Gustavo bateu os pés olhando com uma careta para os sapatos. Beatriz recebeu neve até no rosto e cuspiu, limpando o queixo e batendo na roupa para cair a sujeira mais grossa.
Gustavo bateu a mão pelo sobretudo buscando a carteira para dar um agrado de ajuda ao rapaz pelo esforço.
— Não é necessário pagar nada, Gustavo – a voz feminina veio de dentro do carro — Valeu pela ajuda. Agradecemos, mas temos que ir . Vamos Gustavo. Boa noite.
Beatriz suspirou. Já tinha ideia de quem seria.
A voz fina e melosa era fácil de reconhecer. Pertencia a Margô Fontenele. A riquinha esnobe e mimada. É claro que seria ela.
O homem não precisava lhe pagar, ela ajudou por vontade própria, mas pelo menos poderia ter lhe dito um simples obrigado. Bateu as mãos limpando as luvas e balançando a cabeça se virou para sair.
Ela voltou a enfiar as mãos nos bolsos da calça e continuou seu caminho. O engraçado, por assim dizer, é que eles também continuaram o deles sem nem mesmo perguntar se precisava de uma carona.
Era noite e ela estava andando por ali sozinha. O mínimo que poderiam fazer era perguntar se precisava de algo depois de ajudá-los a sair do atoleiro.
Ela achava isso uma tremenda falta de educação. Infelizmente muitas pessoas eram assim. Pediam ajuda e nem mesmo davam um obrigado depois.
Mas o que esperar de um homem que estava saindo com Margô Fontenele?
Ela tinha acabado de os ajudar, estava frio, nevando e era noite. Uma pessoa que fosse educada oferecia ajuda em troca.
Talvez ela também estivesse atolada em algum lugar por ali. E estava, só que pior, com o carro quebrado.
Não deveria, mas isso a aborreceu um pouco. Balançou a cabeça. Era impressionante como as pessoas só se preocupavam com elas próprias, eram egoístas demais nesses dias atuais.
Nem mesmo um simples obrigado se dizia. Queriam que todos fizessem seus gostos e depois não sabiam porque o mundo andava tão difícil e ruim atualmente.
Ela sabia bem que Margô era uma pessoa egoísta e mimada. e de certa forma, a culpa não era só dela, mas de seus pais que a criaram como se ela fosse a dona do mundo.
Ou pelo menos a dona da cidade de Torres. O que aliás, a cidade quase toda sabia e pensava igual.
Não tinha muito contato com ela ou com a família em geral. Conhecia de vista alguns tios e primos dela. Margô vinha de uma família das mais antigas da cidade e era muito rica e próspera.
Tinham vários tipos de negócios em Torres, inclusive um banco e uma concessionária de carros importados. Era a única que vendia esse tipo de veículo de luxo em Torres.
A própria Margô cansava de desfilar pela cidade com um desses de luxo. Margô era muito bonita com seus olhos azuis e seu cabelo preto com mechas mais claras, sempre bem vestida, sorrindo, mas com pessoas de seu nível.
Com ela e com pessoas que não eram de seu círculo de amizades era muito desagradável.
Não entendia bem dessas coisas de relacionamento, mas parecia que todos os homens a achavam irresistível. Não era difícil ver algum deles que frequentava sua casa, fazer tudo o que ela queria, era só ela sorrir ou falar o que queria.
Piscava o olho e pronto, o que ela queria aparecia sem esforço nenhum. Magê estava acostumada a ser paparicada.E até que não deveria ser uma coisa ruim.
Ás vezes ela se cansava de lutar sozinha por tudo. Não era mimada como Margô, mas se pudesse ter alguém ao lado para dividir as obrigações seria muito bom.
Nunca tinha visto o homem que estava com ela agora. Com certeza um novo namorado.
Ela conhecia bastante gente na cidade desde pequena. Tinha nascido e crescido ali em Torres e provavelmente ficaria ali até envelhecer e morrer.
Nem mesmo uma viagem longa ela tinha feito. Só conhecia as cidades mais próximas. Por causa de seu trabalho e de sua família ela tinha muitos conhecidos. Tinha quase certeza de nunca ter visto esse namorado de Margô.
“E que me importa isso? Tanto faz quem ele seja”
Ela se recriminou.
O homem era muito mandão e nem tinha notado que ela era uma mulher. Nem mesmo a olhou duas vezes para conferir quem era.
Tudo bem que não estava vestida adequadamente. Mais parecia um garoto malvestido do que uma mulher de vinte e três anos que cuidava de dois irmãos mais novos.
E também achou o homem bem arrogante e mal educado. Vai ver por isso que estava namorando com Margô. Deveria ser mais um de seu grupinho de esnobes que se achavam superiores aos outros.
Se não estivesse precisando de ajuda para tirar o carro talvez nunca nem olhasse para ela.Nunca iria notar sua presença.
Sabia que tinha certas coisas que poderia aprender, mas não tinha uma pessoa mais próxima para a ensinar, como uma boa amiga ou uma irmã mais velha.
Não tentava se maquiar sozinha porque nas poucas vezes em que tentou ficou parecendo uma palhaça ou então que tinha entrado em uma briga corporal.
Não tinha ideia certa de como usar maquiagem. Gostava e achava bonito, mas quando precisava sair mais arrumada, pedia ajuda de Suzana, uma vizinha que tinha um salão.
O máximo que ela sabia usar direito era batom e delineador. Também não precisava mais do que isso. Gostava de sua aparência limpa e isso não era um problema para ela.
Não tinha e nunca teve um namorado. Não havia motivo para ficar se maquiando o tempo todo e menos para trabalhar.
Seu cabelo era bem comprido, castanho escuro quase um ruivo. Liso como o de sua mãe, mas a cor puxara de seu pai. Era longo e chegava quase na cintura, vivendo preso a maior parte do tempo por causa do trabalho.
Seu irmão Bruno tinha o cabelo idêntico ao dela, porém curtinho. Já Bianca era loirinha como sua mãe. Os traços dos três eram semelhantes. De longe se via que eram irmãos.
Ela não quis olhar diretamente para o homem, mas conseguiu perceber que ele tinha o rosto quadrado, cabelo curto escuro e o que parecia ser uma cicatriz que descia da lateral de sua testa e seguia até se perder na gola alta do sobretudo.
Os olhos ela teve a impressão de serem castanho escuro e a boca era grande de lábios bem vermelhos talvez pelo frio. A iluminação era fraca, o poste ficava um pouco mais á frente.
Não gostou de ser confundida com um homem, foi estranho. A roupa e a falta de iluminação não ajudavam muito, mas ainda assim ela não parecia um homem.
Andava encolhida por causa do frio e com o casaco um pouco folgado, mas ele poderia ter percebido que era uma garota.
Realmente o homem lhe pareceu esnobe, assim como sua acompanhante, Margô.
Já estava ficando tarde e com certeza seus irmãos estariam preocupados com ela, mas não teve culpa. A velha pick-up resolveu parar de vez e a deixou na mão.
Sabia que isso aconteceria uma hora. O carro já estava com eles há muito tempo e já tinha feito até demais. Passou de seu pai para sua mãe e depois para ela.
Tinha tempo demais nas costas e era usada para tudo o que eles precisavam. Já vinha dando sinais de que precisava de uma boa manutenção, mas ela ainda não tinha o valor suficiente para deixá-la em uma oficina para dar uma geral.
E chegava a ser irônico. Ela tinha parado para ajudar alguém que estava em dificuldade com o carro e estava voltando para casa á pé e sozinha. Á noite. Com seu próprio carro parado bem perto, alguns metros antes de onde os encontrou.
Poderia até dizer que isso era uma piada de mau gosto.E é claro que isso só poderia acontecer com ela. Quando contasse aos irmãos com certeza iriam rir e depois reclamar por ela não ter pedido ajuda em troca.Até que ela era uma pessoa positiva, apesar de tudo o que já tinha passado na vida, mesmo jovem como era. Só que de vez em quando ficava desanimada com a demora em algumas coisas para aconter.Estava acostumada a esperar o momento de cada coisa acontecer, mas isso não queria dizer que ficava tranquila sempre. Já tinha imaginado tantas coisas boas para ela e os irmãos, mas elas aconteciam devagar e nem sempre da mesma forma como planejara.Mas continuava positiva. F
Não era de todo mentira, porém não era de todo verdade. Estava mesmo cansado e querendo deitar, mas era só uma horinha de diferença. Isso não o afetava em nada. Só queria descansar os ouvidos da baboseira dela e tomar seus remédios.— Poxa, que pena - inclinou a cabeça. — Gostaria tanto de continuar nosso papo. você promete que continuamos nossa conversa um outro dia? Pode ser amanhã, o que acha?— Claro, podemos sim, mas não amanhã - mexeu a cabeça como se concordasse. Só que não."Sai logo desse carro, porra, que saco”.Ela ainda tentava mais uma vez o convencer a sair e ficar c
Ele até admitia que estava insuportável, mas a dor no corpo, o incômodo de ter que usar aquela cadeira de rodas e a quantidade de remédios lhe dava uma sensação desagradável de vida perdida. De não ter ninguém de verdade ao seu lado.Foi a primeira vez que ele sentiu solidão de verdade e entendeu o quanto isso é desagradável e machuca. Descobrir que não tinha pessoas que o queriam de verdade por quem ele era e não pelo que representava, era muito difícil e entendeu que uma mudança seria necessária. Ele não confiava nas pessoas, nunca confiou na verdade, mas ver que elas não se importavam com ele por nada, foi dolorido.Apesar de um pouco chato ás vezes, mand&
Deixou com uma excelente imobiliária a responsabilidade de vender seus terrenos e também ficou com apenas três carros. A Mercedez, um Porsche e a Ferrari preta que era sua favorita. Para coisas mais pesadas, ficou com uma pick-up. Não iria precisar dos outros.E a bem da vontade, pouco os usava por causa de seu tempo que era mais dedicado ao trabalho. Outras pessoas iriam aproveitar mais.Se ele queria mudar de vida, então a maioria das coisas que ele tinha antes, quando pensava diferente, não seriam mais necessárias e também não as daria de mão beijada a ninguém. Não tinha sido fácil conseguir o que juntou durante os anos. Nada na sua vida tinha vindo com facilidade. Não seria tonto ou hipócr
Em pesquisas quando estava deitado na cama do hospital, ele tinha visto em uma revista uma propaganda sobre um local pitoresco que estava sendo muito falado por causa da época de Natal que se aproximava. Depois viu uma reportagem em um jornal da noite sobre o mesmo lugar, mostrando a decoração da cidade que tinha sido feita em sua maioria pelos moradores do lugar.Não era ligado em datas festivas, mas ficou interessado ao ver as luzes que piscavam bonitas. E depois buscou na internet mais informações sobre a região e acabou gostando do que viu.Não era uma cidade grande, isso já o interessou. Estava um pouco cansado, mesmo antes do acidente, de tantas cidades cheias de barulho, gente de um lado para outro, a falta de educação e tudo mais dos grandes centros.<
A porta já estava entreaberta e Beatriz bateu de leve.— Oi! Bom dia! – aguardou — Tem alguém aqui? Eu vim para fazer a limpeza da cabana.Ela bateu na porta de novo e abriu devagar olhando para dentro. Não houve resposta ao seu chamado. Mas ela tinha que completar o serviço. Olhou na lateral, mas não viu nenhum carro.Então a cabana ainda estava vazia. Talvez o novo inquilino ainda não tivesse feito toda a mudança e ela teria tempo para fazer uma boa limpeza antes que chegasse.Entrou pela cozinha e viu que algumas caixas estavam em um canto perto de um aquecedor, um casaco estava pendurado atrás da porta, duas malas em cima do tapete e umas
Pediu conselho a pessoas mais velhas e lhe disseram como agir. Ela compareceu junto com os irmãos para falar com a juíza, que foi compreensiva e lhe deu uma chance de provar que poderia cuidar de si mesma e dos irmãos.Eles ficaram sob observação durante um ano e ela correu para se ajustar á nova situação. Tudo o que não podia aceitar era que a afastassem de seus irmãos. E de tempos em tempos aparecia algum oficial enviado pela juíza para verificar como as coisas estavam indo. Ela conseguiu algumas casas e comércios para limpar e assumiu o papel de sua mãe dentro e fora de casa. As pessoas a ajudavam. Nunca mentiu sobre sua situação e explicava o motivo de precisar da faxina. Por sorte muitos ajudavam. Era uma troca.
Sentiu algo ao tocar sua pele. Observou como era bonita.O cabelo foi o que logo chamou sua atenção. Era de um castanho forte, escuro e deixava alguns fios escaparem da longa trança que o prendia. Era bem longo.Os olhos castanhos estavam arregalados e expressavam surpresa e raiva. A boca bem feita e bicuda era de um vermelho natural, ela não estava usando batom. Era magra, parecia frágil também. Tinha a cintura fina e pernas compridas, mas não era muito alta. A cabeça dela só chegava até seu ombro. Tinha que erguer o rosto para olhar para ele.Ele gostou de suas curvas, pelo menos o que dava para ver naquela roupa sem graça. E era bem feminina, mesmo com aquela cara de