POV ENRICAPassaram-se dias desde que encontramos o livro escondido. E apesar de todo nosso esforço, não conseguimos avançar muito mais do que aquelas páginas já diziam. Por mais que revirássemos registros antigos, genealogias confusas e mitologias entrelaçadas com realidade, tudo parecia… inconclusivo. Como se sempre faltasse uma peça para completar o quebra-cabeça.A biblioteca, que antes parecia um refúgio, começava a pesar. As paredes altas, repletas de conhecimento, agora soavam como um labirinto que não queria nos deixar sair. Alicia estava especialmente frustrada. Seus dedos folheavam os livros com agressividade crescente. O olhar, cada vez mais sombrio.— Isso aqui não leva a lugar nenhum — ela murmurou, empurrando um tomo grosso de lado.— Alicia… — tentei, mas ela me interrompeu com um gesto.— E se minha avó… e se ela estava envolvida com tudo isso? — a voz dela quebrou, embargada. — Com os laboratórios. Com os desaparecimentos. Com os testes. E meu irmão…Ela baixou a cabe
POV ENRICAEu não podia me perder nos meus próprios sentimentos. Não quando Alicia precisava de mim também. Então tentei sorrir e estar presente para ela. Caminhei para me aproximar dela quando uma tontura me pegou desprevenida.Apoiei as mãos na mesa, respirando fundo.— Enrica? — Alicia me olhou, preocupada. — Você tá bem?— Tô… só… talvez um pouco de fome. — Sorri, tentando disfarçar. — Nada demais.— Você vem dizendo isso há dias — ela rebateu, se levantando. — Eu vou pedir algo. Também tô faminta.Assenti, mas antes que ela desse um passo em direção à porta, uma das criadas entrou com uma reverência apressada.— Senhoritas… o senhor Oliver pediu que eu as levasse até ele. Ele as espera no jardim interno. — A moça sorriu com suavidade. — Está tudo pronto.— Tão rápido? — Alicia me lançou um olhar como quem dizia “lá vamos nós” e eu apenas sorri de volta, tentando afastar a estranha sensação que crescia no fundo do estômago.Seguimos a criada pelos corredores até um dos setores mai
POV ENRICAAcordei com a garganta seca, os lençóis ao meu redor embolados e o quarto mergulhado em um silêncio estranho. A luz do sol atravessava as frestas das cortinas pesadas, criando listras douradas no chão de pedra escura. Meus olhos ainda estavam pesados quando virei a cabeça para o lado e vi Alicia.Ela dormia em uma cadeira desconfortável, os joelhos encolhidos, a cabeça pendendo para o lado. A coluna torta denunciava o desconforto, mas o rosto… ela parecia exausta. E mesmo dormindo, não soltava minha mão.Fiz menção de me levantar, devagar, para não acordá-la, mas o leve movimento foi o suficiente para seus olhos azuis se abrirem num estalo.— Enrica? — A voz dela veio rouca, carregada de alívio e preocupação. Ela se endireitou com pressa. — Como você está?— Sede — murmurei. — Nada demais. Só…Antes mesmo que eu terminasse, ela já alcançava uma jarra com água e me servia, segurando o copo com as duas mãos trêmulas.— Aqui. Bebe devagar. — Seus olhos analisavam cada moviment
POV ENRICAAlicia bufou, cruzando os braços com força exagerada.— Isso é um assunto sério, Oliver! Você tem que parar de brincar com tudo.— Eu não tô brincando! — ele rebateu, indignado, erguendo uma sobrancelha como se aquilo fosse a coisa mais absurda que já tinha escutado. — Só tô dizendo o óbvio. Caleb é um maldito furacão quando quer, e agora tem um motivo a mais pra arrastar tudo no caminho. Só quero que vocês estejam preparadas quando ele aparecer aqui sem nem bater na porta.— Então por que você ficou todo irritadinho quando a Enrica desmaiou? — Alicia cutucou, provocativa. — Achei que você fosse desmaiar junto.Oliver arregalou os olhos, ofendido.— Porque eu tava com fome, não é a mesma coisa! — ele rebateu, mas o rubor no rosto o entregava. — E além do mais… — ele lançou um olhar rápido para Alicia, com um meio sorriso torto — você tem moral pra falar? Até hoje não explicou por que recusou meu convite pra jantar outro dia.A fala me pegou de surpresa.— Espera… convite pr
POV ENRICACerta noite, enquanto tomávamos chá no gazebo ao sul do jardim — um dos meus lugares preferidos por causa das lanternas e do cheiro de flores —, Oliver apareceu, claramente agitado.— Alicia — ele chamou, com pressa — preciso de uma das suas poções. Pro Samuel.— O quê? O que houve? — Alicia se levantou num pulo.— Tremores de novo. Suor frio. Ele não quer admitir, mas tá piorando. Um dos meus homens que está com ele na linha de frente me mandou um relatório hoje. Achei que estivesse exagerando… mas agora tenho certeza.— Por que não me chamou antes? — ela já se levantava e eu a segui.Antes que ele pudesse responder, uma voz firme e carregada soou atrás dele:— Porque ele sabia que eu descobriria.A figura imponente do conselheiro Magnus surgiu por entre as sombras, o olhar diretamente sobre nós.— Conselheiro — dissemos, quase em uníssono.Mas seus olhos estavam em mim. Senti meu corpo enrijecer. Não havia raiva naquele olhar… mas havia peso. Julgamento. Como se ele soube
POV ALICIAA dor veio primeiro. Um latejar profundo, insistente, que fazia o mundo girar mesmo com os olhos fechados. Alicia tentou se mover, mas os músculos pareciam feitos de pedra, e a cabeça… parecia prestes a explodir.— Alicia. Alicia, olha pra mim — a voz era familiar, desesperada. Uma das poucas que ela reconheceria mesmo nas profundezas do inferno.Forçou os olhos a se abrirem. Tudo estava embaçado. Luz demais. Sons demais. E então, o rosto dele surgiu. Oliver. A testa suada, os olhos arregalados, o peito subindo e descendo com a respiração descompassada.— Graças à Lua — ele murmurou, segurando a mão dela com firmeza. — Achei que…— O que… — a voz dela saiu rouca, quase sem som. — O que aconteceu?Oliver hesitou por um segundo, como se pesar cada palavra.— O castelo foi atacado. Alguém infiltrado… eles vieram atrás da Enrica. Quando soube, corri pra onde estavam e te encontrei desacordada. Sangue… Alicia, você tava com sangue na cabeça. Eu… eu pensei que fosse tarde demais.
POV ENRICAO vento cortante soprava contra a cabana, uivando como uma entidade raivosa, mas foi outro som que me despertou no meio da noite. Um uivo, longo e carregado de um sofrimento que eu não sabia nomear. Não era apenas um chamado ou um aviso, era um lamento profundo, um grito de dor rasgando a escuridão.Sentei-me na cama, ofegante. Meu coração martelava forte contra o peito, a sensação de inquietação se espalhando por minhas veias como veneno. A lareira ainda crepitava, lançando sombras trêmulas contra as paredes de madeira. Mas o calor não era suficiente para abafar o arrepio que se arrastou pela minha pele.Outro uivo ecoou, mais fraco dessa vez, como se a própria noite estivesse engolindo sua força. Engoli em seco. Algo estava errado.Levantei-me sem hesitação, puxando um casaco grosso e calçando minhas botas. O medo sussurrava para eu ignorar aquele chamado, mas a curiosidade sempre foi um veneno que corriam em minhas veias. E eu precisava ver com meus próprios olhos o que e
POV ENRICAAproveitei o momento para agir. A luz tremulante da lareira iluminava os ferimentos abertos em seu pelo negro, o sangue escorrendo em filetes espessos. Precisava cuidar disso antes que a infecção fizesse seu trabalho.Peguei minha caixa de primeiros socorros, os dedos ágeis trabalhando com a familiaridade de anos lidando com agulhas e tecidos. Não era muito diferente.Ajoelhei-me ao lado dele e passei os dedos com cuidado sobre sua pele quente, identificando as flechas alojadas em seu corpo. Ambas exigiriam precisão para serem removidas sem causar mais danos.Respirei fundo e agarrei a haste da flecha do ombro, sentindo a rigidez da madeira sob meus dedos.— Isso vai doer…Ele dormia, mas sua respiração se alterou quando comecei a puxar. O som da carne se rasgando sob a pressão da retirada me fez prender o ar, mas continuei. Um último puxão, e a flecha deslizou para fora, trazendo consigo um fluxo quente de sangue.Imediatamente pressionei um pano limpo contra o ferimento. O