Eleanore quase engasgou com o leite, processando a informação que recebera do fantasma. Ainda estava digerindo o fato de que estava mesmo na presença de um fantasma, mas agora, estava mais nervosa com a chegada do anfitrião da casa.
Por alguma razão que ainda desconhecia, estava nervosa com a ideia de conhecê-lo.
– Mas está dormindo. – June se apressou em completar a frase de Sam – E eu, se fosse você, não iria acorda-lo agora. Vince fica de mal humor quando é acordado.
– Ele também fica de mal humor por vários outros motivos. – acrescentou Bash.
– Você é um deles – murmurou Sam, olhando para o gato Sebastian.
– Entendi. E o que eu faço até ele acordar? – ela perguntou, inquieta, não querendo demonstrar toda a ansiedade que sentia, mas as mãos se torciam uma contra a outra sobre seu colo.
– Por que não ajuda June a colher ervas no jardim? – sugeriu Bash, entre lambidas que estava dando em sua patinha de gato. Ele lançou um olhar cheio de malícia para June com um significado íntimo que Eleanore desconhecia.
June lançou à ele um olhar raivoso.
Eleanore tinha a leve sensação de que June não gostava dela. Embora tivesse visto a irritação no rosto dela, Eleanore tinha ido ajudá-la a colher as ervas. Verdade que tudo o que fizera fora ficar agachada perto de June, segurando uma cesta, enquanto June arrancava e separava as ervas.
June a explicou, com um tom irritado, o que cada erva fazia e para que era usada. Ela disse que as usava para fazer poções e que, uma delas, foi usada para curar a perna de Eleanore. Ela ficou realmente fascinada com as habilidade de June, queria ter esse tipo de conhecimento e não apenas saber como se portar e como ser adorável.
Por alguma razão, June parecia ter raiva de Eleanore e não gostava da presença dela naquele castelo, embora Eleanore não soubesse dizer o porquê. Talvez ela realmente não devesse ter entrado naquele lugar e provavelmente o Mestre deles a expulsaria, assim que a visse.
Ela ficou surpresa em perceber que não queria ir embora. Tinha ficado apenas um dia naquele castelo, mas tinha certeza de que jamais veria um lugar como aquele novamente. Nunca tinha pensando que algo como magia pudesse existir, mas, agora que sabia de sua existência, estava avida para saber mais sobre tudo aquilo, embora ainda a amedrontasse um pouco. Ela não queria voltar para sua realidade deveras comum e infeliz.
O sol já estava se pondo quando June terminou com as ervas. Ela foi em direção a uma escada espiralada, que ficava na outra extremidade do corredor, onde estava o quarto de Eleanore. Ela fez menção de seguir June, mas a garota a impediu, dizendo para que Eleanore esperasse em seu quarto para o jantar. Ela ficou ligeiramente desapontada, queria saber o que tinha lá em cima e o que como June fazia as tais poções.
O jantar foi quase tão caótico quanto o café da manhã. Foi servido um grande leitão, embora apenas June, Eleanore e Bash comessem.
Eleanore percebeu que eles não tinham muita etiqueta à mesa, se tratavam de forma bastante informal, falando alto e quase ao mesmo tempo. E, toda vez que aquele corvo falava, todos mandavam ele se calar. Além disso, todos pareciam ter um forte laço afetivo, uma ligação, como Sam dissera. Mesmo June, que parecia ser mais indiferente. Eles eram uma família de verdade e Eleanore gostava de observar a estranha interação entre eles.
Aquilo era completamente diferente dos jantares quietos de sua antiga casa, com todas as normas de etiqueta e certamente sem nenhum objeto voando por forças magicas.
O tal do Mestre não aparecera para jantar, o que deixou Eleanore ainda mais inquieta.
Ela chegou a perguntar se ele não chegaria a acordar aquele dia, mas todos responderam de forma vaga, o que acabou fazendo Eleanore se perguntar se ele de fato existia.
Quando voltou para seu quarto, Eleanore ficou observando a floresta pela janela, esperando ver a besta novamente, mas ela não apareceu àquela noite. Ela não sabia dizer porque exatamente queria vê-la, já que lhe daria pesadelos pelo resto da vida.
Eleanore ficou andando de um lado a outro, imaginando que tipo de pessoa o tal de Vince seria e se consideraria deixa-la ficar, ao menos temporariamente, para que ela pudesse pensar em alguma solução mais definitiva para sua vida.
Era estranho pensar que ela se sentiria tão bem em um castelo assombrado, cujos moradores eram uma menina emburrada, um garoto fantasma, um gato homem espírito familiar, uma elemental do fogo e um corvo falante.
Como estava com insônia, Eleanore decidiu ir até a cozinha, talvez encontrasse Amber e pudesse conversar com ela, convence-la a influenciar seu Mestre a deixa-la ficar por algum tempo. Ela parecia ser a mais gentil entre todos.
Assim que chegou no andar térreo, congelou. Havia alguém sentado em uma das poltronas perto das estantes de livros, mas não era ninguém que Eleanore já tivesse visto no castelo. Ele tinha um livro de capa de couro bem grosso na mão e uma vela pairava no ar bem perto de seu rosto.
Ele ergueu o olhar assim que ela estagnou no lugar. Estava usando calças folgadas e camisa larga de dormir. Seu cabelo tinha um tom branco estranho, feito neve, caindo por sobre o ombro, preso em um baixo rabo-de-cavalo. Mas, apesar do tom de seu cabelo, ele estava longe de ser um homem velho, tinha um rosto jovial, não podia ser muito mais velho que ela própria. Seus olhos tinham o brilho dourado da vela e Eleanore não conseguiu definir qual era a cor deles.
– Quem é você? – ela questionou, engolindo em seco, sentindo-se repentinamente apreensiva.
Lentamente, ele fechou o livro e o apoiou no braço da poltrona, entrelaçando os dedos sobre seu colo. Seu olhar vasculhou Eleanore, como se pudesse ver tudo dentro dela, o que a fez se sentir absurdamente exposta e vulnerável.
– Sou Vincent Maddox e essa é minha casa. A verdadeira pergunta é: quem é você?
Vincent Maddox não era o que Eleanore estava esperando. Quando o chamaram de Mestre e disseram que ele era o dono da casa, ela havia imaginado um homem velho, que possivelmente teria uma longa e grisalha barba. Mas a realidade estava muito longe de ser essa.– Seu cabelo é branco. – Foi a primeira coisa que Eleanore pensou e raciocinou naquele momento.Vincent pegou uma mecha de seu cabelo e a contemplou, como se tivesse se esquecido desse detalhe sobre sua aparência.– Você é muito observadora... – ele fez uma pausa, esperando que ela se apresentasse.– Eu sou Eleanore VonBerge, é... – Ela engoliu em seco, já que não havia resquícios de saliva em sua boca. – um prazer, senhor Maddox.De uma forma bem graciosa, ele se levantou da poltrona, era um homem esguio e tinha um porte elegante, postura reta e impecável. Ele pegou o
A esfera de fogo se expandiu no quarto e enviou fagulhas para os lençóis, o chão e mesinha de cabeceira. Rapidamente, elas foram crescendo, consumindo a mobília.Eleanore soltou um grito de pânico. Ela olhou ao redor, buscando por algo que pudesse ajudar.Foi então, que todas as chamas convergiram para o mesmo ponto, como se fossem sugadas pelo vento, espiralando-se no meio do quarto, diminuindo cada vez mais, até se tornarem um pequeno ponto luminoso. O fogo deslizou pelo ar, transformando-se em um pássaro, pousando na mesa.– Eleanore? O que houve aqui? – era a voz de Amber.– Amber?! – Eleanore finalmente conseguiu respirar direito, quando não havia mais uma esfera de chamas crescente prestes a engolir o quarto todo e queima-la viva. – Você fez isso?– Não. Senti uma perturbação na casa e a localizei aqui
– Eleanore. – a voz soou alta e severa.Ela acordou de súbito, sentando-se ereta, agarrando com força suas cobertas. Seu coração estava disparado e ela olhou de um lado a outro, mas novamente se viu no quarto do castelo e não em sua antiga casa.Quando olhou em direção a voz, viu Vincent Maddox parado no meio do quarto de braços cruzados e levou um susto. Ele não estava mais com as roupas folgadas de dormir, ao invés disso, vestia calças justas cinza chumbo, botas marrons escuras, uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos, embora estivesse frio, e suspensórios pretos. E seu longo cabelo estava agora preso em uma trança, que descia feito uma corda branca por suas costas.Na claridade da manhã, Eleanore pôde notar como Vincent era pálido, quase do tom de seu cabelo cor de neve. Mas não era só is
Vincent deu um passo para fora da janela e Eleanore deu um gritinho, achando que ele fosse despencar dois andares e ir direto para o chão. Mas não, ao invés disso, seus pés se firmaram em uma espécie de chão invisível, que o manteve suspenso no ar.– Vamos, Ellie – Vincent alcançou a outra mão de Eleanore e a incentivou a acompanha-lo.Ela estava sobre o parapeito da janela e olhou para baixo, vendo o chão a metros e metros de distância. Eleanore apertou as mãos dele com mais força, já que era seu único apoio. Ela sequer havia registrado que Vincent havia chamado ela por um apelido.– Não pode estar sugerindo que eu... a-ande... no nada!– Estou. Dê o primeiro passo.Eleanore engoliu em seco e deu um passo à frente, rezando internamente. Mas não caiu, seu pé encontrou apo
O feiticeiro lançou um sorriso cínico para Albert, mostrando os dentes, como um predador.– Que bom que já me conhece, assim as apresentações são dispensáveis. Não vai me convidar para entrar, Albert, onde estão seus modos?– Veio devolver minha filha? – Albert questionou, sério, olhando para Eleanore atrás de Vincent. Ela desviou o olhar, incapaz de encarar seu próprio pai.– Ela não é uma coisa para que eu devolva, mas é óbvio que você só a vê assim. – Vincent deu um largo passo à frente, fazendo Edelina ser obrigada a recuar, dando-lhe espaço. Ficou cara a cara com Albert, mesmo que fosse mais baixo, Vincent era infinitamente mais ameaçador. – Eis o que vai acontecer agora, Albert, Eleanore vai buscar suas coisas e nós dois vamos conversar.Um
Albert trincou os dentes, impotente, e arrastou os pés em direção a sala sob o atento olhar do feiticeiro.O local possuía três sofás e duas poltronas dispostas de uma forma a ficarem de frente umas para as outras. Havia estantes com livros, intercaladas entre janelas verticais e uma mesinha de centro, onde ficava um delicado vasinho de crisântemo vermelhos.Um enorme quadro na parede de moldura dourada chamou a atenção do feiticeiro. Era uma pintura de uma mulher usando um elegante vestido azul marinho, o longo cabelo ruivo caia sobre um dos ombros em cachos espessos. Vincent só percebeu que não era Eleanore, porque aquela mulher tinha apenas sardas discretas no nariz e os olhos eram castanhos, ao invés de azuis. Não precisava nem perguntar para saber que era a mãe dela.Ele cruzou a sala e se sentou em uma das poltronas, cruzando as pernas, como se estivesse em um t
Vincent encarou Albert, que parecia espantado com a atitude de sua filha e com o último olhar que Eleanore o lançou.– É melhor não procurar por Eleanore e, se for uma pessoa esperta, vai fugir daqui para não ter que enfrentar a fúria de Lennox. – O feiticeiro andou em direção a saída, mas parou na entrada da sala, olhando novamente para aquele homem deprimente, mas não sentiu pena alguma.Vincent se virou para sair daquele lugar, não aguentava mais estar na presença daquele homem abominável, mas antes que pudesse Albert falou:– Eu jamais poderia ama-la! Eu só amei uma pessoa na minha vida, Verena – O homem olhou para o quadro pregado à parede e Vincent seguiu seu olhar, olhando para o rosto sereno daquela mulher. Percebeu que Albert só falava por ainda estar sobre o efeito da poção, que inspirava sinc
Quando Eleanore acordou já era noite, havia uma nova lamparina em sua mesinha de cabeceira, o fogo tremulando, movendo as sombras a cada segundo.Sua cama não estava mais queimada, nem o chão ou a madeira da mesinha. Ela podia supor que Vincent havia concertado tudo com magia.Ela sentia seus olhos pesados e inchados de tanto ter chorado na floresta, nos braços de Vincent. Não se lembrava de muito depois disso, ficou sonolenta de repente, sequer tinha memória de como voltou para o castelo. Sentia-se ligeiramente mais leve, depois de ter derramado tantas lágrimas, quase como se tivesse lavado a tristeza acumulada em seu corpo, ao menos uma parte dela, sabia que não era capaz de esquecer tudo assim tão facilmente.Antes que pudesse ter fugido da casa de seu pai, escutou-o dizendo que era incapaz de ama-la por se parecer com Verena, sua mãe. Aquilo tinha partido seu coração, de uma