntou, curiosa e apreensiva.
– Sim. Ele finge que não, mas é um bom homem. – ela não era capaz de distinguir as feições de Amber porque ela era de fogo, mas podia jurar que ela estava sorrindo. – June disse que você fugiu, posso perguntar de que?
Eleanore segurou a xícara com ambas as mãos, sentindo o calor em suas palmas. Ficou olhando para o líquido esverdeado fumegante, pensando se deveria contar à Amber.
– De um casamento arranjado. Sei que parece infantil, mas acho que eu não queria fazer isso pelo meu pai. Ele é um homem muito cruel que gastou sua fortuna e precisa de dinheiro, então, ele me vendeu para um homem que não conheço. – ela confessou sem saber porquê – Eu só estava cansada da minha vida.
Amber se condensou em uma massa de fogo e virou um pequeno pássaro feito de chamas, que pulou sobre a mesa, curiosamente sem queimar a madeira, ficando diante de Eleanore.
– Sabe o que Eleanore significa? – Amber perguntou e ela respondeu balançando a cabeça negativamente – Simboliza o Sol, luz, vitalidade e realeza. Significa “aquela que reluz”.
Eleanore sorriu, embora estivesse falando com um pássaro de fogo pousado na mesa.
Não conhecia essa informação sobre seu nome, mas sabia que quem a batizou havia sido sua mãe. Seu pai jamais pensaria em um nome com um significado tão bonito.
– Eu não sabia, mas por que está me dizendo isso?
– Eu sinto que você é especial, Eleanore. Ninguém poderia entrar nesse castelo sem a permissão do nosso Mestre, mas mesmo assim, você entrou.
Eleanore desejou boa noite para Amber e foi para seu quarto, depois de terminar seu chá. A xícara saiu de sua mão, movida por uma força invisível e foi até a pia, lavando-se sozinha. Foi algo magnifico de se observar.Embora tivesse dormido por dois dias, ela ainda sentia seu corpo cansado. Talvez fosse resultado de toda a histeria pela qual passou em um curto período.Ela foi até a janela, subindo em cima da mesa para que pudesse respirar o ar fresco do lado de fora. Eleanore sentou de pernas cruzadas sobre o tampo de madeira, o corpo inclinado para frente, para que pudesse deixar a cabeça para fora. O ar frio da noite beijou sua face e Eleanore inspirou profundamente, trazendo-o para dentro de seus pulmões. A brisa ali era perfumada, por causa do jardim florido logo abaixo.Foi quando Eleanore viu algo andando por entre as árvores, bem a margem do bosque. Um vulto grande, encurvado, o
Eleanore quase engasgou com o leite, processando a informação que recebera do fantasma. Ainda estava digerindo o fato de que estava mesmo na presença de um fantasma, mas agora, estava mais nervosa com a chegada do anfitrião da casa.Por alguma razão que ainda desconhecia, estava nervosa com a ideia de conhecê-lo.– Mas está dormindo. – June se apressou em completar a frase de Sam – E eu, se fosse você, não iria acorda-lo agora. Vince fica de mal humor quando é acordado.– Ele também fica de mal humor por vários outros motivos. – acrescentou Bash.– Você é um deles – murmurou Sam, olhando para o gato Sebastian.– Entendi. E o que eu faço até ele acordar? – ela perguntou, inquieta, não querendo demonstrar toda a ansiedade que sentia, mas as mãos se torc
Vincent Maddox não era o que Eleanore estava esperando. Quando o chamaram de Mestre e disseram que ele era o dono da casa, ela havia imaginado um homem velho, que possivelmente teria uma longa e grisalha barba. Mas a realidade estava muito longe de ser essa.– Seu cabelo é branco. – Foi a primeira coisa que Eleanore pensou e raciocinou naquele momento.Vincent pegou uma mecha de seu cabelo e a contemplou, como se tivesse se esquecido desse detalhe sobre sua aparência.– Você é muito observadora... – ele fez uma pausa, esperando que ela se apresentasse.– Eu sou Eleanore VonBerge, é... – Ela engoliu em seco, já que não havia resquícios de saliva em sua boca. – um prazer, senhor Maddox.De uma forma bem graciosa, ele se levantou da poltrona, era um homem esguio e tinha um porte elegante, postura reta e impecável. Ele pegou o
A esfera de fogo se expandiu no quarto e enviou fagulhas para os lençóis, o chão e mesinha de cabeceira. Rapidamente, elas foram crescendo, consumindo a mobília.Eleanore soltou um grito de pânico. Ela olhou ao redor, buscando por algo que pudesse ajudar.Foi então, que todas as chamas convergiram para o mesmo ponto, como se fossem sugadas pelo vento, espiralando-se no meio do quarto, diminuindo cada vez mais, até se tornarem um pequeno ponto luminoso. O fogo deslizou pelo ar, transformando-se em um pássaro, pousando na mesa.– Eleanore? O que houve aqui? – era a voz de Amber.– Amber?! – Eleanore finalmente conseguiu respirar direito, quando não havia mais uma esfera de chamas crescente prestes a engolir o quarto todo e queima-la viva. – Você fez isso?– Não. Senti uma perturbação na casa e a localizei aqui
– Eleanore. – a voz soou alta e severa.Ela acordou de súbito, sentando-se ereta, agarrando com força suas cobertas. Seu coração estava disparado e ela olhou de um lado a outro, mas novamente se viu no quarto do castelo e não em sua antiga casa.Quando olhou em direção a voz, viu Vincent Maddox parado no meio do quarto de braços cruzados e levou um susto. Ele não estava mais com as roupas folgadas de dormir, ao invés disso, vestia calças justas cinza chumbo, botas marrons escuras, uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos, embora estivesse frio, e suspensórios pretos. E seu longo cabelo estava agora preso em uma trança, que descia feito uma corda branca por suas costas.Na claridade da manhã, Eleanore pôde notar como Vincent era pálido, quase do tom de seu cabelo cor de neve. Mas não era só is
Vincent deu um passo para fora da janela e Eleanore deu um gritinho, achando que ele fosse despencar dois andares e ir direto para o chão. Mas não, ao invés disso, seus pés se firmaram em uma espécie de chão invisível, que o manteve suspenso no ar.– Vamos, Ellie – Vincent alcançou a outra mão de Eleanore e a incentivou a acompanha-lo.Ela estava sobre o parapeito da janela e olhou para baixo, vendo o chão a metros e metros de distância. Eleanore apertou as mãos dele com mais força, já que era seu único apoio. Ela sequer havia registrado que Vincent havia chamado ela por um apelido.– Não pode estar sugerindo que eu... a-ande... no nada!– Estou. Dê o primeiro passo.Eleanore engoliu em seco e deu um passo à frente, rezando internamente. Mas não caiu, seu pé encontrou apo
O feiticeiro lançou um sorriso cínico para Albert, mostrando os dentes, como um predador.– Que bom que já me conhece, assim as apresentações são dispensáveis. Não vai me convidar para entrar, Albert, onde estão seus modos?– Veio devolver minha filha? – Albert questionou, sério, olhando para Eleanore atrás de Vincent. Ela desviou o olhar, incapaz de encarar seu próprio pai.– Ela não é uma coisa para que eu devolva, mas é óbvio que você só a vê assim. – Vincent deu um largo passo à frente, fazendo Edelina ser obrigada a recuar, dando-lhe espaço. Ficou cara a cara com Albert, mesmo que fosse mais baixo, Vincent era infinitamente mais ameaçador. – Eis o que vai acontecer agora, Albert, Eleanore vai buscar suas coisas e nós dois vamos conversar.Um
Albert trincou os dentes, impotente, e arrastou os pés em direção a sala sob o atento olhar do feiticeiro.O local possuía três sofás e duas poltronas dispostas de uma forma a ficarem de frente umas para as outras. Havia estantes com livros, intercaladas entre janelas verticais e uma mesinha de centro, onde ficava um delicado vasinho de crisântemo vermelhos.Um enorme quadro na parede de moldura dourada chamou a atenção do feiticeiro. Era uma pintura de uma mulher usando um elegante vestido azul marinho, o longo cabelo ruivo caia sobre um dos ombros em cachos espessos. Vincent só percebeu que não era Eleanore, porque aquela mulher tinha apenas sardas discretas no nariz e os olhos eram castanhos, ao invés de azuis. Não precisava nem perguntar para saber que era a mãe dela.Ele cruzou a sala e se sentou em uma das poltronas, cruzando as pernas, como se estivesse em um t