A Imensidão da Casa

A lista perdida em algum canto precisou ser refeita, o banho em dupla carregou qualquer vestígio de mau humor para o ralo. Tudo estava bem agora, Matheus e Giovanna eram mais uma vez o que costumavam ser: um casal cúmplice e muito apaixonado. Ele estava de pé ao lado de seu carro, pronto para sair. Por mais que precisasse fazer isso, ainda abraçava a noiva pelo pescoço, admirando a bela paisagem do lugar. O rapaz ignorava sua morena tentando se afastar daquele abraço.

— Tá me sufocando. — Ela disse em meio a sorrisos, desistindo por breves segundos de tirar os braços do amado de sobre si. Abraçou forte aquele amor, mostrando o quanto estava feliz por ter de volta quem conhecia.

— Amor saudável não sufoca, protege… — Foi a resposta dele enquanto a libertava após um selar de lábios rápido, mas intenso. Giovanna até mesmo pensou em dizer algumas coisas, fazer alguma piada de humor negro, mas teve certeza de que isso estragaria o momento, então apenas manteve seu sorriso aberto e colocou a lista no bolso de trás do noivo.

— Está se aproveitando do momento? — Ele baixou seus olhos para encará-la firmemente enquanto mostrava um sorriso sacana.

— Estaria se fizesse isso. — A resposta foi rápida e a ação também, ela apertou aquele traseiro, recebendo mais um abraço e o selinho de despedida.

— Preciso ir agora ou só volto de madrugada. — O rapaz se afastou. O céu estava claro, poucas nuvens rechonchudas davam uma ideia de que por longas horas haveria bom tempo, contudo eles esperavam mais uma tempestade no fim da tarde. Apesar de ainda ser por volta das oito da manhã, o calor já era escaldante e ameaçava trazer mais chuva em breve.

— Tente ser rápido. Eu não quero ficar sozinha nesse casarão em meio a uma tempestade. — A expressão da morena mudou, tornando-se pedinte e manhosa, com direito até a um biquinho charmoso. Era pra manter o noivo tranquilo, mas Matheus escondeu seu sorriso, agora se sentindo abater pelos seus próprios medos. A preocupação surgiu instantaneamente, ele não desejava que sua amada experimentasse um terror semelhante à noite passada.  Beijou a testa dela e disse:

— Vou voltar bem rápido e com o vinho, as velas… — Prometeu, disposto a levar para longe qualquer tipo de receio.

— E a pizza… Não esquece da pizza, por favor.  — Ela, que deixara escapar a breve expressão preocupada do outro, pediu com os olhos brilhando, mostrando um sorriso animado e guloso.

— Isso que dá escolher uma mulher preguiçosa e de gosto peculiar… Vinho e pizza? — Disparou ele em um tom divertido. Apesar de suas palavras, não era intenção ofender, sabia do gosto de Giovanna, ela amava as pizzas de sabor portuguesa.

— Você não gosta de cerveja… — A morena rebateu, mudando o foco.

— Tudo bem. Pra hoje pizza, pra amanhã estrogonofe. — E estava decidido, mas a mulher já tinha sua resposta pronta mais uma vez:

— Que você vai fazer!

 — Pois é, não tenho escolha… — Matheus deu de ombros, reconhecendo.

— Pense… Haverão dias que irá precisar cozinhar. Uma das desvantagens de se mudar para o fim do mundo. — Brincou, mas lá no fundo estava pensando que teria que evitar explorar o futuro marido quando a mãe dele estivesse presente. Lucinda exigia que todas suas noras fossem perfeitas - também -  na cozinha, apesar da mulher mesmo só saber fazer um prato: uma macarronada estranha e sem gosto que ela insistia em dizer que era chique.

— Nem só de tranquilidade se vive no campo. E eu ainda vou tentar resolver sobre seu carro. — Matheus envolveu seus braços na cintura da noiva. Atrasava sua saída de forma consciente, ainda sabendo que teria que partir para resolver esses e outros assuntos.

— Tudo bem. Agora vai. — Ela o empurrou, não conseguindo fazer com que a soltasse. Ele sorriu, dizendo em seguida:

— Usa, abusa e depois manda embora...

— Pra voltar com mais saudade…

E mais beijos e um abraço bem apertado. A sessão chamego findou ali. Matheus entrou no carro. Mantinha seu sorriso, optou por ignorar suas preocupações por aquele momento, sequer olhou para casa, seus olhos se fixaram em Giovanna, linda com aquele vestido floral que dava destaque à sua pele parda. Os cabelos estavam soltos e o sorriso permanecia radiante. O rapaz deu partida, guardando a imagem perfeita na memória. O carro seguiu de maneira lenta. No portão, o rapaz deu uma longa buzinada e em poucos segundos a mulher se viu sozinha naquele lugar. 

Giovanna se virou para casa, colocando suas mãos na cintura como se assim a desafiasse, isso porque sabia de tudo o que teria que fazer a partir de então. Apesar disso ela reservou alguns minutos para admirar o imóvel. Sob a luz do dia era possível enxergar com clareza todos os detalhes da mansão. Continuava majestosa, e muito, muito grande, parecendo ainda maior. Giovanna pensou que sequer conseguira explorar o último andar. A morena sentiu o vazio da solidão, ele surgiu de forma repentina e para incomodá-la. Muito do agrado se perdeu. Era estranho estar de frente a algo imenso, a moça sentiu que poderia se perder ali dentro. Sequer sabia o que tinha em mais alguns cômodos do andar de baixo. 

Giovanna se sentiu incomodada por longos segundos, mantendo os olhos sobre a mansão, não tendo respostas para o que acontecia. Não sentiu vontade de entrar e se achou muito besta por isso. Talvez ela estivesse com medo, intimidada por um local de tamanha amplitude. Lembrou-se que logo não estaria sozinha. Seu noivo não retornaria na velocidade da luz, claro! Mas os responsáveis pela mudança estavam chegando, haviam avisado. Talvez Matheus até se encontrasse com eles na precária estrada de terra. A estrada de terra… O coração da morena se apertou ainda mais. Ambos teriam que dirigir por ela quando retomassem suas rotinas de trabalho. Por que haviam mudado para aquela casa mesmo? A resposta tinha nome: Lucinda! Que insistiu horrores.

Por um segundo a morena pensou que não fora uma boa ideia se mudar para um lugar tão remoto. Ela sairia no máximo três vezes por semana para o trabalho, mas Matheus só teria folga nos finais de semana. Giovanna foi golpeada fortemente pela insegurança. Culpou-se, pois tanto já haviam conversado sobre. Mas a casa valeria a pena? Era agitou rapidamente a cabeça, não era hora de pensar nisso, por mais que odiasse mudanças. Logo teria alguém para ajudá-la, sem falar que mostrar a mansão para as amigas seria maravilhoso para seu ego. Uma grande festa naquele lugar iria provocar inveja coletiva. Ela riu ao pensar nisso. E por fim entrou.

Poderia acessar a internet com liberdade? Não! Os técnicos só viriam no dia seguinte. Assistir televisão seria aceitável? Só se ela quisesse morrer de tédio com a TV aberta. Não tinha muito a fazer ali dentro enquanto ainda esperava o caminhão de mudança, por isso decidiu ir até os fundos da casa, aproveitar o sol, o bosque, admirar a piscina. Fez isso. 

A visão da piscina conseguiu afastar qualquer vestígio de pensamento negativo. Aquele lugar enorme poderia facilmente ser comparado à área principal de um clube luxuoso. O destaque estava na piscina, obviamente. Era grande, como tudo na casa. Parecia ser funda, com várias camadas sob a água que mesclava tons de azul. Ainda havia o ofurô posto em um lugar alto, rodeada por pedras lisas de cor branca e opaca. A vontade de aproveitar qualquer um daqueles lugares foi imensa, mas sem roupa adequada a morena preferiu aproveitar a área seca. Tinha vários guarda-sóis brancos, mesinhas de madeira também brancas, vasos de plantas impecavelmente bem cuidadas e tinha também as espreguiçadeiras, todas tentadoras, foram elas que conquistaram a morena.

Giovanna se deitou em uma espreguiçadeira e fechou seus olhos, inspirando profundamente um ar puro que lhe trouxe a sensação de bem estar. O sol não batia diretamente contra seu rosto graças às árvores. Com tanto verde o calor se afastava, dando espaço à um clima ameno. Esse detalhe a animou, fazendo com que pensasse  que ali seria o lugar perfeito para relaxar, ler um livro, bancar a madame

Acima de si estava seu quarto e diante de si aquelas árvores. A partir de então seus pensamentos mudaram mais uma vez. Ela as encarou, relembrando de seu sonho. Já lera tantas histórias sobre pessoas que se suicidaram em árvores como aquelas, com troncos fortes incapazes de quebrar pelo peso. Como estaria uma alma suicida? Ela se lembrou daqueles olhos maníacos que a observaram, a lembrança do sonho se tornou quase vívida, tantos corpos balançando, com cordas no pescoço… Toda sensação agradável que as árvores proporcionavam foi esquecida e Giovanna começou a se sentiu mal naquele lugar. Ela decidiu sair dali. Precisava esquecer aquele sonho estranho, não costumava ficar tanto tempo impressionada com misticismo.

Giovanna cruzou a casa e avistou o enorme caminhão no portão da frente. Sentiu um grande alívio relaxar todos seus músculos. Não estaria mais sozinha. Provavelmente em algum momento se acostumaria com a solidão daquela casa, mas isso ainda demoraria um pouco.

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