Vincent deu um passo para fora da janela e Eleanore deu um gritinho, achando que ele fosse despencar dois andares e ir direto para o chão. Mas não, ao invés disso, seus pés se firmaram em uma espécie de chão invisível, que o manteve suspenso no ar.
– Vamos, Ellie – Vincent alcançou a outra mão de Eleanore e a incentivou a acompanha-lo.
Ela estava sobre o parapeito da janela e olhou para baixo, vendo o chão a metros e metros de distância. Eleanore apertou as mãos dele com mais força, já que era seu único apoio. Ela sequer havia registrado que Vincent havia chamado ela por um apelido.
– Não pode estar sugerindo que eu... a-ande... no nada!
– Estou. Dê o primeiro passo.
Eleanore engoliu em seco e deu um passo à frente, rezando internamente. Mas não caiu, seu pé encontrou apoio em algo sólido, mesmo que fosse invisível. Ela tirou o outro pé do parapeito e logo estava planando no ar, como se fosse feita de nuvem.
Um gritinho animado escapou da boca de Eleanore, sem que ela conseguisse se conter.
– Eu estou voando!
– Relativamente – Vincent soltou uma das mãos dela e começou a andar normalmente.
As pernas de Eleanore bambeavam e mesmo que a altura fosse assustadora, ela não conseguia parar de olhar para baixo. A brisa agitava seus cachos ruivos, o frio gentilmente acariciando seu rosto.
– Você é um feiticeiro? – Eleanore perguntou, enquanto olhava maravilhada a beleza da paisagem ao redor. As folhas amarelas e alaranjadas das árvores no outono, as montanhas se estendendo no horizonte cobertas por vegetação verde pálida. Podia até ver o vilarejo ao longe, repleto de casas e cortadas por ruelas. E, claro, a propriedade de seu pai à frente.
– Sim, eu sou um feiticeiro.
– Como? – Eleanore olhou para o rosto dele.
Ele a fitou pelo canto de seu olho.
– Muitos anos de estudo e ensinamentos, além de prática, Ellie.
– Ellie? – Eleanore franziu o cenho, indignada com a petulância de Vincent, reparando apenas naquele segundo o apelido.
– Eleanore é um nome muito grande, eu quis encurtar. – Ele nem a olhou, ignorando o quão inapropriado era chama-la por um apelido, quando se conheciam há apenas algumas horas.
– Isso é inapropriado – pontuou Eleanore gentilmente.
– Quem disse?
– A sociedade – ela respondeu prontamente.
– E o que a sociedade já fez por você, Ellie? Por que segue as normas dela?
Para ser aceita, ela estava prestes a dizer. Mas por que buscar a aceitação de pessoas que nem a conheciam, que nunca fizeram nada por ela? Além do mais, provavelmente todos já sabiam sobre seu sumiço, sabe se lá o que seu pai havia dito para justificar isso, provavelmente dissera coisas horríveis para desqualifica-la. Já deveriam estar fazendo fofoca e especulações.
Por que seguia as normas da sociedade? Porque foi isso que ensinaram à ela, obedecer sem questionar, apenas fazer o que lhe eram mandado. Mas não precisava mais fazer isso O que já tinham feito por ela? Nada.
Eleanore deixou o assunto de lado, aceitando silenciosamente seu novo apelido. Ellie soava bem e ela nunca teve um apelido antes.
Logo, Eleanore estava andando sobre a propriedade de seu pai, o que quase matou Otto, o cavalariço, de susto. Eles desceram como se houvesse uma escada invisível, que os deixou bem em frente a porta de entrada da casa.
Foi apenas então que Vincent soltou a mão de Eleanore e ela pôde sentir um ar gelado atingir sua palma. Ele deu duas batidas firmes com os nós dos dedos na porta e esperou.
Eleanore sentiu o coração batendo fortemente em seu peito, soando em seus ouvidos feito o tique-taque de um relógio, em um ritmo acelerado alarmante. Ela sentia as mãos se umedecerem de suor e só de pensar em ouvir seu pai gritando, encolheu os ombros como uma reação instintiva de submissão. Sentia-se gelada, como se não usasse roupa alguma e sua pele estivesse completamente exposta ao ar gelado outonal. Eleanore tremeu.
– Ellie – a voz de Vincent chegou à ela, o que a fez focar sua atenção nele – Não tenha medo, não mostre que seu pai ainda tem poder sobre você. Eu não vou permitir que ele faça mal algum para você. Não precisa se preocupar com nada.
Ela assentiu com a cabeça. Não queria que seu pai a visse tão amedrontada por sua causa, mas era difícil controlar suas próprias emoções. Acreditava que Vincent poderia mesmo protegê-la, considerando que enfeitiçara uma casa inteira.
A porta se abriu e Edelina, uma das empregadas do casarão, surgiu. Ela se espantou ao ver Vincent, possivelmente por causa de sua aparência incomum, mas, apesar de Eleanore não saber como isso era possível, os olhos dela se arregalaram mais ao olhar para a menina.
– Senhorita Eleanore! Graças a Deus! – Edelina juntou ambas as mãos sobre o coração e suspirou aliviada. – Estávamos tão preocupados com a senhorita. Fico tão feliz que você tenha voltado.
– Pois não fique – Vincent a cortou, varrendo o sorriso do rosto de Edelina – Porque ela não vai ficar. Podemos entrar?
– Quem é? – uma voz grave soou de um cômodo próximo e todos os músculos de Eleanore se contraíram em puro pânico.
Albert surgiu da cozinha atrás de Edelina. Era um homem bastante alto, com cabelos e barba castanhos, feições rígidas e endurecidas como pedra. Tinha os mesmos olhos azuis cristalinos de Eleanore, a única característica que ela herdou dele. Como sempre, ele usava um terno, sempre para exibir ser um dono de terras.
Quando viu a filha parada na porta, a cor sumiu de seu rosto e algo obscureceu seus olhos.
– Eleanore! – o grito dele reverberou por toda a casa, chacoalhando os ossos da garota.
Ele avançou na direção dela e Eleanore se encolheu inteira, como se pudesse sumir dentro de si mesma. Mas, antes que ele pudesse alcança-la, Vincent se pôs à sua frente, como uma espécie de muralha protetora. Albert estagnou no lugar, quando percebeu a presença do feiticeiro ali.
– Vincent Maddox – Albert cuspiu as palavras como se o nome dele fosse amargo em sua boca.
O feiticeiro lançou um sorriso cínico para Albert, mostrando os dentes, como um predador.– Que bom que já me conhece, assim as apresentações são dispensáveis. Não vai me convidar para entrar, Albert, onde estão seus modos?– Veio devolver minha filha? – Albert questionou, sério, olhando para Eleanore atrás de Vincent. Ela desviou o olhar, incapaz de encarar seu próprio pai.– Ela não é uma coisa para que eu devolva, mas é óbvio que você só a vê assim. – Vincent deu um largo passo à frente, fazendo Edelina ser obrigada a recuar, dando-lhe espaço. Ficou cara a cara com Albert, mesmo que fosse mais baixo, Vincent era infinitamente mais ameaçador. – Eis o que vai acontecer agora, Albert, Eleanore vai buscar suas coisas e nós dois vamos conversar.Um
Albert trincou os dentes, impotente, e arrastou os pés em direção a sala sob o atento olhar do feiticeiro.O local possuía três sofás e duas poltronas dispostas de uma forma a ficarem de frente umas para as outras. Havia estantes com livros, intercaladas entre janelas verticais e uma mesinha de centro, onde ficava um delicado vasinho de crisântemo vermelhos.Um enorme quadro na parede de moldura dourada chamou a atenção do feiticeiro. Era uma pintura de uma mulher usando um elegante vestido azul marinho, o longo cabelo ruivo caia sobre um dos ombros em cachos espessos. Vincent só percebeu que não era Eleanore, porque aquela mulher tinha apenas sardas discretas no nariz e os olhos eram castanhos, ao invés de azuis. Não precisava nem perguntar para saber que era a mãe dela.Ele cruzou a sala e se sentou em uma das poltronas, cruzando as pernas, como se estivesse em um t
Vincent encarou Albert, que parecia espantado com a atitude de sua filha e com o último olhar que Eleanore o lançou.– É melhor não procurar por Eleanore e, se for uma pessoa esperta, vai fugir daqui para não ter que enfrentar a fúria de Lennox. – O feiticeiro andou em direção a saída, mas parou na entrada da sala, olhando novamente para aquele homem deprimente, mas não sentiu pena alguma.Vincent se virou para sair daquele lugar, não aguentava mais estar na presença daquele homem abominável, mas antes que pudesse Albert falou:– Eu jamais poderia ama-la! Eu só amei uma pessoa na minha vida, Verena – O homem olhou para o quadro pregado à parede e Vincent seguiu seu olhar, olhando para o rosto sereno daquela mulher. Percebeu que Albert só falava por ainda estar sobre o efeito da poção, que inspirava sinc
Quando Eleanore acordou já era noite, havia uma nova lamparina em sua mesinha de cabeceira, o fogo tremulando, movendo as sombras a cada segundo.Sua cama não estava mais queimada, nem o chão ou a madeira da mesinha. Ela podia supor que Vincent havia concertado tudo com magia.Ela sentia seus olhos pesados e inchados de tanto ter chorado na floresta, nos braços de Vincent. Não se lembrava de muito depois disso, ficou sonolenta de repente, sequer tinha memória de como voltou para o castelo. Sentia-se ligeiramente mais leve, depois de ter derramado tantas lágrimas, quase como se tivesse lavado a tristeza acumulada em seu corpo, ao menos uma parte dela, sabia que não era capaz de esquecer tudo assim tão facilmente.Antes que pudesse ter fugido da casa de seu pai, escutou-o dizendo que era incapaz de ama-la por se parecer com Verena, sua mãe. Aquilo tinha partido seu coração, de uma
Eleanore se recostou contra a cadeira, olhando fixamente para as próprias mãos em seu colo. Ela franziu o cenho, sem entender o que exatamente Vincent poderia querer dela.– Eu não entendo.– Pense a respeito, Ellie. – Vincent se levantou da cadeira, dando a volta na mesa, em direção a garota, que ergueu o rosto para encara-lo. – Me dê uma resposta amanhã.– Por que você precisa disso? – Eleanore perguntou.– Todos que moram aqui me ofereceram algo e eu preciso disso para te manter aqui, é uma condição.Eleanore assentiu. Estava muito grata por Vincent ter aceitado abriga-la, mesmo que tivesse dito que seria temporário, era mais do que ela poderia pedir. Era justo que ela oferecesse algo em troca. Só não conseguia imaginar ao certo o que exatamente “isso” seria.Vincent
Eleanore ficou deitada em sua cama de barriga para cima, olhando para o dossel acima de sua cabeça. Estava pensando sobre o que Vincent pediu e o que June dissera.Ela tinha oferecido conhecimento, o que era mais importante para ela. E o que era mais importante para Eleanore? Não era conhecimento certamente. Então, o que? O que ela mais prezava na vida?A menina sentou novamente, mexendo de forma inquieta nos lençóis, alisando-os, como se isso pudesse distrai-la.Eleanore ficou em pé e foi até a janela aberta, inclinou-se por sobre a mesa e olhou para fora, para as flores, o carvalho, a floresta ao redor. Novamente, buscou aquela besta de olhos vermelhos vivo, ficou minutos esperando, mas não a viu.Pensou em chamar por Sam, já que ele foi a primeira pessoa que falou sobre a “ligação” para ela. Talvez, pudesse ajudá-la a descobrir o que poderia oferecer.
– O que você está fazendo? – Eleanore perguntou, enquanto Vincent traçava desenhos com um carvão no chão da sala do castelo, bem diante das enormes portas de entrada.Ele desenhou um grande círculo de carvão, dentro havia uma estrela de quatro pontas e, entre as pontas, diversos símbolos diferentes, que Eleanore sequer tentou entender o significado.Todos estavam reunidos na sala à pedido de Vincent. Pouco antes de ele começar a fazer desenhos no chão, havia comunicado oficialmente para todos os moradores, inclusive o corvo, de que Eleanore se tornaria uma hospede por tempo indeterminado no castelo. Ninguém pareceu ficar surpreso, mas June estava visivelmente incomodada.– Eu tenho que mudar o castelo de lugar, não deve demorar muito para Maximus me procurar e vai ser muito fácil para ele se eu ficar aqui. – Ele colocou uma vela em
Sebastian se voltou para Eleanore, que observava atentamente o trabalho do esfregão, que já havia limpado o vômito e agora trabalhava na sujeira feita pelo carvão. Ainda era bastante impressionante para ela ver os objetos se moveram como se tivessem vida própria.O gato se espreguiçou e, gradativamente, seus membros começaram a se alongar, os pelos foram sumindo, as feições tomando forma e ele cresceu, assumindo a forma humana em questão de segundos.Quando ele ficou em pé, os olhos de Eleanore ameaçaram saltar das órbitas, era muita pele exposta para assimilar e também tinha aquilo, entre as pernas de Sebastian, que pendia. Nunca antes ela tinha visto tanto da anatomia masculina em sua vida, ele estava completamente nu. Eleanore soltou um grito e deu um giro, ficando de costas para ele. Seu rosto queimava de vergonha, ainda mais do que antes.– Seb