Sua noite já estava bem sem graça, apesar das tentativas de Margô de atrair sua atenção o tempo todo. E agora estava ficando pior ainda, era só o que faltava para deixar sua noite mais sem graça do que já estava. Ficar atolado no meio da estrada.
Margô era bonita, educada até, mas era tão fresquinha e cheia de manias que ele já tinha se arrependido de ter aceitado o convite para sair com ela vinte minutos depois de chegarem á festa na casa de um amigo dela. Só tinha aceitado para ficar mais por dentro de como aconteciam as coisas ali na cidade.
Ele tinha se mudado há poucos dias para Torres e estava em um hotel próximo do centro, assim ficava mais fácil de caminhar pelo local e ver como tudo funcionava ali.
Torres era uma cidade pitoresca e pequena. Ele nunca tinha estado ali e gostava de se enturmar com os locais para entender melhor a vida na cidade. Era um costume que tinha desde que começou a andar pelo mundo, perseguindo seu sonho.
Ele tinha conhecido Margô no terceiro dia em que chegara em Torres e claro que não iria rejeitar o convite de uma garota tão bonita e educada como ela, ainda mais que queria conhecer mais pessoas da cidade para ficar por dentro de como as coisas rolavam por ali, já que tinha intenção de ficar por Torres, caso ele gostasse mesmo do lugar.
E Margô tinha muitos contatos, sendo de uma família rica e antiga da cidade.
Ele estava indo rápido demais, querendo logo chegar na casa de Margô para terminar o encontro. A rua estava começando a formar uma camada de neve, mesmo com o carro de limpeza passando o tempo todo. Isso e a pressa dele, fizeram os pneus do carro deslizarem e acabou no canto da pista, atolado.
Ficou impaciente porque não poderia pedir a ela que descesse de saltos altos e com aquela roupa cara para empurrar o carro e suas costas doíam. Isso o incomodava muito.
Ele ainda estava tomando muitos medicamentos para as dores que o incomodavam, mas sabia que isso iria demorar um tempo. A equipe médica já o avisara disso.
E foi bem na hora em que fazia uma curva mais aberta que suas costas deram uma fisgada forte e ele apertou o volante com força, tentando não soltar uma exclamação de dor.
Acabou perdendo a curva e ali estavam eles, enfiados na neve branquinha e fofa. De nada adiantou ter um carro possante agora. Ele tentou sair, mas os pneus deslizavam e só afundavam mais ainda o carro.
Começava a se irritar com isso. Até porque Margô não ficava calada e nem parecia perceber a situação.
Olhou em volta buscando um ponto de referência. Desceu para ver melhor e analisar a situação de fora.
Não havia mais ninguém por perto e ele decidiu aguardar um pouco até tentar retirar o carro de novo, mas quando entrou no carro e Margô começou a falar suas futilidades como se estivessem na sala da casa dela e não presos nas neve, ele preferiu sair de novo e tentar desatolar o carro, nem que fosse sozinho. E com as costas doendo.
Escavou um pouco a neve em volta dos pneus. Por sorte sua luva de couro era de qualidade e grossa, protegendo suas mãos.
Por sorte também, não demorou em aparecer alguém.
Um instante depois ele viu que havia uma pessoa que se aproximava de cabeça baixa pela estrada. Pecebeu se tratar de um rapaz franzino, mais baixo do que ele, mas sua ajuda serviria para retirar o carro do lugar.
Detestava pedir ajuda aos outros e menos ainda para pessoas que ele não conhecia, mas o momento pedia isso. Não poderia ficar mais tempo travado ali.
Não iria aguentar o frio da neve e tinha dúvida se teria saco para a conversa de Margô por mais tempo. Esperou que o rapaz chegasse perto.
— Ei... Será que pode me dar uma mão e me ajudar a sair daqui? – gesticulou mostrando o pneu — Margô, passe para o banco do motorista. Vamos tentar empurrar.
Beatriz vacilou um momento. O homem pelo jeito não tinha percebido que era uma mulher. Tudo bem que estava um pouco escuro e a neve que caía atrapalhava a visão.
Mas será que ela não parecia uma mulher?
Tinha trabalhado todo o dia e por azar seu carro estava lá atrás na estrada, quebrado também. O dele era só sair do atoleiro.
Estava usando um velho casaco de couro marrom que pertencia ao irmão mais novo, Bruno. Por baixo um moleton cinza que já tinha visto dias melhores, um par de botas grossas e luvas para aquecer suas mãos.
Estava frio demais. Apesar de estar acostumada com esse clima, não podia negar que o frio muitas vezes a incomodava.
Mas realmente ele precisava de ajuda para sair dali. E logo a neve ficaria mais alta. Não poderia deixar de ajudar, apesar dele ter chegado de modo até um pouco rude. Afinal, ele nem mesmo prestou atenção nela e não esperou que lhe desse uma resposta.
Ele apenas assumiu que iria ajudar e pronto. Isso foi um tanto arrogante da parte dele, mas sempre gostava de ajudar aos outros. era algo que já estava nela, crescera assim.
Se aproximou do carro, não sabia que modelo era, mas dava pra ver que era caro e novo. Tinha deslizado para fora da pista e estava enfiado na neve, meio torto na lateral da estrada e por pouco não acertou uma árvore que havia ao lado.
O homem se posicionou perta dela e meio sem querer acabou se afastando. Foi uma reação natural.
— Margô, ligue o carro - gritou.
Nesse instante Beatris deu uma olhada rápida nele. Vestia um sobretudo escuro, sapatos de bico fino e luvas grossas de couro. Ele colocou as mãos sobre o carro e ela fez o mesmo.
A lataria estava fria, é claro, bem fria e cheia de neve já se acumulando. Ela limpou um pouco para ter mais apoio.
— Vamos cara, empurre comigo - ele disse — Faça força.
Ela não gostou do modo como ele falou, achou-o mandão.
— Vamos, rapaz. Não seja mole – rosnou — O carro não vai sair sozinho. Força!
Margô pisou no acelerador e os pneus giraram rápido deslizando na neve que agora virava uma papa de lama com o atrito das rodas. Ela tentou, estava fazendo força, o máximo que podia, mas o carro era pesado e grande demais.
O homem rosnou de novo, forçando o carro para a frente.
Beatriz queria ir embora, mas não ia desistir agora. Ela pisou forte e apoiou as botas melhor, pegando um apoio a mais e encostou o peito na traseira do carro, empurrando de novo.
Ambos fizeram um esforço grande em conjunto. O carro balançou de um lado para outro, começando a deslizar para fora da lateral e finalmente se mexeu.
— Vamos... Isso... Está indo... - fez força — De novo... Está saindo... Empurre.
O carro era um Mercedez. Com Margô acelerando e os dois forçando juntos, o sedã deslizou um pouco mais e como era um carro potente as rodas giraram rápido, saindo do atoleiro.
Com isso a neve foi jogada para todos os lados, se espalhando por eles. Sujou as calças e sapatos dos dois. Pelo menos saiu do canto cheio de neve e continuou um pouco mais adiante e parou.
Gustavo bateu os pés olhando com uma careta para os sapatos. Beatriz recebeu neve até no rosto e cuspiu, limpando o queixo e batendo na roupa para cair a sujeira mais grossa.Gustavo bateu a mão pelo sobretudo buscando a carteira para dar um agrado de ajuda ao rapaz pelo esforço.— Não é necessário pagar nada, Gustavo – a voz feminina veio de dentro do carro — Valeu pela ajuda. Agradecemos, mas temos que ir . Vamos Gustavo. Boa noite.Beatriz suspirou. Já tinha ideia de quem seria.A voz fina e melosa era fácil de reconhecer. Pertencia a Margô Fontenele. A riquinha esnobe e mimada. É claro que seria ela.
Poderia até dizer que isso era uma piada de mau gosto.E é claro que isso só poderia acontecer com ela. Quando contasse aos irmãos com certeza iriam rir e depois reclamar por ela não ter pedido ajuda em troca.Até que ela era uma pessoa positiva, apesar de tudo o que já tinha passado na vida, mesmo jovem como era. Só que de vez em quando ficava desanimada com a demora em algumas coisas para aconter.Estava acostumada a esperar o momento de cada coisa acontecer, mas isso não queria dizer que ficava tranquila sempre. Já tinha imaginado tantas coisas boas para ela e os irmãos, mas elas aconteciam devagar e nem sempre da mesma forma como planejara.Mas continuava positiva. F
Não era de todo mentira, porém não era de todo verdade. Estava mesmo cansado e querendo deitar, mas era só uma horinha de diferença. Isso não o afetava em nada. Só queria descansar os ouvidos da baboseira dela e tomar seus remédios.— Poxa, que pena - inclinou a cabeça. — Gostaria tanto de continuar nosso papo. você promete que continuamos nossa conversa um outro dia? Pode ser amanhã, o que acha?— Claro, podemos sim, mas não amanhã - mexeu a cabeça como se concordasse. Só que não."Sai logo desse carro, porra, que saco”.Ela ainda tentava mais uma vez o convencer a sair e ficar c
Ele até admitia que estava insuportável, mas a dor no corpo, o incômodo de ter que usar aquela cadeira de rodas e a quantidade de remédios lhe dava uma sensação desagradável de vida perdida. De não ter ninguém de verdade ao seu lado.Foi a primeira vez que ele sentiu solidão de verdade e entendeu o quanto isso é desagradável e machuca. Descobrir que não tinha pessoas que o queriam de verdade por quem ele era e não pelo que representava, era muito difícil e entendeu que uma mudança seria necessária. Ele não confiava nas pessoas, nunca confiou na verdade, mas ver que elas não se importavam com ele por nada, foi dolorido.Apesar de um pouco chato ás vezes, mand&
Deixou com uma excelente imobiliária a responsabilidade de vender seus terrenos e também ficou com apenas três carros. A Mercedez, um Porsche e a Ferrari preta que era sua favorita. Para coisas mais pesadas, ficou com uma pick-up. Não iria precisar dos outros.E a bem da vontade, pouco os usava por causa de seu tempo que era mais dedicado ao trabalho. Outras pessoas iriam aproveitar mais.Se ele queria mudar de vida, então a maioria das coisas que ele tinha antes, quando pensava diferente, não seriam mais necessárias e também não as daria de mão beijada a ninguém. Não tinha sido fácil conseguir o que juntou durante os anos. Nada na sua vida tinha vindo com facilidade. Não seria tonto ou hipócr
Em pesquisas quando estava deitado na cama do hospital, ele tinha visto em uma revista uma propaganda sobre um local pitoresco que estava sendo muito falado por causa da época de Natal que se aproximava. Depois viu uma reportagem em um jornal da noite sobre o mesmo lugar, mostrando a decoração da cidade que tinha sido feita em sua maioria pelos moradores do lugar.Não era ligado em datas festivas, mas ficou interessado ao ver as luzes que piscavam bonitas. E depois buscou na internet mais informações sobre a região e acabou gostando do que viu.Não era uma cidade grande, isso já o interessou. Estava um pouco cansado, mesmo antes do acidente, de tantas cidades cheias de barulho, gente de um lado para outro, a falta de educação e tudo mais dos grandes centros.<
A porta já estava entreaberta e Beatriz bateu de leve.— Oi! Bom dia! – aguardou — Tem alguém aqui? Eu vim para fazer a limpeza da cabana.Ela bateu na porta de novo e abriu devagar olhando para dentro. Não houve resposta ao seu chamado. Mas ela tinha que completar o serviço. Olhou na lateral, mas não viu nenhum carro.Então a cabana ainda estava vazia. Talvez o novo inquilino ainda não tivesse feito toda a mudança e ela teria tempo para fazer uma boa limpeza antes que chegasse.Entrou pela cozinha e viu que algumas caixas estavam em um canto perto de um aquecedor, um casaco estava pendurado atrás da porta, duas malas em cima do tapete e umas
Pediu conselho a pessoas mais velhas e lhe disseram como agir. Ela compareceu junto com os irmãos para falar com a juíza, que foi compreensiva e lhe deu uma chance de provar que poderia cuidar de si mesma e dos irmãos.Eles ficaram sob observação durante um ano e ela correu para se ajustar á nova situação. Tudo o que não podia aceitar era que a afastassem de seus irmãos. E de tempos em tempos aparecia algum oficial enviado pela juíza para verificar como as coisas estavam indo. Ela conseguiu algumas casas e comércios para limpar e assumiu o papel de sua mãe dentro e fora de casa. As pessoas a ajudavam. Nunca mentiu sobre sua situação e explicava o motivo de precisar da faxina. Por sorte muitos ajudavam. Era uma troca.
Último capítulo