POV EnricaO caminho entre as árvores se estreitou conforme Alicia nos guiava e o ar parecia cada vez mais denso. O chalé surgiu entre a neblina fina como um fantasma do passado — pequeno, de madeira envelhecida, com trepadeiras subindo pelas laterais. Assim que o vi, meu peito apertou. Aquela casa… eu já havia estado ali. Quando criança. Nos braços da velha bruxa que me salvou da morte.Entrei com Oliver ainda escorado em mim. Cada passo parecia mais difícil, o corpo dele pendendo como se os ossos tivessem sido drenados. Alicia abriu a porta e correu para ajeitar um espaço na mesa rústica do centro do cômodo.— Coloque-o aqui — ela indicou, puxando um cobertor velho.Deitei Oliver com cuidado, observando seu rosto pálido e a respiração rasa. Alicia se moveu com agilidade, pegando potes de vidro, ervas e bandagens.— Os ferimentos são profundos, mas não fatais. Se cuidarmos a tempo… — ela não completou.Mesmo desconfiada, me aproximei. Peguei o pano limpo que ela me ofereceu e ajudei a
POV Enrica— O que tem meu pai? — perguntei, a voz tensa.— A minha avó me contou que ele era um atravessador, Enrica. — Alicia me encarou com cuidado. — Ele traficava draxa. Provavelmente para proteger você… escondendo o seu cheiro, desviando a atenção.Neguei com a cabeça, sentindo o mundo girar ao meu redor.— Não… meu pai… ele nunca faria isso…— Talvez sua mãe também não soubesse. — Ela hesitou por um segundo, os olhos fixos no ponto onde sua agulha perfurava a carne de Oliver, como se aquilo a ajudasse a se concentrar. — Ou talvez ela soubesse e não pudesse aceitar. Mas a verdade é que ele estava envolvido com gente perigosa.As peças começaram a se encaixar de forma doentia. As discussões abafadas pela casa. Os sussurros. O medo no olhar da minha mãe quando o nome de certos homens era mencionado. As ausências longas do meu pai. As desculpas esfarrapadas.Levei a mão à testa, tentando afastar aquela nova dor.— Por que ninguém nunca me contou isso? — sussurrei.— Porque você era
POV Enrica— Eu preciso da draxina — falei, finalmente, depois que o silêncio nos envolveu de novo. — Preciso reforçar meu colar. Não tenho mais muito tempo.Alicia me encarou com gravidade.— A draxina não é fácil de manipular. É perigosa, venenosa. Só pessoas autorizadas podem usá-la… porque uma dose errada pode matar até um alfa em minutos.Meu peito apertou. Eu sabia que estava ficando sem alternativas.— Então o que eu faço?— Posso tentar usar a draxa. — disse, pensativa. — Não tem o mesmo efeito duradouro, mas vai ajudar… por algum tempo.A draxa era instável, era ilegal. Se descobrirem que eu usava, estaria condenada. Mas era tudo o que eu tinha.— Quanto tempo ela dura?— Manipulada do jeito incorreto? Dias, talvez uma semana. Mas quando começar a perder o efeito… seu cheiro virá à tona com mais força do que nunca. Porque a draxa não suprime… ela mascara. E quando se desfaz, os feromônios se libertam com mais intensidade.— Vai ser a primeira vez que reforço o colar desde que
POV Enrica— Talvez eu possa ajudar. Quero dizer, conheço alguém que sabe mais do que parece e pode conhecer algo sobre linhagens raras ou o que quer que vocês sejam.Alicia e eu o observamos em silêncio.— Você sabe quem é, ômega — ele disse olhando diretamente para mim.Deve ser o beta que estava com ele em frente a minha cabana.— O que você quer em troca? — perguntei, estreitando os olhos. — Ninguém oferece ajuda de graça.Oliver suspirou e seus olhos encontraram os meus, sérios, mas não agressivos.— Que aquele amigo idiota seja feliz.Franzi o cenho sem entender.— Isso não responde minha pergunta.— E o que você pode me oferecer, ômega? — ele perguntou, a voz quase desdenhosa.Algo estalou dentro de mim. O sangue ferveu.— Você realmente quer descobrir o que acontece quando subestima alguém como eu? — rosnei, dando um passo à frente, a raiva queimando em cada palavra. — Porque se tudo que você vê quando olha pra mim é uma maldita “ômega”, então você é tão cego quanto o resto del
POV EnricaAlicia caminhou até a outra ponta do cômodo e recolheu algumas ervas e frascos.— Vou começar a reforçar seu colar — falou, observando Oliver afundar nas almofadas. — Ainda me intriga como um lobo comum reagiu tanto ao seu cheiro.— Ele era um lobisomem, Alicia. Na verdade, um shifter… — retruquei, franzindo o cenho. Nem eu mesma acreditava nisso. Shifter não existiam no nosso mundo.O olhar dela se estreitou.— Está me dizendo que ele é um lobisomem que se transforma em lobo? Um lobo comum? — Ela estava exageradamente surpresa.— Lobo Supremo — corrigiu Oliver, olhando para ela com dureza. — E não andem por aí dizendo isso em voz alta se quiserem manter a cabeça.— O quê?! — exclamamos ao mesmo tempo.Ele apenas fechou os olhos de novo, como se estivesse cansado do nosso atraso em entender.— Isso… é realmente possível? — Você viu, não viu? — Oliver respondeu ainda de olhos fechados.— Vi a transformação. Mas não sei quem ele é...— Ainda. O baile servirá para isso, não?—
POV EnricaAlicia subiu correndo as escadas para preparar sua bolsa. No meio do caminho, esbarrou em Oliver.— Ai, preste atenção por onde anda! — ele reclamou, fazendo uma careta de dor.— Você que estava plantado no meio — retrucou Alicia, empurrando-o com o ombro enquanto passava.— O que foi isso? — perguntou ele, arqueando a sobrancelha para mim e voltando seu olhar para o andar de cima.— Ela vai com a gente — respondi.Oliver não pareceu nem um pouco satisfeito com a notícia, mas não disse nada.Os curativos de Oliver foram reforçados e logo estávamos prontos para partir. Mas Alicia surgiu com uma mochila e duas bolsas pesadas. Oliver tentou ignorar, mas acabou tomando delas com um resmungo.Na verdade, Oliver queria deixá-las no chalé, mas ela reclamou tanto e ameaçou deixá-lo sangrar no meio do caminho que ele simplesmente desistiu.— Conheço um caminho mais rápido — disse Alicia, ao ajustarmos o passo. — Mas é mais perigoso. É uma trilha que mercenários e bandidos costumam us
POV EnricaAo chegarmos, empurrei a porta com o ombro e indiquei o interior.— Pode ficar à vontade. Não é grande coisa, mas é segura. Dá pra improvisar uma cama ali perto da lareira, se você quiser.— Já parece mais confortável que qualquer pousada onde fiquei — disse Alicia, sorrindo enquanto se acomodava.Fui até a mesa e abri o pacote que Samuel havia me entregado. Dentro, encontrei uma máscara delicada, branca, com orelhas de coelho levemente alongadas e detalhes prateados bordando o contorno dos olhos. Era linda. Assustadoramente linda.Minha mão tremia levemente ao tocá-la. Um nó apertava minha garganta.— Respira — disse Alicia atrás de mim. — Vai dar tudo certo.Respirei fundo e sorri. Alicia perguntou onde era o banheiro e indiquei a ela, dizendo que iria preparar algo para comermos. A viagem de volta foi cansativa. Precisava recarregar as energias para o baile.O tempo parecia correr mais rápido conforme o sol descia no horizonte. A cada batida do meu coração, o nervosismo c
POV Enrica— Eu sei que tudo isso é demais — Samuel começou, mantendo o tom calmo enquanto me guiava com discrição entre os convidados. — Oliver já me contou o essencial sobre o que aconteceu. Não precisa se assustar.Um arrepio percorreu minha espinha.— Ele contou?— Sim, mas com o cuidado necessário. Ninguém além de nós sabe, e já pensamos em contramedidas caso algo saia do controle — garantiu ele, firme. — Você está segura conosco.Fiquei em silêncio, a tensão ainda presente, mas começando a ceder.— Oliver pode parecer um idiota às vezes — ele continuou, com um pequeno sorriso de lado — mas é absurdamente responsável quando se trata de proteger alguém. Especialmente quando envolve o Caleb.Um calor estranho percorreu meu estômago ao ouvir aquele nome. Samuel prosseguiu:— Depois do baile, pretendo visitá-la. Quero levar alguns livros da biblioteca da minha família. Tenho quase certeza de que há registros sobre linhagens extintas… ou pelo menos, algo próximo. Talvez ajude a entende