A esfera de fogo se expandiu no quarto e enviou fagulhas para os lençóis, o chão e mesinha de cabeceira. Rapidamente, elas foram crescendo, consumindo a mobília.
Eleanore soltou um grito de pânico. Ela olhou ao redor, buscando por algo que pudesse ajudar.
Foi então, que todas as chamas convergiram para o mesmo ponto, como se fossem sugadas pelo vento, espiralando-se no meio do quarto, diminuindo cada vez mais, até se tornarem um pequeno ponto luminoso. O fogo deslizou pelo ar, transformando-se em um pássaro, pousando na mesa.
– Eleanore? O que houve aqui? – era a voz de Amber.
– Amber?! – Eleanore finalmente conseguiu respirar direito, quando não havia mais uma esfera de chamas crescente prestes a engolir o quarto todo e queima-la viva. – Você fez isso?
– Não. Senti uma perturbação na casa e a localizei aqui. Eu posso controlar qualquer fogo presente no castelo, então eu diminuí as chamas. Mas o que aconteceu?
Eleanore engoliu em seco, olhando para o livro de feitiços que estava ao lado de Amber. A pequena cabeça de pássaro dela se voltou para onde Eleanore olhava e, mesmo que fosse difícil dizer, já que era feita de fogo, ela pareceu espantada.
– Você fez um feitiço?
– E-eu... não foi minha intenção... N-não achei que fosse possível. Foi sem querer, eu juro – Ela estremeceu devido as velhas lembranças que tinha do que acontecia quando aborrecia alguma pessoa e as consequências disso.
– Tudo bem, Eleanore. – Amber disse gentilmente – É bom não fazer isso de novo. Magia sem controle pode ser muito perigosa.
Eleanore balançou a cabeça firmemente. Ela não pretendia fazer novamente mesmo que Amber não a avisasse. Magia era perigosa demais e quase a matou. Ainda assim, ela sentia como se uma pequena fagulha tivesse se acendido em seu âmago, uma espécie de brasa, que poderia se transformar em um incêndio infernal.
– Boa noite, Eleanore – Por fim, Amber saiu voando pela janela aberta, levando a luz consigo, banhando o quarto em escuridão.
Vincent estava andando inquieto de um lado para o outro na sala social, uma das mãos apoiadas em seu queixo, a expressão fechada como um tempo nublado. Quase era possível ver as engrenagens de seu cérebro funcionando, enquanto era envolvido por milhares de pensamentos turbulentos.
Sebastian estava jogado no sofá, na forma humana, mordendo suas unhas. June estava em uma poltrona, sentada empertigada, como se fosse levar uma bronca. Amber crepitava na lareira, que costumava ficar sempre acesa. Sam flutuava próximo a June, de pernas e braços cruzados. Dimitri, o corvo, estava empoleirado no encosto do sofá, grasnando em intervalos aleatórios.
– Então, essa garota chegou há três dias. – declarou Vincent, depois de minutos inteiros de silêncio.
– Sim, estava chovendo muito na noite que ela chegou. Encontramos ela de manhã caída na entrada, toda suja de lama e com a perna ferida. – June explicou – Nós achamos melhor não deixá-la ali, então trouxemos ela pra dentro. Eu a lavei e curei a perna dela. Ela dormiu por dois dias inteiros, sem acordar. Achávamos que ela ia morrer, mas, bem, não morreu.
– Ela me disse que o pai dela é cruel e a forçou a ter um casamento arranjado. Falou que ele a vendeu para ganhar dinheiro, porque está falido. – Amber acrescentou, sua voz ecoando pela lareira – Por isso ela fugiu e acabou encontrando o castelo.
– Ela disse como conseguiu entrar? – Vincent questionou sem olhar para ninguém especificamente.
– Falou que simplesmente abriu a porta – June deu de ombros, irritada.
– Isso não é possível. – declarou Vincent olhando para ela.
– Vai ver você não é um feiticeiro tão poderoso quanto pensa que é, já que foi vencido por uma garotinha indefesa. – Bash abriu um sorriso cheio de dentes. – Isso fere seu ego incomensurável?
Vincent dirigiu um olhar glacial para Bash que não pareceu captar o aviso silencioso.
– Talvez a proteção tenha enfraquecido – sugeriu June timidamente.
– Não. Passei a noite verificando e corrigindo a magia, mas não havia nenhum erro. – Um vinco profundo se formou na testa de Vincent, que apertou com mais força o polegar e o indicador contra seu queixo.
– Houve algo ontem – Amber falou repentinamente – No quarto de Eleanore.
– Ah, sim – Vince descartou o assunto como se não fosse nada. – O incidente com o fogo. Sabe, Amber, não pensei que você fosse do tipo que ficava assustando as pessoas assim. Eleanore já me pareceu uma garota assustada sem nenhum incentivo.
A chama da lareira tremulou, de uma forma que todos no castelo já haviam aprendido a identificar como um desconforto de Amber.
– Na verdade, não fui eu. Eleanore criou uma bola de fogo enorme no quarto dela, tive que controlar. Aparentemente, ela reproduziu um feitiço que viu em um livro.
Todos fixaram sua atenção na lareira naquele instante.
– Ela fez magia? – questionou Bash, perplexo.
– Mas ela não é... – June olhou para Vincent, buscando algum tipo de resposta.
– Com certeza não é feiticeira. Eu a vi ontem e Eleanore é completamente... comum, ao menos visualmente falando. Está mais do que óbvio que tem alguma coisa diferente nela. – Vince inspirou e expirou profundamente – Ela é filha de Albert VonBerge, aquele patife que tem uma fazenda na montanha.
Uma quietude mutua se instalou naquela sala, juntamente com o vento frio que soprava para dentro do castelo.
– Não é ele que tem negócios com Maximus Lennox? – Sebastian franziu o nariz.
– O próprio. – Vincent respondeu.
– Será que vendeu a filha para pagar dívidas com Lennox? – Amber questionou indignada.
– Isso é bastante possível. – Vincent esfregou a mão em sua testa, pensando sobre o assunto. – Mas por que Lennox estaria interessado em Eleanore?
– Ela é uma moça bonita – Bash comentou.
Vincent fez um gesto com a mão como se descartasse a hipótese.
– Duvido que esse seja o caso. Primeiro, ela entra no castelo mesmo com a proteção mágica. Segundo, ela pode ter uma ligação com Maximus Lennox, mesmo que não saiba. Isso não pode ser coincidência, tem alguma coisa excepcional nessa tal de Eleanore.
June bufou, mas não disse nada.
Sem dizer qualquer outra coisa, Vincent marchou em direção a escadaria.
– Vince, onde você vai? – June inquiriu.
– Falar com Eleanore.
– Eleanore. – a voz soou alta e severa.Ela acordou de súbito, sentando-se ereta, agarrando com força suas cobertas. Seu coração estava disparado e ela olhou de um lado a outro, mas novamente se viu no quarto do castelo e não em sua antiga casa.Quando olhou em direção a voz, viu Vincent Maddox parado no meio do quarto de braços cruzados e levou um susto. Ele não estava mais com as roupas folgadas de dormir, ao invés disso, vestia calças justas cinza chumbo, botas marrons escuras, uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos, embora estivesse frio, e suspensórios pretos. E seu longo cabelo estava agora preso em uma trança, que descia feito uma corda branca por suas costas.Na claridade da manhã, Eleanore pôde notar como Vincent era pálido, quase do tom de seu cabelo cor de neve. Mas não era só is
Vincent deu um passo para fora da janela e Eleanore deu um gritinho, achando que ele fosse despencar dois andares e ir direto para o chão. Mas não, ao invés disso, seus pés se firmaram em uma espécie de chão invisível, que o manteve suspenso no ar.– Vamos, Ellie – Vincent alcançou a outra mão de Eleanore e a incentivou a acompanha-lo.Ela estava sobre o parapeito da janela e olhou para baixo, vendo o chão a metros e metros de distância. Eleanore apertou as mãos dele com mais força, já que era seu único apoio. Ela sequer havia registrado que Vincent havia chamado ela por um apelido.– Não pode estar sugerindo que eu... a-ande... no nada!– Estou. Dê o primeiro passo.Eleanore engoliu em seco e deu um passo à frente, rezando internamente. Mas não caiu, seu pé encontrou apo
O feiticeiro lançou um sorriso cínico para Albert, mostrando os dentes, como um predador.– Que bom que já me conhece, assim as apresentações são dispensáveis. Não vai me convidar para entrar, Albert, onde estão seus modos?– Veio devolver minha filha? – Albert questionou, sério, olhando para Eleanore atrás de Vincent. Ela desviou o olhar, incapaz de encarar seu próprio pai.– Ela não é uma coisa para que eu devolva, mas é óbvio que você só a vê assim. – Vincent deu um largo passo à frente, fazendo Edelina ser obrigada a recuar, dando-lhe espaço. Ficou cara a cara com Albert, mesmo que fosse mais baixo, Vincent era infinitamente mais ameaçador. – Eis o que vai acontecer agora, Albert, Eleanore vai buscar suas coisas e nós dois vamos conversar.Um
Albert trincou os dentes, impotente, e arrastou os pés em direção a sala sob o atento olhar do feiticeiro.O local possuía três sofás e duas poltronas dispostas de uma forma a ficarem de frente umas para as outras. Havia estantes com livros, intercaladas entre janelas verticais e uma mesinha de centro, onde ficava um delicado vasinho de crisântemo vermelhos.Um enorme quadro na parede de moldura dourada chamou a atenção do feiticeiro. Era uma pintura de uma mulher usando um elegante vestido azul marinho, o longo cabelo ruivo caia sobre um dos ombros em cachos espessos. Vincent só percebeu que não era Eleanore, porque aquela mulher tinha apenas sardas discretas no nariz e os olhos eram castanhos, ao invés de azuis. Não precisava nem perguntar para saber que era a mãe dela.Ele cruzou a sala e se sentou em uma das poltronas, cruzando as pernas, como se estivesse em um t
Vincent encarou Albert, que parecia espantado com a atitude de sua filha e com o último olhar que Eleanore o lançou.– É melhor não procurar por Eleanore e, se for uma pessoa esperta, vai fugir daqui para não ter que enfrentar a fúria de Lennox. – O feiticeiro andou em direção a saída, mas parou na entrada da sala, olhando novamente para aquele homem deprimente, mas não sentiu pena alguma.Vincent se virou para sair daquele lugar, não aguentava mais estar na presença daquele homem abominável, mas antes que pudesse Albert falou:– Eu jamais poderia ama-la! Eu só amei uma pessoa na minha vida, Verena – O homem olhou para o quadro pregado à parede e Vincent seguiu seu olhar, olhando para o rosto sereno daquela mulher. Percebeu que Albert só falava por ainda estar sobre o efeito da poção, que inspirava sinc
Quando Eleanore acordou já era noite, havia uma nova lamparina em sua mesinha de cabeceira, o fogo tremulando, movendo as sombras a cada segundo.Sua cama não estava mais queimada, nem o chão ou a madeira da mesinha. Ela podia supor que Vincent havia concertado tudo com magia.Ela sentia seus olhos pesados e inchados de tanto ter chorado na floresta, nos braços de Vincent. Não se lembrava de muito depois disso, ficou sonolenta de repente, sequer tinha memória de como voltou para o castelo. Sentia-se ligeiramente mais leve, depois de ter derramado tantas lágrimas, quase como se tivesse lavado a tristeza acumulada em seu corpo, ao menos uma parte dela, sabia que não era capaz de esquecer tudo assim tão facilmente.Antes que pudesse ter fugido da casa de seu pai, escutou-o dizendo que era incapaz de ama-la por se parecer com Verena, sua mãe. Aquilo tinha partido seu coração, de uma
Eleanore se recostou contra a cadeira, olhando fixamente para as próprias mãos em seu colo. Ela franziu o cenho, sem entender o que exatamente Vincent poderia querer dela.– Eu não entendo.– Pense a respeito, Ellie. – Vincent se levantou da cadeira, dando a volta na mesa, em direção a garota, que ergueu o rosto para encara-lo. – Me dê uma resposta amanhã.– Por que você precisa disso? – Eleanore perguntou.– Todos que moram aqui me ofereceram algo e eu preciso disso para te manter aqui, é uma condição.Eleanore assentiu. Estava muito grata por Vincent ter aceitado abriga-la, mesmo que tivesse dito que seria temporário, era mais do que ela poderia pedir. Era justo que ela oferecesse algo em troca. Só não conseguia imaginar ao certo o que exatamente “isso” seria.Vincent
Eleanore ficou deitada em sua cama de barriga para cima, olhando para o dossel acima de sua cabeça. Estava pensando sobre o que Vincent pediu e o que June dissera.Ela tinha oferecido conhecimento, o que era mais importante para ela. E o que era mais importante para Eleanore? Não era conhecimento certamente. Então, o que? O que ela mais prezava na vida?A menina sentou novamente, mexendo de forma inquieta nos lençóis, alisando-os, como se isso pudesse distrai-la.Eleanore ficou em pé e foi até a janela aberta, inclinou-se por sobre a mesa e olhou para fora, para as flores, o carvalho, a floresta ao redor. Novamente, buscou aquela besta de olhos vermelhos vivo, ficou minutos esperando, mas não a viu.Pensou em chamar por Sam, já que ele foi a primeira pessoa que falou sobre a “ligação” para ela. Talvez, pudesse ajudá-la a descobrir o que poderia oferecer.