Poderia até dizer que isso era uma piada de mau gosto.
E é claro que isso só poderia acontecer com ela. Quando contasse aos irmãos com certeza iriam rir e depois reclamar por ela não ter pedido ajuda em troca.
Até que ela era uma pessoa positiva, apesar de tudo o que já tinha passado na vida, mesmo jovem como era. Só que de vez em quando ficava desanimada com a demora em algumas coisas para aconter.
Estava acostumada a esperar o momento de cada coisa acontecer, mas isso não queria dizer que ficava tranquila sempre. Já tinha imaginado tantas coisas boas para ela e os irmãos, mas elas aconteciam devagar e nem sempre da mesma forma como planejara.
Mas continuava positiva. Fazer o que?
Quando era mais jovem, até tinha muitos sonhos, mas muitos foram ficando pelo caminho diante das dificuldades e escolhas que precisava fazer. Chegava a sonhar acordada com coisas que queria realizar e ter, mas com o tempo e com as obrigações exigindo muito, isso foi ficando sempre para depois e algumas foram ficando esquecidas.
De vez em quando ela ainda tinha algum tipo de desejo ou sonho para realizar e se fosse com calma, acabava conseguindo o que ajudava a amenizar um pouco a dificuldade da vida.
Não podia reclamar de seu último ano. Tinha sido muito bom com relação ao trabalho e também em casa. Tinha aprendido a ser paciente com a vida e com os rumos que ela criava.
Gostava de ficar atenta ao que ocorria em volta para não perder uma boa oportunidade quando ela aparecia e sempre dizia o mesmo aos irmãos.
O vento soprou mais forte e ela se arrepiou de frio. Suspirando ajeitou o capuz sobre a cabeça e cruzou os braços para se esquentar e continuou seu caminho solitário até chegar em casa, apressando o passo.
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Gustavo deu uma olhada na garota ao seu lado. Balançou a cabeça ao ouvir sua conversa boba que não mudou desde que saíram do atoleiro lá atrás.
Margô era muito bonita, sem dúvida nenhuma e fazia questão de mostrar isso, não só para ele, mas no momento estava sem paciência para flertes e conversas bobinhas de futilidades. Ainda mais depois de ter que fazer um esforço pesado pra retirar o carro do atoleiro de neve.
Suas costas doíam mais agora e o estavam matando. Ele queria chegar logo ao hotel para poder tomar seus remédios e um bom banho quente para ajudar a relaxar e deitar em sua cama. Queria dormir o resto da noite e não ficar ouvindo bobagens sobre artistas e fofocas sobre os moradores da cidade.
Ele já estava saindo quando ela chegou apressada ao seu lado e lhe pediu que a levasse em casa.
Tudo o que queria era voltar para o hotel e descansar, mas não queria ser mal educado e depois da conversa melosa dela, ofereceu levá-la, mas não queria perder tempo com sua paquera.
Ele sabia bem o que ela esperava dele, mas não estava ali para isso e nem estava com humor nessa noite.
Quando aceitou o convite dela para sair, não achou que a garota fosse tão fútil e que seus amigos seriam iguais. Logo que a viram com ele já começaram as perguntas bobas.
Ele até aproveitou a festinha para observar as pessoas e conehcer alguns moradores do lugar. Conversou um pouco com eles, perguntando sobre como era morar em torres, seu comércio, o que faziam para movimentar o lugar e outras perguntas básicas para ajudar a decidir se ficaria ou não morando ali por um tempo.
A chance de ir embora surgiu e ele se despediu do grupo que conversava, mas Margô o viu se afastar e foi logo correndo, entrando no carro e fazendo uma cara de menina dengosa. Pediu que a levasse para casa e claro que ele disse que sim.
Desde o dia em que conhecer Margô, ela já tinha começado a dar em cima dele, mas fazia que não entendia. Só que depois de duas semanas na cidade, o flerte dela começava a ficar mais intenso.
Agora ele tinha que se fazer de calmo e educado, deixá-la em casa para só depois poder voltar para o conforto de seu quarto de hotel.
Nem sempre ser gentil é bom, muitas vezes é um saco. Como no caso agora. Lembrou-se do rapaz lá atrás que o ajudou e de que nem mesmo tinha lhe dado um obrigado, nem perguntou se precisava de algo.
De repente estava por ali pelo mesmo motivo que ele. Foi um relaxado, deveria ter perguntado.
— Você conhece aquele rapaz lá atrás?
— Que rapaz? – ela riu franzindo a testa — Ah, você quer dizer a garota. O nome dela é Beatriz – abanou a mão.
— Era uma garota? — olhou admirado.
Ela começou a rir e bateu as mãos.
— Meu Deus, não acredito nisso, que divertido. Você não viu que era uma mulher? Achou que era um homem? - cobriu a boca com a mão _ Ah, essa eu tenho que contar ao pessoal assim que chegar em casa — riu mais — Vai ser a nova piada interna. Eles vão rir muito comigo.
— É sério isso? – ele balançou a cabeça — Eu não olhei direito. Estava um pouco escuro no local. Só queria sair dali logo.
“Ótimo, tinha sido um babaca completo”.
Ouvir isso só fez sua cabeça começar a doer e sua perna direita a ficar dormente. Detestava sentir dor. Esfregou a perna com força para a circulação retornar ao normal.
Assim que chegasse ao hotel iria tomar logo seu remédio.
Queria muito se ver livre de Margô. A pressa tinha sido sua inimiga mais uma vez. Se tivesse tido a calma de falar com a pessoa que o ajudou, saberia que se tratava de uma mulher.
Já tinham se passado nove meses desde que sofrera o acidente e ainda sentia no corpo as consequências disso. O que mais o incomodava era a dor na perna e nas costas. De vez em quando sua cabeça, mas só quando se sentia frustrado, como agora.
Sabia que o clima em Torres seria frio, mas não pensou que teria tanta neve. Quando procurou saber, as fotos mostravam ruas com neve baixa. Esse frio contribuía para sentir dores.
Ele tinha alguns pinos e parafusos em sua perna e nesse tempo parecia que gelava de dentro para fora.
Na tarde anterior sua perna tinha começado a incomodar e á noite as costas deram uma fisgada de leve. Ele tinha até tido cuidado de não se abaixar de mau jeito para não estirar os músculos.
Olhando sua imagem no espelho retrovisor viu que parecia estranho, talvez até um pouco assustador. Estava todo de preto e com a cicatriz que saía da lateral de sua testa e descia até quase seu peito, se ramificando pelo ombro e costas, ele parecia mais um vampiro do que um homem comum. No mínimo parecia com um bruxo suspeito.
Até que se ele fosse um bruxo ou vampiro seria bom. Isso queria dizer que ele teria vida longa oua té seria imortal.
Sorriu de leve sem que Margô percebesse. Se fosse mesmo um imortal, mandaria todos á merda e viveria do modo que quisesse, sem precisar ter contato com certos tipos de pessoa.
Depois de um tempo enfiado nesse meio dos negócios, se começa a perceber que nem tudo é como parece. Estava cansado da maioria das pessoas.
Ficou aliviado ao ver a casa de Margô se aproximando.
— Pronto, chegamos, está entregue senhora – ele nem desligou o carro porque queria que ela saísse logo.
— Ai, não me chame de senhora - fez uma careta — Parece coisa de velha - jogou o cabelo para trás — Não quer entrar e tomar algo para se aquecer? – de novo ela fez um biquinho que achava ser sexy e piscou — Ainda está cedo.
Ele teve vontade de rir do jeito dela. Margô realmente se achava irresistível.
— Não, obrigado – deu um falso sorriso —Preciso mesmo voltar ao hotel e descansar um pouco. Está mais frio do que pela tarde e ainda não tomei meus medicamentos. E estou cansado da diferença de horários. Sabe que eu estava em outro país antes de vir para cá.
Não era de todo mentira, porém não era de todo verdade. Estava mesmo cansado e querendo deitar, mas era só uma horinha de diferença. Isso não o afetava em nada. Só queria descansar os ouvidos da baboseira dela e tomar seus remédios.— Poxa, que pena - inclinou a cabeça. — Gostaria tanto de continuar nosso papo. você promete que continuamos nossa conversa um outro dia? Pode ser amanhã, o que acha?— Claro, podemos sim, mas não amanhã - mexeu a cabeça como se concordasse. Só que não."Sai logo desse carro, porra, que saco”.Ela ainda tentava mais uma vez o convencer a sair e ficar c
Ele até admitia que estava insuportável, mas a dor no corpo, o incômodo de ter que usar aquela cadeira de rodas e a quantidade de remédios lhe dava uma sensação desagradável de vida perdida. De não ter ninguém de verdade ao seu lado.Foi a primeira vez que ele sentiu solidão de verdade e entendeu o quanto isso é desagradável e machuca. Descobrir que não tinha pessoas que o queriam de verdade por quem ele era e não pelo que representava, era muito difícil e entendeu que uma mudança seria necessária. Ele não confiava nas pessoas, nunca confiou na verdade, mas ver que elas não se importavam com ele por nada, foi dolorido.Apesar de um pouco chato ás vezes, mand&
Deixou com uma excelente imobiliária a responsabilidade de vender seus terrenos e também ficou com apenas três carros. A Mercedez, um Porsche e a Ferrari preta que era sua favorita. Para coisas mais pesadas, ficou com uma pick-up. Não iria precisar dos outros.E a bem da vontade, pouco os usava por causa de seu tempo que era mais dedicado ao trabalho. Outras pessoas iriam aproveitar mais.Se ele queria mudar de vida, então a maioria das coisas que ele tinha antes, quando pensava diferente, não seriam mais necessárias e também não as daria de mão beijada a ninguém. Não tinha sido fácil conseguir o que juntou durante os anos. Nada na sua vida tinha vindo com facilidade. Não seria tonto ou hipócr
Em pesquisas quando estava deitado na cama do hospital, ele tinha visto em uma revista uma propaganda sobre um local pitoresco que estava sendo muito falado por causa da época de Natal que se aproximava. Depois viu uma reportagem em um jornal da noite sobre o mesmo lugar, mostrando a decoração da cidade que tinha sido feita em sua maioria pelos moradores do lugar.Não era ligado em datas festivas, mas ficou interessado ao ver as luzes que piscavam bonitas. E depois buscou na internet mais informações sobre a região e acabou gostando do que viu.Não era uma cidade grande, isso já o interessou. Estava um pouco cansado, mesmo antes do acidente, de tantas cidades cheias de barulho, gente de um lado para outro, a falta de educação e tudo mais dos grandes centros.<
A porta já estava entreaberta e Beatriz bateu de leve.— Oi! Bom dia! – aguardou — Tem alguém aqui? Eu vim para fazer a limpeza da cabana.Ela bateu na porta de novo e abriu devagar olhando para dentro. Não houve resposta ao seu chamado. Mas ela tinha que completar o serviço. Olhou na lateral, mas não viu nenhum carro.Então a cabana ainda estava vazia. Talvez o novo inquilino ainda não tivesse feito toda a mudança e ela teria tempo para fazer uma boa limpeza antes que chegasse.Entrou pela cozinha e viu que algumas caixas estavam em um canto perto de um aquecedor, um casaco estava pendurado atrás da porta, duas malas em cima do tapete e umas
Pediu conselho a pessoas mais velhas e lhe disseram como agir. Ela compareceu junto com os irmãos para falar com a juíza, que foi compreensiva e lhe deu uma chance de provar que poderia cuidar de si mesma e dos irmãos.Eles ficaram sob observação durante um ano e ela correu para se ajustar á nova situação. Tudo o que não podia aceitar era que a afastassem de seus irmãos. E de tempos em tempos aparecia algum oficial enviado pela juíza para verificar como as coisas estavam indo. Ela conseguiu algumas casas e comércios para limpar e assumiu o papel de sua mãe dentro e fora de casa. As pessoas a ajudavam. Nunca mentiu sobre sua situação e explicava o motivo de precisar da faxina. Por sorte muitos ajudavam. Era uma troca.
Sentiu algo ao tocar sua pele. Observou como era bonita.O cabelo foi o que logo chamou sua atenção. Era de um castanho forte, escuro e deixava alguns fios escaparem da longa trança que o prendia. Era bem longo.Os olhos castanhos estavam arregalados e expressavam surpresa e raiva. A boca bem feita e bicuda era de um vermelho natural, ela não estava usando batom. Era magra, parecia frágil também. Tinha a cintura fina e pernas compridas, mas não era muito alta. A cabeça dela só chegava até seu ombro. Tinha que erguer o rosto para olhar para ele.Ele gostou de suas curvas, pelo menos o que dava para ver naquela roupa sem graça. E era bem feminina, mesmo com aquela cara de
E o olhar dela lhe mostrava isso. Estava assustada.“Porra! Dessa vez exagerei.”— Eu... Foi mal, eu sinto muito... De verdade.Ele se aproximou dela e esticou a mão, mas quando ela não a segurou, viu que tinha mesmo passado do limite e nem ele entendia porque tinha agido assim.Criou coragem e pegou sua mão, mesmo com receio de levar outra bofetada. A puxou e devagar ela deixou que ele a abraçasse e ficou quieta enquanto ele alisava seus cabelos.Beatriz nem se lembrava da última vez que tinha sido abraçada e confortada. A não ser por seus irmãos.