Eleanore se sobressaltou, ficou parada por um momento de choque, a respiração acelerada, o coração batendo forte em seu peito, as batidas soando em seu ouvido feito tambores de guerra.
De repente, ela agiu, voltou correndo para o quarto, batendo a porta atrás de si. Foi direto para o mais longe possível da entrada. Segurou o encosto da cadeira, que ficava em frente à mesa elaborada, e testou seu peso, para saber se conseguiria arremessa-la contra qualquer ameaça. Não era pesada, ela conseguia levantar facilmente, então, iria servir como uma espécie de arma.
Seus braços tremiam e ela sentiu um frio intenso percorrer sua espinha. Era mesmo um castelo assombrado, os rumores eram verdadeiros. Será que os fantasmas iriam matá-la? O que será que acontecia quando fantasmas te matavam? Aquela coisa em chamas era um demônio? Aquele garoto flutuante era um espírito vingativo?
A porta se abriu repentinamente e Eleanore arremessou a cadeira instintivamente. Quem quer que estivesse ali, sumira, porque a cadeira passou reto e se espatifou no chão.
Segundos depois, a cabeça de uma garota surgiu em seu campo de visão. Assustada, Eleanore alcançou a lamparina em cima de mesinha de cabeceira, pronta para arremessa-la também, mas percebeu que aquela menina parecia uma pessoa normal.
– Ficou doida? Podia ter acertado em mim! – ralhou a garota.
– D-desculpa, é que eu... – Eleanore apertou com mais força a alça metálica da lamparina, sentindo-se ainda muito assustada. Poderia ter tido uma alucinação? Ou estaria sonhando? Ou talvez estivesse ficando louca?
A garota entrou no quarto, segurava uma bandeja e, sobre ela, estava uma tigela de cerâmica branca de onde saia a fumaça de uma comida quente. Ela cruzou o quarto, sem dar atenção para Eleanore, que continuava segurando a lamparina firmemente, e deixou a bandeja na mesa, onde estavam os livros.
– Deveria comer. Estava dormindo há dois dias, deve estar com fome. Precisa de nutrientes.
Eleanore estava prestes a dizer algo, quando o ronco de sua barriga a cortou. Notou que sentiu uma fome selvagem ao sentir o cheiro agradável daquela sopa que, pelo aspecto, parecia ser de legumes. Ela estava faminta, mas ligeiramente insegura com tudo que tinha visto.
– Dois dias? Eu... Hum... Alguém procurou por mim?
Aquela garota que, até então, mantinha uma carranca em seu rosto, suavizou sua expressão, olhando para ela com uma solidariedade sutil, quase imperceptível.
– Ninguém conseguiria te encontrar aqui nem se quisesse.
Eleanore exalou o ar pesadamente, aliviada. A ideia de seu pai procurar por ela a amedrontava e a fazia estremecer. Se seu pai a achasse, provavelmente a chicotearia com seu cinto ou a bateria com um atiçador de lenha, deixaria várias marcas onde suas roupas poderiam esconder. Então, a entregaria para seu noivo, para que ele fizesse o que quisesse com ela.
O alívio dela pareceu espantar a garota.
– Não quer que ninguém te procure?
– Não. Na verdade, eu fugi.
Ela não perguntou o porquê e aquilo deixou Eleanore aliviada novamente, já que não estava muito disposta a contar sua história triste à uma estranha, mesmo que essa desconhecida tivesse lhe trazido uma sopa quente.
– Qual seu nome?
– Sou Eleanore VonBerge, muito prazer. – ela se apresentou com a educação que recebera.
– Eu sou June. – a garota fez uma careta nada amigável.
Achou estranho a forma como aquela garota, June, se apresentara, sem usar o sobrenome.
June era uma garota que parecia ser mais jovem que Eleanore, uns poucos anos. Era baixinha, tinha membros finos e feições delicadas, embora esbanjasse uma carranca digna de um animal selvagem. Ela tinha cabelos castanhos cor de tronco, presos em uma trança, e olhos verdes cor de folha, que combinavam bem. Estava usando um vestido azul marinho que descia até seus calcanhares, meia calça preta e botas curtas marrons.
– É um prazer conhece-la. – Eleanore falou com toda cortesia que aprendeu a usar em sua vida –Eu agradeço muito pela hospitalidade. Por ter me deixado entrar, por ter me limpado e trocado, além de cuidar da minha perna.
– Não me agradeça. – June falou duramente, como se a presença de Eleanore naquele castelo a insultasse – Você simplesmente entrou e não podíamos deixa-la caída no chão. E foi Amber quem nos convenceu a deixa-la ficar.
– Amber?
– A mulher de fogo que você deve ter visto mais cedo, já que gritou.
O coração de Eleanore descompassou. Então... aquilo foi mesmo real? Seus olhos se arregalaram e ela engoliu em seco. Não foi um pesadelo vívido?
– Não se preocupe, ninguém aqui vai te ferir. – June esclareceu uma pergunta que Eleanore não chegou a fazer, mas não a acalmou mais por isso – Eu sei o que dizem sobre esse castelo, mas é mentira. Não tem nenhum demônio ou espírito assassino por aqui.
– O-o que era... a-aquilo?
– Aquilo – June torceu o nariz e cruzou os braços, visivelmente aborrecida – salvou a sua vida. Ela é apenas um elemental do fogo, guardiã do castelo.
June falou aquilo como se “elemental do fogo” fosse um termo corriqueiramente usado por toda a sociedade e, era claramente algo que se via todos os dias. Ao menos, para ela deveria ser.
Eleanore levou a mão ao peito, em uma tentativa falha de acalmar seu coração. Estava tudo bem, era “apenas” um elemental do fogo, o que quer que isso seja, June dissera que não iria machuca-la. Elementais do fogo existiam, Eleanore tinha que se lembrar.
– E-e o... g-garoto... – ela engoliu em seco novamente – que flu... flutuava.
– Ele é um fantasma. – June falou sem rodeios – Sam é o nome dele. Mas também é inofensivo. Às vezes, ele gosta de assustar as pessoas para afugenta-las, mas não vai fazer isso com você. – ela suspirou – Sei que é meio inacreditável, mas você supera. Não pode ficar assim tão assustada, as pessoas se aproveitam de seu medo.
Um fantasma. De verdade. Ela viu um fantasma. Existiam, ela que tinha visto e, se ela viu, então, existiam mesmo. June que disse. Elemental do fogo e fantasma. Talvez pudesse superar isso mesmo. Essas coisas existiam. Coisas não, era ofensivo, aparentemente.
As palavras de June penetraram fundo em Eleanore que, instintivamente levou a mão a medalhinha em sua corrente. Tinha que ter mais coragem, isso era um fato.
Eleanore se sentou na cama, porque sentiu uma súbita fraqueza nas pernas. Na verdade, seu corpo inteiro tremia intensamente. Ela ficou preocupada com a possibilidade de seu coração parar pelo choque. Queria ser mais valente, mas era muito difícil.
– Vince não vai gostar de te ver aqui. – June disse repentinamente, cruzando os braços.
– Vince? – Eleanore se lembrou daquela voz masculina aveludada que ouvira. Embora, quando tivesse espionado pelo topo da escada, não tivesse visto homem algum. Além disso, o nome dele era Bash, não Vince. – É o senhor da casa? Ele quer que eu vá embora?
June deu de ombros, indiferente.
– Eu não sei se quer, porque ele só volta amanhã. E, sim, ele é nosso Mestre.
Mestre? Modo estranho de se referir à um senhor.
– Então, eu devo ir embora?
– De noite? Está louca? Essa floresta é perigosa de noite. – June ergueu uma das sobrancelhas. – Você pode ficar até Vince voltar, então, ele vai dizer o que fazer com você. Enquanto isso, coma a sopa, senão vai esfriar.
Ela girou sobre seus calcanhares finos e foi marchando para a saída do quarto de forma determinada, mas subitamente parou e tornou a olhar para Eleanore com intensidade.
– Como abriu a porta? Como conseguiu entrar no castelo? – June perguntou seriamente, como se fosse algo totalmente impossível.
– Eu só... abri e entrei. – Eleanore encolheu os ombros, sentindo que tinha feito algo errado. Quase pensou que fosse receber uma punição por aquilo, naquele exato momento.
– Mas isso é impossível – June falou em um tom baixinho, como se falasse apenas para si mesma, o cenho franzido e uma expressão de confusão manchando seu rosto.
Eleanore não entendeu. Como abrir uma porta poderia ser impossível?
A sopa estava deliciosa e esquentou as entranhas de Eleanore, mas não a fez se sentir mais confortável com toda aquela situação que vivenciou.Ela não sabia se era capaz de lidar com elementais do fogo e fantasmas, mesmo que estes fossem aparentemente amigáveis. Nunca havia pensado na existência desse tipo de criaturas, nunca sequer imaginou e ainda estava considerando a possibilidade de estar sonhando.Provavelmente estava sendo grosseira em não confiar nas pessoas que cuidaram dela. Eleanore nunca confiou muito nas pessoas, dado os exemplos que tinha, mas, considerando que os habitantes do castelo não eram exatamente humanos, significava que eles eram mais confiáveis por isso?Eleanore não queria ficar naquele castelo, não quando o senhor dele não estava presente e poderia não gostar de encontrá-la ali. Não sabia que tipo de homem poderia abrigar elem
Eleanore desejou boa noite para Amber e foi para seu quarto, depois de terminar seu chá. A xícara saiu de sua mão, movida por uma força invisível e foi até a pia, lavando-se sozinha. Foi algo magnifico de se observar.Embora tivesse dormido por dois dias, ela ainda sentia seu corpo cansado. Talvez fosse resultado de toda a histeria pela qual passou em um curto período.Ela foi até a janela, subindo em cima da mesa para que pudesse respirar o ar fresco do lado de fora. Eleanore sentou de pernas cruzadas sobre o tampo de madeira, o corpo inclinado para frente, para que pudesse deixar a cabeça para fora. O ar frio da noite beijou sua face e Eleanore inspirou profundamente, trazendo-o para dentro de seus pulmões. A brisa ali era perfumada, por causa do jardim florido logo abaixo.Foi quando Eleanore viu algo andando por entre as árvores, bem a margem do bosque. Um vulto grande, encurvado, o
Eleanore quase engasgou com o leite, processando a informação que recebera do fantasma. Ainda estava digerindo o fato de que estava mesmo na presença de um fantasma, mas agora, estava mais nervosa com a chegada do anfitrião da casa.Por alguma razão que ainda desconhecia, estava nervosa com a ideia de conhecê-lo.– Mas está dormindo. – June se apressou em completar a frase de Sam – E eu, se fosse você, não iria acorda-lo agora. Vince fica de mal humor quando é acordado.– Ele também fica de mal humor por vários outros motivos. – acrescentou Bash.– Você é um deles – murmurou Sam, olhando para o gato Sebastian.– Entendi. E o que eu faço até ele acordar? – ela perguntou, inquieta, não querendo demonstrar toda a ansiedade que sentia, mas as mãos se torc
Vincent Maddox não era o que Eleanore estava esperando. Quando o chamaram de Mestre e disseram que ele era o dono da casa, ela havia imaginado um homem velho, que possivelmente teria uma longa e grisalha barba. Mas a realidade estava muito longe de ser essa.– Seu cabelo é branco. – Foi a primeira coisa que Eleanore pensou e raciocinou naquele momento.Vincent pegou uma mecha de seu cabelo e a contemplou, como se tivesse se esquecido desse detalhe sobre sua aparência.– Você é muito observadora... – ele fez uma pausa, esperando que ela se apresentasse.– Eu sou Eleanore VonBerge, é... – Ela engoliu em seco, já que não havia resquícios de saliva em sua boca. – um prazer, senhor Maddox.De uma forma bem graciosa, ele se levantou da poltrona, era um homem esguio e tinha um porte elegante, postura reta e impecável. Ele pegou o
A esfera de fogo se expandiu no quarto e enviou fagulhas para os lençóis, o chão e mesinha de cabeceira. Rapidamente, elas foram crescendo, consumindo a mobília.Eleanore soltou um grito de pânico. Ela olhou ao redor, buscando por algo que pudesse ajudar.Foi então, que todas as chamas convergiram para o mesmo ponto, como se fossem sugadas pelo vento, espiralando-se no meio do quarto, diminuindo cada vez mais, até se tornarem um pequeno ponto luminoso. O fogo deslizou pelo ar, transformando-se em um pássaro, pousando na mesa.– Eleanore? O que houve aqui? – era a voz de Amber.– Amber?! – Eleanore finalmente conseguiu respirar direito, quando não havia mais uma esfera de chamas crescente prestes a engolir o quarto todo e queima-la viva. – Você fez isso?– Não. Senti uma perturbação na casa e a localizei aqui
– Eleanore. – a voz soou alta e severa.Ela acordou de súbito, sentando-se ereta, agarrando com força suas cobertas. Seu coração estava disparado e ela olhou de um lado a outro, mas novamente se viu no quarto do castelo e não em sua antiga casa.Quando olhou em direção a voz, viu Vincent Maddox parado no meio do quarto de braços cruzados e levou um susto. Ele não estava mais com as roupas folgadas de dormir, ao invés disso, vestia calças justas cinza chumbo, botas marrons escuras, uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos, embora estivesse frio, e suspensórios pretos. E seu longo cabelo estava agora preso em uma trança, que descia feito uma corda branca por suas costas.Na claridade da manhã, Eleanore pôde notar como Vincent era pálido, quase do tom de seu cabelo cor de neve. Mas não era só is
Vincent deu um passo para fora da janela e Eleanore deu um gritinho, achando que ele fosse despencar dois andares e ir direto para o chão. Mas não, ao invés disso, seus pés se firmaram em uma espécie de chão invisível, que o manteve suspenso no ar.– Vamos, Ellie – Vincent alcançou a outra mão de Eleanore e a incentivou a acompanha-lo.Ela estava sobre o parapeito da janela e olhou para baixo, vendo o chão a metros e metros de distância. Eleanore apertou as mãos dele com mais força, já que era seu único apoio. Ela sequer havia registrado que Vincent havia chamado ela por um apelido.– Não pode estar sugerindo que eu... a-ande... no nada!– Estou. Dê o primeiro passo.Eleanore engoliu em seco e deu um passo à frente, rezando internamente. Mas não caiu, seu pé encontrou apo
O feiticeiro lançou um sorriso cínico para Albert, mostrando os dentes, como um predador.– Que bom que já me conhece, assim as apresentações são dispensáveis. Não vai me convidar para entrar, Albert, onde estão seus modos?– Veio devolver minha filha? – Albert questionou, sério, olhando para Eleanore atrás de Vincent. Ela desviou o olhar, incapaz de encarar seu próprio pai.– Ela não é uma coisa para que eu devolva, mas é óbvio que você só a vê assim. – Vincent deu um largo passo à frente, fazendo Edelina ser obrigada a recuar, dando-lhe espaço. Ficou cara a cara com Albert, mesmo que fosse mais baixo, Vincent era infinitamente mais ameaçador. – Eis o que vai acontecer agora, Albert, Eleanore vai buscar suas coisas e nós dois vamos conversar.Um