Não era de todo mentira, porém não era de todo verdade. Estava mesmo cansado e querendo deitar, mas era só uma horinha de diferença. Isso não o afetava em nada. Só queria descansar os ouvidos da baboseira dela e tomar seus remédios.
— Poxa, que pena - inclinou a cabeça. — Gostaria tanto de continuar nosso papo. você promete que continuamos nossa conversa um outro dia? Pode ser amanhã, o que acha?
— Claro, podemos sim, mas não amanhã - mexeu a cabeça como se concordasse. Só que não.
"Sai logo desse carro, porra, que saco”.
Ela ainda tentava mais uma vez o convencer a sair e ficar com ela em casa. Seus pais não estavam e para ela isso é uma vantagem, mas não seria ideal que ficasse com ela sozinho.
Ela demorou a se tocar que ele não iria ficar para lhe fazer companhia. Se esticou e lhe deu um beijo no rosto, mais demorado do que deveria e abriu a porta do carro devagar, esperando que ele mudasse de ideia. O que não aconteceu.
Uma coisa que não estava mais áquela hora da noite, era com humor para flertes infantis como ela queria. Ainda mais depois de passar por um atoleiro que só fez aumentar seu desconforto.
Na verdade, agora estava de péssimo humor depois de descobrir que tratara uma mulher com desconsideração e falta de educação.
Dava graças a Deus por seu hotel ficar próximo dali. Logo estaria em uma banheira cheia de água quentinha para se aliviar.
— Tem certeza de que não quer entrar? - perguntou de novo — Lá dentro é mais quentinho.
— Tenho certeza disso - deu um meio sorriso — Mas eu realmente preciso descansar.
Antes que ela continuasse, ele moveu o carro e ela teve que se afastar. Saiu pensando no motivo de sua dor agora. Seu acidente na Austrália, que o deixou assim.
E desde então ele ficava a maior parte do tempo de mau humor, o que não era bom. Para ninguém.
Foi dirigindo com mais cuidado agora e recordando o dia do acidente. Recordou o momento exato em que o outro carro atingiu o seu com força e o jogou para o lado, deslizando pela ribanceira até parar lá embaixo, perto do rio.
O motorista estava pra lá de bêbado e pelo jeito também estava sob efeito de drogas pesadas. Andava em alta velocidade e costurando a pista, fazendo com que outros carros procurassem se afastar.
Ele não teve tanta sorte. Estava falando ao celular no instante em que o carro surgiu saindo de trás de um ônibus, tentando ultrapassar sem se importar que o local não era permitido e não o viu, a não ser quando foi tarde demais e foi atingido em cheio.
O acidente foi muito grave. Apesar de alguns carros parare para ajudar, teve que esperar mais de uma hora até o socorro especializado chegar. Quando os bombeiros chegaram ao local, tiveram que cortar a lataria de seu Mercedes preto para retirá-lo de dentro.
Estava muito ferido e tinha perdido sangue.
Seu lado direito foi o que mais sofreu com o impacto. Sua cabeça bateu com força e a perna direita quebrou em três lugares. Seu quadril ficou bem machucado também, o que depois lhe causou uma mancadura. O vidro da janela partiu com o impacto enquanto o carro girava ladeira abaixo, batendo em pedras, partes de árvores e parou bem próximo ao rio que corria mais abaixo.
Foi quase um milagre que ele não tivesse morrido. a sorte maior foi estar usando cinto de segurança ou teria sido jogado para fora do carro.
Ele nem teve tempo de desviar do carro que vinha em cima do seu. Quando percebeu foi tarde demais. Jogou o celular de lado e segurou o volante com as duas mãos, puxando de lado, mas foi atingido e seu carro foi caindo rodopiando.
Os paramédicos o ajudaram muito. Os bombeiros cortaram a parte do carro onde sua perna havia ficado presa para liberar seu corpo e ouviram o grito de dor que ele soltou.
Uma parte da lataria tinha penetrado sua carne e atravessado para o outro lado. Sua cabeça também tinha sido atingida e havia um corte grande que começava na lateral de sua testa e descia até quase seu peito e também pelo ombro, por trás.
Ele nem mesmo soube como isso aconteceu. Enquanto girava sem controle, sua cabeça ficou tonta com as pancadas e sentiu o gosto ruim de sangue quando foi atingido mais forte.
A cicatriz era grande e feia. Uma lembrança daquele dia horrível que mudou sua vida. A partir do momento em que acordou no quarto do hospital depois da primeira cirurgia, sabia que teria que mudar algo em sua vida, talvez até mais do que pensava.
Tinha sido uma viagem de negócios como tantas outras que já tinha feito antes, nada fora do normal. Ele dirigia em direção a uma propriedade que sua empresa havia adquirido quando o acidente ocorreu.
Ele tinha saído de Darwin, uma cidade muito boa para morar para pessoas que curtem tranquilidade. É um local rústico e apesar de ser litorânea, está localizada no outback, uma região desértica do interior australiano.
A natureza do lugar é mais selvagem. Um dos sócios da empresa achou uma boa ideia investir na região e ele estava indo exatamente para conhecer e saber mais do lugar.
Não chegou até a propriedade, não houve tempo. A pancada foi forte demais. Por sorte, apesar da demora em chegar a ajuda, ele foi transportado de helicóptero para um dos melhores hospitais da região, onde ficou internado.
Passou por uma cirurgia logo que deu entrada e ficou no hospital por duas semanas. Depois foi transferido para um hospital em Canberra, onde ficou por mais dois meses.
Achou que por estar em um outro país, os colegas e sócios não tinham ido visitá-lo por isso, mas depois entendeu que não. A verdade cruel é que ninguém e importava de fato com ele.
Recebeu algumas chamadas, cartões e mensagens de melhoras, mas ninguém apareceu. E não tinha parentes.
Odiava hospitais e ficar preso em uma cama por não poder se movimentar era ainda pior. Ficou impaciente e começou a repensar a vida.
Quando voltou para casa recebeu algumas visitas de médicos que cuidavam de seu tratamento após as cirurgias e por conta dos exercícios de fisioterapia que precisava fazer.
Aí sim alguns dos sócios apareceram para ver como estava, mas sempre com algum papel ou pasta na mão para que assinasse algum documento de trabalho.
Não era apenas por ele. Tudo o que ele representava em suas vidas eram números, só isso. No fundo não eram seus amigos, eram interesses, nada mais.
Como muitas coisas precisavam de assiantuas suas, eles apareciam, disfarçando sua pressa e enrolavam um pouco antes de irem embora carregando a assinatura.
Fora isso não apareceu mais ninguém, nenhum amigo, nenhuma de suas amantes, nem mesmo um vizinho. Foi uma constatação triste e pesada de que precisava mudar sua vida e depressa.
Não foi fácil compreender essa verdade e começou a ficar ressentido com as pessoas, mas ele era o maior culpado por essa atitude.
Quando teve que usar uma cadeira de rodas durante um tempo, se sentiu um inútil durante os seis meses após sair do hospital e seu humor só piorava.
Começou a perceber que seus empregados em casa o evitavam com medo de suas respostas e de seu humor pesado.
Ele até admitia que estava insuportável, mas a dor no corpo, o incômodo de ter que usar aquela cadeira de rodas e a quantidade de remédios lhe dava uma sensação desagradável de vida perdida. De não ter ninguém de verdade ao seu lado.Foi a primeira vez que ele sentiu solidão de verdade e entendeu o quanto isso é desagradável e machuca. Descobrir que não tinha pessoas que o queriam de verdade por quem ele era e não pelo que representava, era muito difícil e entendeu que uma mudança seria necessária. Ele não confiava nas pessoas, nunca confiou na verdade, mas ver que elas não se importavam com ele por nada, foi dolorido.Apesar de um pouco chato ás vezes, mand&
Deixou com uma excelente imobiliária a responsabilidade de vender seus terrenos e também ficou com apenas três carros. A Mercedez, um Porsche e a Ferrari preta que era sua favorita. Para coisas mais pesadas, ficou com uma pick-up. Não iria precisar dos outros.E a bem da vontade, pouco os usava por causa de seu tempo que era mais dedicado ao trabalho. Outras pessoas iriam aproveitar mais.Se ele queria mudar de vida, então a maioria das coisas que ele tinha antes, quando pensava diferente, não seriam mais necessárias e também não as daria de mão beijada a ninguém. Não tinha sido fácil conseguir o que juntou durante os anos. Nada na sua vida tinha vindo com facilidade. Não seria tonto ou hipócr
Em pesquisas quando estava deitado na cama do hospital, ele tinha visto em uma revista uma propaganda sobre um local pitoresco que estava sendo muito falado por causa da época de Natal que se aproximava. Depois viu uma reportagem em um jornal da noite sobre o mesmo lugar, mostrando a decoração da cidade que tinha sido feita em sua maioria pelos moradores do lugar.Não era ligado em datas festivas, mas ficou interessado ao ver as luzes que piscavam bonitas. E depois buscou na internet mais informações sobre a região e acabou gostando do que viu.Não era uma cidade grande, isso já o interessou. Estava um pouco cansado, mesmo antes do acidente, de tantas cidades cheias de barulho, gente de um lado para outro, a falta de educação e tudo mais dos grandes centros.<
A porta já estava entreaberta e Beatriz bateu de leve.— Oi! Bom dia! – aguardou — Tem alguém aqui? Eu vim para fazer a limpeza da cabana.Ela bateu na porta de novo e abriu devagar olhando para dentro. Não houve resposta ao seu chamado. Mas ela tinha que completar o serviço. Olhou na lateral, mas não viu nenhum carro.Então a cabana ainda estava vazia. Talvez o novo inquilino ainda não tivesse feito toda a mudança e ela teria tempo para fazer uma boa limpeza antes que chegasse.Entrou pela cozinha e viu que algumas caixas estavam em um canto perto de um aquecedor, um casaco estava pendurado atrás da porta, duas malas em cima do tapete e umas
Pediu conselho a pessoas mais velhas e lhe disseram como agir. Ela compareceu junto com os irmãos para falar com a juíza, que foi compreensiva e lhe deu uma chance de provar que poderia cuidar de si mesma e dos irmãos.Eles ficaram sob observação durante um ano e ela correu para se ajustar á nova situação. Tudo o que não podia aceitar era que a afastassem de seus irmãos. E de tempos em tempos aparecia algum oficial enviado pela juíza para verificar como as coisas estavam indo. Ela conseguiu algumas casas e comércios para limpar e assumiu o papel de sua mãe dentro e fora de casa. As pessoas a ajudavam. Nunca mentiu sobre sua situação e explicava o motivo de precisar da faxina. Por sorte muitos ajudavam. Era uma troca.
Sentiu algo ao tocar sua pele. Observou como era bonita.O cabelo foi o que logo chamou sua atenção. Era de um castanho forte, escuro e deixava alguns fios escaparem da longa trança que o prendia. Era bem longo.Os olhos castanhos estavam arregalados e expressavam surpresa e raiva. A boca bem feita e bicuda era de um vermelho natural, ela não estava usando batom. Era magra, parecia frágil também. Tinha a cintura fina e pernas compridas, mas não era muito alta. A cabeça dela só chegava até seu ombro. Tinha que erguer o rosto para olhar para ele.Ele gostou de suas curvas, pelo menos o que dava para ver naquela roupa sem graça. E era bem feminina, mesmo com aquela cara de
E o olhar dela lhe mostrava isso. Estava assustada.“Porra! Dessa vez exagerei.”— Eu... Foi mal, eu sinto muito... De verdade.Ele se aproximou dela e esticou a mão, mas quando ela não a segurou, viu que tinha mesmo passado do limite e nem ele entendia porque tinha agido assim.Criou coragem e pegou sua mão, mesmo com receio de levar outra bofetada. A puxou e devagar ela deixou que ele a abraçasse e ficou quieta enquanto ele alisava seus cabelos.Beatriz nem se lembrava da última vez que tinha sido abraçada e confortada. A não ser por seus irmãos.
Beatriz ainda estava um pouco nervosa quando entrou na rua de sua casa. Ela saiu rápido da fazenda, dirigindo quase como uma boneca, dura e travada no banco.Sua cabeça cheia só pensava em chegar logo e se enfiar em casa, onde ficaria mais tranquila e onde poderia se salvar das loucuras do mundo. Ou pelo menos do mais recente maluco que chegara em sua vida.Foi tudo tão inesperado e aconteceu tão rápido e estranho que ela precisava ficar quieta em seu cantinho, em seu quarto, para analisar e pensar direito no que tinha acontecido. O homem era fora da casinha com certeza.Tinha um modo muito impulsivo de agir e parecia achar que estava sempre certo.Ela estava mais confusa com sua