As ruas de Toronto estavam tão frias que os ossos de Ivy Lewis estavam congelando. Tinha certeza que se ela esbarrasse em alguém, poderia quebrar como um cristal. Estava completamente molhada e um tanto irritada. Seu carro havia ficado com sua irmã mais nova, pois tinha dado uma carona para a garota e ela acabou vindo de metrô para o trabalho, atendendo um chamado urgente. Outras pessoas ficariam chateadas por irem trabalhar na folga, mas sua vida estava tão entediante que quanto mais estresse, melhor!
Não lembrava quando tinha se tornado uma workaholic, todavia já era uma e o diretor geral da emissora onde trabalhava sabia disso. O trânsito estava parado por causa da chuva e ela teve que vir em meio à uma das maiores tempestades do ano, notícia que provavelmente seria pauta na reunião para a qual estava atrasada, e naquele momento, ela pegava chuva ao ir em direção ao prédio da emissora da Chankin News, onde trabalhava como uma das editoras responsáveis pela programação do noticiário das 20h, horário da disputa mais acirrada pela audiência nas televisões canadenses e na América do Norte como um todo. Suas botas de salto médio ressoavam no chão de mármore no andar térreo do prédio da Chankin News e seu corpo já estava agradecendo por estar em um ambiente protegido do forte vento que assolava a cidade. Não que seus dentes tivessem parado de bater.
Sua versão desalinhada pela chuva chamou a atenção da recepcionista Suzannah, que era de longe a pessoa com a melhor memória que ela conhecia: a mulher na casa dos cinquenta anos sabia o nome de cada funcionário do prédio, que possuía muitos andares e centenas de colaboradores. Ela era ágil e eficiente, o que para uma recepcionista, deveriam ser os critérios chave.
— Senhorita Lewis, o que aconteceu com você? — Perguntou chocada ao ver os cabelos longos da mulher colados em seu rosto e suas roupas molhando o chão.
— Estou sem carro e a chuva me pegou quando decidi vir andando da estação de metrô. — Respondeu Ivy, tentando não bater os dentes ao responder a senhorinha.
Qualquer coisa para não ser chamada a atenção.
Esse era esse o lema de vida de Ivy.
Entrou logo no elevador e então pode se ver no reflexo do espelho. Apertou o botão para a cobertura. Não estava apresentável como sempre e aquilo a chateou muito. Seu cabelo escuro estava todo molhado e grudado em seus ombros. Por sorte, tinha escolhido roupas também escuras naquele dia, se não, estariam completamente visíveis suas peças íntimas. Havia deixado seu casaco no metrô e só se dera conta disso quando sentiu o vento impetuoso bater em sua pele. Sua camisa de seda preta estava colada ao corpo curvilíneo que ela tinha, não contribuindo para disfarçar seus seios fartos, já que esta foi a ideia dela ao escolher essa peça pela manhã.
— Que o senhor Smith não esteja aqui hoje! — murmurou para si mesma, na esperança de que algum imprevisto tivesse feito o sempre presente dono da emissora não ir na reunião daquela quinta. A jornalista era conhecida por seu profissionalismo e ser vista naquela condição por seu superior não contribuiria para manter a boa fama. E se tinha algo pelo qual prezava, era a sua carreira, porque tinha dado duro para chegar naquele patamar apenas com vinte e seis anos.
O elevador parou no décimo andar e um homem entrou. A morena sabia que era um homem pelos seus sapatos sofisticados. Não o olhou, estava mais preocupada em aquecer— se, por isso passou os braços ao redor de si mesma e esfregou as mãos em si, na esperança de conseguir aguentar as baixas temperaturas canadenses e não perder os dedos, onde suas unhas já estavam arroxeadas.
— Você parece ter esquecido seu guarda— chuva hoje. — Ouviu o homem ao seu lado falar com a voz divertida.
A mulher ergueu a cabeça num impulso e olhou diretamente para o homem que se encontrava próximo a ela. Ele a olhava com um sorriso curioso. Talvez estivesse zombando dela toda molhada ou apenas achando divertido o fato que toda a cidade tinha sido avisada sobre a grande tempestade que iria cair naquela manhã e parecia ainda assim ter pego pessoas de surpresa.
— Nem pensei em trazê— lo ao sair de casa... — Respondeu ao cara com honestidade, sentindo ainda mais raiva ao ter sido acordada de seu sono de beleza para estar lá.
— Eu entendo, mas deve ter acontecido alguma coisa pra você está tão molhada assim — continuou ele, como se quisesse ouvir uma resposta.
Profissionalismo, era aquilo que acontecia sempre na vida da editora. Quem era aquele cara, puxando conversa com Ivy, uma completa desconhecida?
Se fosse em outro momento, ela seria mais simpática, mas seu corpo pedia por aquecimento e isso estava deixando seu humor péssimo. Nem a camada de gordura extra que seus poucos quilos acima do peso recomendado para sua altura estavam esquentando.
O cara parecia esperar por uma resposta mesmo e a jornalista aproveitou esse pequeno tempo para analisar o homem. Se uma coisa tinha aprendido em sua profissão, era ser detalhista e perceber os detalhes ao seu redor, tudo poderia se tornar um furo de reportagem.
Ele era mais alto que ela, não sabia dizer quanto. O cabelo era castanho escuro e os olhos azuis, tinha a impressão que em um primeiro olhar, ele parecia grande mas não intimidador, mesmo com a postura relaxada na qual se encontrava, e estava vestido com uma camisa branca e um blazer azul marinho. Tinha uma barba cheia, o que certamente deveria ser motivo de inveja para adolescentes no período da puberdade, além da voz grave.
Mas o sorriso foi o que impactou Ivy. Era tão radiante, largo, de dentes super brancos, que mesmo com toda a chuva lá fora, era possível se sentir aquecido com aquele sorriso.
Ele era muito gato, do tipo de cara que não se via na emissora, pois se ela tivesse visto, com certeza lembraria.
Ivy percebeu que estava encarando o cara e olhou para suas roupas outra vez, tentando se distrair e não voltar a encarar o bonitão simpático. Em outros momentos, ela não se sentiria intimidada ao conversar com um estranho, mas naquele instante, não estava em seu humor comum.
— Deixei meu carro com a minha irmã mais nova. E como eu não podia me atrasar, vim na chuva mesmo. — Sua voz soou fraca até seus ouvidos dessa vez. Seu reflexo também demonstrou que estava mais pálida do que o normal, por causa do frio. Parecia que aquele prédio tinha tudo de moderno, uma característica que ela gostava no edifício, menos o serviço de aquecimento.
— Uma garota durona — Elogiou ele e ela conseguiu ouvir o sorriso no modo como sua voz bonita soou no espaço limitado. O estranho tinha tirado seu blazer e estendia na direção de Ivy, surpreendendo a mesma.
— Toma! Você deve estar morrendo de frio. É melhor prevenir um resfriado.
As babás que cuidaram dela na infância sempre haviam lhe ensinado a nunca aceitar nada de estranhos quando era pequena, mas existiam exceções. E aquele momento era o blazer dele parecia uma necessidade.
— Muito obrigada. Agora meus dedos talvez não caiam — Conseguiu brincar, fazendo o homem sorrir ainda mais.
A moça vestiu a peça e soltou um suspirou. Como estava quente! Sua pele parecia estar descongelando e aquela sensação deixou — a aliviada.
O elevador chegou na cobertura e Ivy saiu, se virando para o estranho.
— Como posso fazer para te devolver?
— Não precisa. Ficou mais bonito em você. — Falou sucinto, com as mãos nos bolsos.
Ele não ia querer de volta? Tenho certeza de que é daquela marca cara que Carl gosta.
As portas do elevador estavam se fechando. E num impulso, antes que ficasse sozinha novamente naquela grande caixa de metal, Ivy perguntou:
— Como você se chama?
Ela conseguiu ouvir a resposta com clareza, mesmo que as portas estivessem fazendo seu trabalho e ela já tivesse só:
— Noah Schneider.
— Então, o movimento sindical está dando sinais de que vão às ruas para protestar em busca de melhorias salariais. — comentava o jornalista Kevin Andrews, diretor geral da redação, com sua careta lustrosa reluzindo o LED das lâmpadas da sala, sentado próximo, no lado esquerda de onde Ivy se encontrava. — Nossa fonte confiável dentro da fábrica Jones diz que isso será em dois dias. Temos que nos organizar para fazer a cobertura e se possível, entrevistar o pessoal da gerência...A moça não estava mais prestando atenção no que ele dizia e sim lembrando no homem do elevador. Noah Schneider. Sua mão estava coçando para pegar o seu celular no bolso do blazer do homem e digitar o nome do moreno na barra de pesquisa, mas se conteve. Isso se ela encontrasse algo no Google sobre ele. Quem sabe não era um desconhecido? Ou pior, namorado de alguma colega de trabalho que ela conhecia? Ali não era hora pra ficar pensando em crush, como chamaria sua amiga Katherina. Não se envolvia com ninguém
— MERDA AMANDA! — gritou Ivy horas depois, vendo a frente de seu carro toda destruída. A irmã tinha batido o carro enquanto voltava para a casa e o motor acabou pegando fogo, queimando a frente do veículo que a irmã mais velha tinha terminado de pagar fazia pouco tempo.O estrago foi muito grande e o cheiro de fumaça, estava terrível.— Borboleta, eu posso te ajudar a pagar o conserto! — A garota de cabelos castanhos escuros e os mesmos olhos amendoados da irmã mais velha estava tentando apaziguar a raiva de Ivy, que só falava palavrões em momentos que estava transtornada, que era a situação exata. — Ou o papai paga, você sabe que ele não se importa! — Revirou os olhos, com os braços cruzados, mantendo uma distância segura da jornalista. — Quem manda não ser esperta e colocar seguro?!Ouvi Amanda usar seu apelido de infância para apaziguar a situação e deixou Ivy mais irritada ainda. Ela passava a mão delicada na lateral do carro destruído, sem acreditar que seu transporte est
Ivy chegou em Bocas Del Toro depois de pegar um barco táxi. Achou a experiência divertida e engraçada, a bela paisagem com ares caribenhos ajudou a se livrar do cansaço da longa viagem. Tinha saído de Toronto, fazendo uma escala na Costa Rica e só depois pousando no Panamá. A exclusividade do evento de lançamento do carro novo da Hanson já demonstrava que público atendia só pela escolha do local. O acesso não era dos mais baratos e ela estava custeada pela emissora, então quem tinha dinheiro para frequentar aquele tipo de evento, era bem de vida.Não demorou muito e ela já estava fazendo o check-in e o credenciamento para o evento no luxuoso hotel, totalmente reservado para o lançamento do novo carro da Hanson Motors. Conseguiu descansar um pouco quando se instalou no hotel, no quarto com grandes janelas e com vista para a praia. Aproveitou para enviar fotografar a vista e fazer inveja para a irmã, postando em suas abandonadas redes sociais, que só viam uma foto nova a cada seis meses
Tinha certeza de que era ele, estava de jeans e camisa de seda preta, que contrastava perfeitamente com seus olhos azuis límpidos. Samuel, o outro cara que deveria ser mais um figurão da montadora, levantou e eles se abraçaram. Formavam uma dupla e tanto aos olhos e o moreno parecia ter dito algo para o loiro, que riu longamente. Voltaram a sentar e Samuel bateu no microfone com o dedo, testando o som, o que chamou a atenção de todos os jornalistas, fotógrafos e demais convidados presentes. Iria começar a coletiva do grande lançamento automotivo. — Boa noite! Sou Sam Brown. — Ele nem deveria ficar dizendo aquilo, mas a moça ficou feliz por ter feito, já que era uma desavisada de plantão e deixou passar algo super simples como verificar quem eram os donos da empresa. — Sócio proprietário Hanson Motors! É um prazer que todos tenham vindo prestigiar o evento do mais novo lançamento, o Kronos. — Disse com uma voz clara e firme, característica de um homem que sabe impor sua presença.
— Olha, eu sei que você me ajudou naquele dia e que agora nos encontramos outra vez — ela apontou com a taça o que tinha ao redor — e ser o anfitrião deste evento, mas eu não quero sair com você, Senhor Schneider. — Talvez até quisesse em outro momento, mas a abordagem na coletiva tinha sido péssima. Como seria levada a sério no ambiente de trabalho se ele tinha convidado-a na frente dos colegas? Aquilo não pegaria bem no meio dos fofoqueiros profissionais que eram os outros jornalistas.Por cima do ombro dele, via os colegas com os olhos direcionados para a dupla Ele riu do que ela disse e foi um som grave e bonito. Mesmo de salto baixo, Ivy só batia perto do queixo dele. O cheio do homem chegou até ela, outra coisa que sua memória não fazia jus, além da aparência. Noah era mesmo uma presença marcante. — Não te convidei pra sair comigo, Senhorita Lewis. Ofereci uma exclusiva para a sua matéria, por causa de Jeremiah. — Ele comentou, referindo-se ao dono da Chankin News pelo prime
A jornalista decidiu não pensar muito sobre como seria o encontro no dia seguinte e virou a noite aprendendo sobre motores de carros esportivos e quase não se levantou com tempo o suficiente para se arrumar para encontrar com Noah para a exclusiva, na manhã seguinte. Quando se levantou, pegou o celular na mesa de cabeceira, sentido a brisa que vinha da janela aberta lhe refrescando e ao notar que estava atrasada, deu um pulo da cama. Sabia que ele poderia levar a entrevista com outras intenções, mas Ivy apareceria com tantas perguntas que ele ficaria com a garganta seca por falar demais. Daria seu máximo para fazer um trabalho excelente e o resto… deixaria que ele tomasse a iniciativa. Tomou banho rapidamente e após, colocou sua mala sobre a cama. Achou em meio suas roupas um vestido floral lindíssimo, de alças finas e renda, presente de quando Carl havia ido ao Hawaii com sua namorada. Em Toronto, nunca houve ocasião para usar, mas naquele momento poderia passar uma ideia errad
O vento brincava com os cabelos de Ivy enquanto Noah passeava rápido pelas ruas de Boca Del Toro. O carro rugia debaixo deles e ela sentia seu coração pulsando ao saber que estavam rápidos, mas sequer na metade da potência que o Kronos tinha. — Cuidado! — Ivy gritou, vendo a curva estreita da qual eles se aproximavam. As mãos dela apertaram os bancos de couro e a jornalista sentiu o cinto de segurança lhe apertar fixar no lugar quando Noah diminuiu a velocidade, mesmo que gradativamente. — Quer colocar uma música? — ele perguntou com um sorriso brincalhão, tranquilo ao dirigir algo que tinha projetado. Era muito claro para ela como Noah confiava naquele carro, como um produto que ele mesmo assinou. — Eu não sei se conseguiria… — a verdade era que seu estômago estava embrulhado da quantidade de comida que degustaram junto do nervosismo por estarem indo tão rápido e as pessoas parecem tão pequenas nas ruas estreitas. Tudo passava num borrão e ela se sentia como em Velozes e Furiosos
Ao bater a porta de seu apartamento, Ivy suspirou de cansaço. Estava moída das tantas horas de viagem a mais que fez por conta do mau tempo em sua primeira conexão. Não existia nada como a sensação de estar em casa, dormir na sua cama e tomar banho no seu banheiro. Iria gastar ao menos uma hora dentro de sua banheira, para relaxar todos os músculos tensos depois de tanto tempo dentro sem dormir.Estava tudo exatamente como ela deixou quando saiu para sua viagem para Boca Del Toro, o que era um alívio. Tirou seus sapatos e sentou no sofá, passando a mão no cabelo em um gesto habitual.Essa viagem aconteceu mesmo?Quando estava saindo do hotel, viu Noah no deck, de roupas trocadas e esperando por ela.— Você não achou mesmo que eu iria te deixar ir sozinha, não é? — ele perguntou, dando um sorriso ao notar como a pegou de surpresa.Foram juntos até o porto e ele queria se certificar que Ivy iria pegar o barco em segurança. Eles quase se beijaram em despedida, mas não estavam sozinhos