Capítulo 03

—  MERDA AMANDA! —  gritou Ivy horas depois, vendo a frente de seu carro toda destruída. A irmã tinha batido o carro enquanto voltava para a casa e o motor acabou pegando fogo, queimando a frente do veículo que a irmã mais velha tinha terminado de pagar fazia pouco tempo.

O estrago foi muito grande e o cheiro de fumaça, estava terrível.

—  Borboleta, eu posso te ajudar a pagar o conserto! —  A garota de cabelos castanhos escuros e os mesmos olhos amendoados da irmã mais velha  estava tentando apaziguar a raiva de Ivy, que só falava palavrões em momentos que estava transtornada, que era a situação exata. —  Ou o papai paga, você sabe que ele não se importa! —  Revirou os olhos, com os braços cruzados, mantendo uma distância segura da jornalista. —  Quem manda não ser esperta e colocar seguro?!

Ouvi Amanda usar seu apelido de infância para apaziguar a situação e deixou Ivy mais irritada ainda. Ela passava a mão delicada na lateral do carro destruído, sem acreditar que seu transporte estava naquele estado. 

—  O dinheiro do seguro eu emprestei pra você fazer a merda do seu mochilão de férias! —  Ralhou a mais velha, fuzilando a garota com o olhar. 

Aquele carro foi o primeiro grande investimento de Ivy quando conseguiu um bom emprego. Mesmo que o pai pudesse dar uma vida muito confortável para ela e a irmã, queria bancar seus próprios mimos. E agora seu veículo estava inutilizável por causa de Amanda.

—  Desculpa mesmo, eu não vi aquela árvore perto da casa do Theo... —  Comentou a irmã, colocando uma das mãos sobre o peito em sinal de juramento ao sobre o trajeto para a casa do ficante fixo.

—  Você passa por lá TODO SANTO DIA! —  Disse irritada, morrendo de vontade de dar uns tabefes Amanda. Sabia que a irmã era um pouco maluquinha, que tinha um espírito livre e adorava aventuras, complemente o contrário de Ivy, mas bater o carro dela, era demais. —  Não é pelo dinheiro, sabe disso! —  Ivy ganhava muito bem e o pai delas era um juíz. Quando foram adotadas com ainda na infância, quando Ivy tinha 11 anos e Amanda 6, experimentaram um luxo que nunca tinham visto igual no orfanato onde tinham crescido. —  Quando vai criar juízo nessa sua cabeça, hein?! —  Indagou, se aproximando de Mandy, que se encolheu com as palavras dela.

—  Eu estou bem, obrigada por se importar comigo! —  Disse com um biquinho nos lábios com gloss, tentando parecer magoada para a irmã perdoá-la mais rápido, saindo da frente da casa do pai delas, num bairro calmo e nobre em Toronto. 

—  Você com certeza está inteira, o meu carro NÃO! —  Apontou o dedo para Amanda, quando entrava na casa onde cresceram após serem adotadas. —  E você vai contar tudo pro nosso pai e vai me dar o dinheiro do conserto, sem pedir pra ele. E também, vai me reembolsar com o que ganha no estágio na vara e estamos conversadas! —  Abriu a porta, indo direito para as escadas, subindo sem parar e batendo a porta de seu antigo quarto ao passar, vendo suas caixas empacotadas e poucas coisas espalhadas.

Era melhor organizar suas coisas antes do caminhão da mudança chegar, para ter as mãos ocupadas, a fim de deixá-las longe do pescoço de Amanda. E pior do que ter seu carro destruído, agora teria que esperar o pai chegar e pedir o veículo dele emprestado. Era só o que faltava mesmo!

Se arrependimento matasse, Ivy não teria insistido tanto para Amanda tirar a carteira de habilitação.

+++

—  Não está esquecendo de nada? —  Perguntou Amanda, esparramada na cama de casal no quarto de Ivy, dias depois do episódio do carro destruído. Ivy teve uma pequena vingança ao ouvir o longuíssimo sermão que a irmã recebeu do pai sobre direção, segurança, direito à mobilidade, ressarcimento para a parte prejudicada e outros pontos. A mais nova estava vendo a irmã arrumar suas malas para a viagem que iria fazer para Bocas Del Toro. O carro estava com o motor destruído e ela iria comprar outro, fazendo Amanda pagar metade do valor.

—  Não estou Mandy, já chequei tudo. Só falta esse nécessaire. —  Respondeu de dentro do seu closet, onde também se encontrava sua penteadeira com maquiagens e acessórios. O apartamento estava quase todo decorado, mas o quarto tinha sido a prioridade na mudança. Pegou a última bolsa e se dirigiu em direção a cama, para deixar junto com sua outra mala. Ivy sentou na cama, próximo da irmã mais nova.

—  Acho que vou mudar de curso, porque ser jornalista nunca me pareceu tão bom! Eles vão pagar pra você ir pra uma ilha paradisíaca! No direito, o máximo pra onde vou receber dinheiro pra ir é no presídio. —  Ironizou a mais nova, que cursava o 6° semestre de direito na Universidade de Toronto.

—  Estou indo lá pra trabalhar, você sabe. Além que alguém tinha que continuar os negócios da nossa família. —  Lembrou a nova morena iluminada, que alisava seus cabelos recém clareados em frente ao espelho. Tinha ficado muito bom. —  Você sabe que Carl e eu não demos um pingo de orgulho pro nosso pai e pro tio quando escolhemos nossas carreiras. E você sabe também que herdou o talento pros tribunais.

Mandy estava para completar seus 21 anos e era muito apegada a Ivy. Para ela, sua irmã mais velha era sua melhor amiga e foi quem preencheu a lacuna que sua mãe criou, ao se separar de Logan, pai das moças, e ir morar com outro homem como se as filhas não existissem. A esposa dele não podia ter filhos e ficou com ciúmes demais da relação que Logan tinha com as meninas. Os anos que passou tentando engravidar e a longa espera pela adoção (processo ao qual foi muito resistente), trouxe à tona a infelicidade do casal, mesmo com as filhas.

—  Eu sei, assim como amo o direito desde pequena, quando nosso pai nos levava para as audiências que ele julgava, eram emocionantes! —  Recordou. O senhor Lewis levava consigo as filhas pros tribunais desde a infância, para que elas se acostumarem com o ambiente, pois seriam herdeiras de um legado de juízes da família de quase 150 anos atuando para o Estado canadense. —  Só que eu estou ficando louca! São todas coisas pra estudar, tantos artigos constitucionais e emendas que às vezes tenho vontade de arrancar todos os cabelos da cabeça. Tenho certeza de que os professores fazem um complô para que todas as provas sejam no mesmo dia.

Ivy se divertia ao ver Amanda com seus problemas de universitária, pois lembrava da sua própria época de graduação. Quando havia escolhido cursar jornalismo, o principal argumento que havia usado com o pai e uma coisa que aprendeu com ele, era como a verdade podia influenciar as pessoas, mas não queria decidir o futuro de ninguém como o pai fazia, embasado na lei e valores morais, sociais. Todavia, ela não queria abrir mão da verdade e nem do poder da informação, por isso o jornalismo investigativo foi a sua escolha primeira como área de atuação, porém ao chegar em seu primeiro dia de estágio, se encantou com o editor-chefe e como ele parecia ter tudo sob controle, como as palavras que passavam por ele todos os dias afetava as pessoas. E hoje era editora de uma das maiores emissoras de comunicação do Canadá, aos 26 anos. Ralou muito, mas conseguiu chegar em seu emprego dos sonhos assustadoramente rápido.

— O jornalismo também tem as suas dificuldades ou você esqueceu daquele dia quando fui com a equipe de produção cobrir aquele acidente na madrugada de natal e fomos todos assaltados? —  Perguntou. —  Nem sempre são rosas!

Mandy lembrava.

—  Vocês chamaram mais a atenção do que o próprio acidente. "Jornalistas assaltados quando tentavam cobrir matéria", viraram notícia da notícia. —  Riu a estudante, divertida. —  Adorei as luzes no seu cabelo!

—  Eu também! Achava que não conseguiria vaga com a Justine antes de viajar, mas ela abriu uma exceção. —  Ivy comentou, porque a cabeleireira que as atendia era muito concorrida. Olhou as horas no celular. Já estava na hora de sair de casa, senão, poderia perder o voo.

—  Tenho que ir. Quero chegar cedo ao hotel pra fazer o cadastramento de imprensa sem pegar o tumulto. Esse vai ser um evento grande, vai ter correspondentes de vários países por causa do lançamento. —  Disse se dirigindo até sua bagagem, pegando suas malas e bolsa. Seu olhar pousou no blazer azul escuro que estava no cabide entre suas roupas, no closet. Ele se destacava em meio às roupas femininas. Se sua irmã viu enquanto ajudava-a a fazer suas malas, não comentou.

—  Nossa, dá até pra você pegar o telefone de uns jornalistas gatinhos de outros países. Se não pra você, pode ser pra mim. —  Disse ao ver Ivy revirar os olhos —  ou mesmo pra Katy, já que nós três ou melhor, vocês duas tão solteiras. —  Completou.

O único número que Ivy gostaria de conseguir era de Noah Schneider, para poder contatá-lo e devolver seu blazer. Havia mandado pra lavanderia e a peça estava nova em folha. E infelizmente com o cheiro de sabão, não mais de seu dono. Como ela sabia? A primeira coisa que havia checado era se o aroma único que a peça exalava ainda estava lá. Para sua tristeza, já tinha sido substituído por amaciante. Também não havia pesquisado sobre ele. Não houve tempo livre em sua semana por causa que teve que consertar o carro e também pelos preparativos de sua viagem. Pelo menos era nisso que sua consciência se firmava e não que estava tentando não dar muita importância para o que aconteceu. Ele era só um desconhecido... que circulou seus pensamentos vários dias por causa daquele sorriso radiante.

—  Lembra que você disse que estava atarefada, garota? Ocupe- se com seus estudos —  comentou parando de pensar moreno do elevador. —  Tenho certeza que a constituição deve ser uma ótima companhia. —  brincou, enquanto saíam do quarto e seguiam pelo corredor, até a sala. O apartamento de Ivy ficava em um bairro bem localizado e era grande o suficiente para receber os amigos. Mesmo sendo de família rica, queria um lugar que não ostentasse luxo, mas fosse confortável. Haviam mais 2 quartos fora a suíte que ela ocupava, era bem decorado em cores suaves e suas plantinhas espalhadas davam o toque final.

—  Ha! Engraçadinha, a constituição não me leva pra jantar na sexta à noite e nem me pega de jeito no banco de trás do carro depois da sobremesa, eu até tenho Theo, mas ele quer muita atenção e isso me cansa, às vezes.  Eu tô precisando de um homem de verdade, maduro, experiente, que não precise receber mensagens de meia e meia hora... Quem sabe assim eu desconto as minhas frustrações por tá com um carinha grudento?

—  Amanda! Não use os homens, certo? Se quer desabafar escreva um poema, era o que eu fazia no ensino médio. —  Disse a mais velha, sendo seguida pela mais nova, abrindo a porta para saírem do apartamento e tranca-lo. —  E outra coisa, já deveria ter sido honesta com o Theo sobre vocês não estarem na mesma vibe, viu?

—  No ensino médio você e eu éramos virgens, hoje eu sei já conheço um melhor jeito de relaxar. E tem que ser com um cara que saiba o que está fazendo! —  Disse Mandy sem qualquer pudor. —  O Theo é muito legal, mas eu sinto falta… de alguma coisa que quero muito descobrir.

Ivy trancou seu apartamento e virou-se para a irmã, que esperava.

— Acho que preciso te levar num psicólogo, na verdade, acho que agora é tarde. —  Disse a mais velha, balançando a cabeça em desaprovação.

— Eu prefiro ir numa balada! —  Falou, pegando uma das malas da irmã. —  Vamos logo e vê se não esquece de conseguir uns contatinhos. Tenho que expandir o círculo de amizades.

— Ou o cronograma de conquistas.

— Ou o cronograma de conquistas. —  Confirmou com um sorriso, fazendo Ivy sorrir também.

Amava aquela garota, mesmo faltando alguns parafusos em sua cabeça.

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