Lembro-me com clareza de tudo, eu quem sempre estava atrás de João. Convidando-o para sair, era sempre eu que me oferecia para ajudá-lo com os estudos, tudo era eu, sempre eu. Me lembro que uma vez, ele estava sozinho em uma das mesas do refeitório, estava comendo e eu decidi me aproximar, me matriculei na mesma turma de administração que ele estava.
*****lembrança
“ – OI, João- cumprimentei eufórica. Já faz um tempo que sou apaixonada por ele, mas João nunca me deu muita bola. – Olá – respondeu como sempre. Nem grosseiro e nem amigável, sempre um tom de educação, mas que também não quer prolongar a conversa. Mesmo assim, eu insistia. – Caímos na mesma turma de administração. Que legal. – falei sorridente. – É? Legal! – respondeu e deu um pequeno e forçado sorriso. Ele levantou e saiu sem se despedir. Algumas vezes, cheguei a me questionar se eu realmente era tão bonita como diziam, João parecia não partilhar da mesma opinião. Naquele dia, eu só pude ficar triste, porque horas depois, soube que estava saindo com outra garota.” ***** E então, agora, olhando e ainda ouvindo ao que parecia ser ao longe, risadas vindo do meu quarto, enquanto me afasto lentamente desse ambiente, minha mente parece sofrer investidas de memórias frenéticas da pessoa que João sempre foi. Ele nunca me amou, nunca. Depois que meus pais faleceram, João mudou drasticamente. Uma mudança que eu não soube lidar logo de cara, porque não se parecia em nada com ele. *****Lembrança – anos atrás
Perder seus pais não é algo fácil. Os meus dias se tornaram cinzas, é como se chovesse e o tempo estivesse sempre nublado em minha mente. Nada é o mesmo, meus pais eram como exemplos para mim, exemplos de marido e mulher, exemplos de pais, exemplos de pessoas bondosas, a morte deles também levou uma parte de mim. Uma parte que talvez eu nunca tenha de volta. Eu estava vivendo um turbilhão de coisas, burocracias relacionadas a companhia. Eu não queria falar disso, herança e nem nada do tipo, só queria que meus pais voltassem a viver comigo. – Margarida, eu sinto muito pelo que aconteceu. Parei de andar e olhei para cima. João estava me encarando, havia um buquê de flores discreto em sua mão e ele esteva estendido na minha direção. Franzi a testa, confusa com o gesto. – Obrigada. – falei baixinho. – Saiba que se precisar de alguém, eu ficaria muito feliz em estar do seu lado. Você é importante para mim, minha linda Margarida. – abriu um sorriso e me puxou para um abraço que me pegou de surpresa. Eu estava muito confusa naquele momento, mas aceitei o abraço e me permiti ser cuidada por alguém. Depois desse dia, João passou a me tratar como um perfeito cavalheiro, me ajudou a conviver com a dor de perder meus pais e nos tornamos namorados, algo que eu sempre quis.) Mas agora eu consigo entender que tudo foi apenas uma mentira. Ele nunca me quis de verdade, João só se aproveitou do meu momento frágil e vulnerável e deu o bote, me convencendo a casar com ele. Me lembro perfeitamente do dia. Eu estava visitando o tumulo dos meus pais e passei quase a manhã inteira lá, mas quando voltei para casa, João estava lá, me convidou para jantarmos fora e eu aceitei, estava tentando não pensar na tristeza e no luto. Ele reservou um restaurante só para nós dois e de repente, estava ajoelhado ao meu lado. – Permita-me cuidar de você, querida Margarida, minha linda flor, case-se comigo e me faça o homem mais feliz do mundo, como eu farei de você a mulher mais feliz do mundo. – pediu emocionado. Eu me achava muito nova e aquilo era muito repentino. Mas eu estava sozinha e João provara que ele era o homem certo para mim, cuidadoso e amoroso, sempre colocando meus sentimentos em questão. Foi por isso que eu falei, no automático: – Sim, eu aceito. João comemorou muito e durante o jantar, começou a falar sobre seu desejo de criar uma empresa, disse com todas as letras que eu o ajudaria nisso e que seríamos muito poderosos, disse que eu merecia isso. E eu? Eu caí, acreditei em cada uma de suas palavras e o ajudei em cada um de seus sonhos. ****Agora, olhando para trás, eu via o cenário de outra forma. As palavras de João não eram juras de amor, mas artifícios cuidadosamente escolhidos para me convencer. Ele soubera exatamente como me manipular, como me fazer sentir desejada, como alimentar a ilusão de que eu ainda poderia ser feliz. E eu cai. Cai como uma ingênua, como alguém que precisava acreditar que o amor ainda era possível.
A verdade, agora escancarada, queima dentro de mim. João nunca me amou. Ele precisava de mim. Precisava do dinheiro que herdei dos meus pais para construir sua empresa, para financiar suas ambições. Era isso. E eu me sentia ridícula por não ter percebido antes.
Respirei fundo e tentei manter meus sentidos em atividade, eu estava tão anestesiada pelos sentimentos conflitantes dentro de mim, que tive a vaga impressão de estar andando em câmera lenta. Eu já estava atravessando os portões e continuava andando lentamente, em estado de choque.
O casamento não passava de uma farsa, uma mentira bem contada que eu estava cansada de interpretar. O divórcio era a única saída. Minha mente fluía e eu me permiti perder os sentidos por um momento, criei diversos cenários em minha mente e o divórcio era o único que me dava alguma paz. De repente, ouvi um barulho alto e luzes me fizeram voltar a sanidade, um carro se aproximava depressa, não havia tempo, eu iria ser atropelada. Meu coração deu um salto e antes que eu conseguisse gritar, só vi a escuridão e senti minhas pernas falharem, antes de cair.Em breve. Muito em breve, irei conquistar a companhia JS Group. O último obstáculo entre mim e o domínio absoluto dos maiores investimentos do país está prestes a cair. Meu maior inimigo, o atual chefe da empresa, não faz ideia do que está por vir. A cada movimento, me aproximo mais da vitória.– Estou muito perto de conquistar, meu amigo. Você vai ver – murmurei, um sorriso frio se formando em meus lábios. – Em breve, aquela companhia vai cair nas minhas...O carro freou bruscamente. Meu corpo foi jogado levemente para a frente, cortando minha fala no meio. O silêncio denso foi quebrado apenas pela respiração tensa de Alfred, meu motorista, que me olhou pelo espelho retrovisor, os olhos arregalados.– Ela apareceu de repente, senhor. Era uma mulher.Uma mulher? Minha mente girou. O que alguém estaria fazendo ali, na beira da estrada, àquela hora?– Confira se ela está bem. Agora. – ordenei, minha voz mais firme do que eu esperava.Sem esperar pela ação de Alfred, abri a porta do carr
Acordei novamente, minha cabeça doía e o homem que me salvou... como era mesmo seu nome? Ainda estava ali, sentado na poltrona ao lado da cama, os olhos presos em mim. Senti um arrepio passar por todo o meu corpo ao vê-lo me olhando tão intensamente. Sentei-me na beira da cama do hospital. Ele retirou um cartão do bolso e estendeu na minha direção. Baixei o olhar e fiquei observando o papel em minhas mãos. O nome dele estava ali, acompanhado do número de telefone e do nome da empresa onde trabalhava: Empresa. RV Group. Uau.— Se precisar de qualquer coisa, me procure e eu cuidarei de você. — Ele disse. Seu olhar parecia sincero, mas eu não podia confiar em ninguém agora.– Tudo bem, eu agradeço pela ajuda. – respondi de forma calma. A voz veio de perto, grave e carregada de preocupação. Levantei os olhos e vi Ronaldo me encarando. Seus olhos escuros analisavam meu rosto, como se tentassem decifrar o que havia acontecido.– Margarida? – me chamou. Me perguntei como ele saberia meu n
Eu estava me olhando no espelho. Vestia um vestido lindo, que Ana me emprestou, eu ainda não havia voltado em casa e só pretendia voltar quando fosse para pegar o que era meu de volta. – Tem certeza que quer ir sozinha? – questionou, preocupada. – Tenho, eu preciso disso. – suspirei. – Eu volto logo. – Tudo bem, mas se precisar de mim, me avise. – falou com o olhar pesaroso. Eu estava vivendo o pior momento da minha vida, mas não deixaria que isso me transformasse em uma pobre coitada. Pedi um táxi e fui até a empresa de Ronaldo, eu sabia que ele estaria lá.Caminhei pelos corredores da empresa com passos firmes, mas minha mente estava em ebulição. A cada passo, meu peito ardia com a possibilidade do que poderia acontecer a seguir. Eu precisava encarar João, precisava ouvir da boca dele o que já começava a parecer óbvio. Meu coração batia forte, mas não era medo. Era raiva. Uma raiva sufocante que me impelia para frente.Empurrei as portas do escritório de João sem sequer anunciar
– Me arrepender? Ora, Margarida, não seja idiota, você não tem quase nada mais. Eu transferi tudo, minha empresa cresceu muito mais do que a companhia dos seus pais. Não seja burra, vou dar-lhe um cheque, para que você suma rápido da minha vida e pare de me importunar, assim o divórcio andará mais rápido, entrarei em contato com o advogado. – afirmou, como se eu não passasse de uma mulher qualquer a quem ele estava dando uma esmola.Ri, zombando de sua falta de caráter.– Eu não preciso do seu dinheiro. Mas concordo, vamos nos divorciar logo. Guarde minhas palavras, João. Vai se arrepender de tudo que me fez.Sem esperar mais nada ali, me retirei daquele lugar. Saí de cabeça erguida, mas meu coração estava chorando e meus sentimentos estavam destruídos. A culpa começava a me corroer, como eu fui tão burra e não percebi os sinais? Eles sempre estiveram lá.Voltei para a casa de Anna e passei um tempo sozinha, no quarto de hóspedes, pensando em quais passos eu deveria dar.– Eu sei que
O dia que deveria ser de celebração se tornou o pior da minha vida.– Se você estiver mal, posso ficar em casa com você. – ofereci, me sentia mal em deixa-lo doente e sozinho em casa.Eu tinha uma viagem de negócios para tratar de uma possível parceria com outra companhia, as meu marido, João, acordou indisposto e doente, então, eu estava dividida entre ficar com ele e comemorar seu aniversário, ou ir nessa viagem.– Não precisa. – respondeu, como sempre, sem humor. – Eu vou ficar bem. Já tem um tempo que João está assim, tão frio e distante, agindo de forma arredia comigo, eu não sei mais o que fazer, já tentei de tudo para recuperarmos aquela chama de amor que nos envolveu quando nos casamos, mas parece que nada do que eu faço é suficiente. – Hoje é seu aniversário, meu amor, eu gostaria... quero dizer, acho que podemos comemorar juntos. – falei esperançosa. Eu esperava que ele pelo menos me desse um abraço, um beijo, me desejasse feliz aniversário, mas as coisas estavam estranha