Capítulo 2

De repente, tudo o que aconteceu em minha vida amorosa nos últimos anos se tornou uma mentira. E diversos questionamentos passavam pela minha cabeça, quando isso começou? Será que João nunca havia me amado? Enquanto dava passos para trás, minha mente vagava para algumas lembranças que foram sufocadas em meu subconsciente. Minha mente estava longe dali, mergulhada no passado, em cada cena que agora parecia ter um novo significado.

Lembro-me com clareza de tudo, eu quem sempre estava atrás de João. Convidando-o para sair, era sempre eu que me oferecia para ajudá-lo com os estudos, tudo era eu, sempre eu. Me lembro que uma vez, ele estava sozinho em uma das mesas do refeitório, estava comendo e eu decidi me aproximar, me matriculei na mesma turma de administração que ele estava.

*****

lembrança

“ – OI, João- cumprimentei eufórica. Já faz um tempo que sou apaixonada por ele, mas João nunca me deu muita bola.

– Olá – respondeu como sempre.

Nem grosseiro e nem amigável, sempre um tom de educação, mas que também não quer prolongar a conversa. Mesmo assim, eu insistia. 

–  Caímos na mesma turma de administração. Que legal. – falei sorridente.

– É? Legal! – respondeu e deu um pequeno e forçado sorriso.

Ele levantou e saiu sem se despedir.

Algumas vezes, cheguei a me questionar se eu realmente era tão bonita como diziam, João parecia não partilhar da mesma opinião. Naquele dia, eu só pude ficar triste, porque horas depois, soube que estava saindo com outra garota.”

*****

E então, agora, olhando e ainda ouvindo ao que parecia ser ao longe, risadas vindo do meu quarto, enquanto me afasto lentamente desse ambiente, minha mente parece sofrer investidas de memórias frenéticas da pessoa que João sempre foi. Ele nunca me amou, nunca.

Depois que meus pais faleceram, João mudou drasticamente. Uma mudança que eu não soube lidar logo de cara, porque não se parecia em nada com ele.

*****

Lembrança – anos atrás

 Perder seus pais não é algo fácil. Os meus dias se tornaram cinzas, é como se chovesse e o tempo estivesse sempre nublado em minha mente. Nada é o mesmo, meus pais eram como exemplos para mim, exemplos de marido e mulher, exemplos de pais, exemplos de pessoas bondosas, a morte deles também levou uma parte de mim. Uma parte que talvez eu nunca tenha de volta.

Eu estava vivendo um turbilhão de coisas, burocracias relacionadas a companhia. Eu não queria falar disso, herança e nem nada do tipo, só queria que meus pais voltassem a viver comigo.

– Margarida, eu sinto muito pelo que aconteceu.

Parei de andar e olhei para cima. João estava me encarando, havia um buquê de flores discreto em sua mão e ele esteva estendido na minha direção. Franzi a testa, confusa com o gesto.

– Obrigada. – falei baixinho.

– Saiba que se precisar de alguém, eu ficaria muito feliz em estar do seu lado. Você é importante para mim, minha linda Margarida. – abriu um sorriso e me puxou para um abraço que me pegou de surpresa.

Eu estava muito confusa naquele momento, mas aceitei o abraço e me permiti ser cuidada por alguém. Depois desse dia, João passou a me tratar como um perfeito cavalheiro, me ajudou a conviver com a dor de perder meus pais e nos tornamos namorados, algo que eu sempre quis.)

Mas agora eu consigo entender que tudo foi apenas uma mentira. Ele nunca me quis de verdade, João só se aproveitou do meu momento frágil e vulnerável e deu o bote, me convencendo a casar com ele. Me lembro perfeitamente do dia.

Eu estava visitando o tumulo dos meus pais e passei quase a manhã inteira lá, mas quando voltei para casa, João estava lá, me convidou para jantarmos fora e eu aceitei, estava tentando não pensar na tristeza e no luto.

Ele reservou um restaurante só para nós dois e de repente, estava ajoelhado ao meu lado.

– Permita-me cuidar de você, querida Margarida, minha linda flor, case-se comigo e me faça o homem mais feliz do mundo, como eu farei de você a mulher mais feliz do mundo. – pediu emocionado.

Eu me achava muito nova e aquilo era muito repentino. Mas eu estava sozinha e João provara que ele era o homem certo para mim, cuidadoso e amoroso, sempre colocando meus sentimentos em questão. Foi por isso que eu falei, no automático:

– Sim, eu aceito.

João comemorou muito e durante o jantar, começou a falar sobre seu desejo de criar uma empresa, disse com todas as letras que eu o ajudaria nisso e que seríamos muito poderosos, disse que eu merecia isso. E eu? Eu caí, acreditei em cada uma de suas palavras e o ajudei em cada um de seus sonhos.

****

 Agora, olhando para trás, eu via o cenário de outra forma. As palavras de João não eram juras de amor, mas artifícios cuidadosamente escolhidos para me convencer. Ele soubera exatamente como me manipular, como me fazer sentir desejada, como alimentar a ilusão de que eu ainda poderia ser feliz. E eu cai. Cai como uma ingênua, como alguém que precisava acreditar que o amor ainda era possível.

A verdade, agora escancarada, queima dentro de mim. João nunca me amou. Ele precisava de mim. Precisava do dinheiro que herdei dos meus pais para construir sua empresa, para financiar suas ambições. Era isso. E eu me sentia ridícula por não ter percebido antes.

Respirei fundo e tentei manter meus sentidos em atividade, eu estava tão anestesiada pelos sentimentos conflitantes dentro de mim, que tive a vaga impressão de estar andando em câmera lenta. Eu já estava atravessando os portões e continuava andando lentamente, em estado de choque.

O casamento não passava de uma farsa, uma mentira bem contada que eu estava cansada de interpretar. O divórcio era a única saída.

Minha mente fluía e eu me permiti perder os sentidos por um momento, criei diversos cenários em minha mente e o divórcio era o único que me dava alguma paz.

De repente, ouvi um barulho alto e luzes me fizeram voltar a sanidade, um carro se aproximava depressa, não havia tempo, eu iria ser atropelada. Meu coração deu um salto e antes que eu conseguisse gritar, só vi a escuridão e senti minhas pernas falharem, antes de cair.

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