LANA MARTINS
Enquanto me maquio, minha imagem reflete no espelho da pequena penteadeira. Meus olhos, grandes e profundos, trazem uma expressão endurecida, como se tivessem aprendido a carregar muito mais do que alguém de vinte anos deveria. Meus cabelos encaracolados, agora presos em tranças apertadas, caem em torno do meu rosto, destacando as maçãs do rosto marcantes. Mas, por mais que tente me concentrar, as lembranças do acidente me perseguem sem piedade nesta noite silenciosa. Sentada aqui, ancorada na minha realidade, me perco no passado, revivendo o momento que mudou tudo.
~ Flash On ~
Naquela época, eu ainda trabalhava como garçonete e, apesar dos meus dezenove anos, todos me consideravam responsável e comprometida, mas, acima de tudo, ansiosa para melhorar de vida e ajudar minha família. Minha rotina era simples, quase previsível, entre a casa e o trabalho, e meu maior desejo era um futuro tranquilo ao lado dos meus pais e de Ana, minha irmãzinha.
Ana, com apenas cinco anos, era cheia de energia, com olhos castanhos vivos e cachinhos que caíam ao redor do rosto como pequenas molas. Sempre tinha um sorriso cativante e estava em busca de novas descobertas, fosse um brinquedo simples ou a menor das aventuras. Eu a adorava; sempre levava algo para ela no final do expediente, como um doce ou uma revistinha para pintar. Mesmo com a diferença de idade, éramos inseparáveis, e eu sentia um impulso imenso de protegê-la de tudo.
Naquela tarde, porém, tudo mudou. Estava no meu turno habitual, organizando pedidos e atendendo as mesas, quando meu chefe me chamou. A expressão dele estava carregada de seriedade.
— Lana, preciso que venha ao escritório. Tem alguém para falar com você.
Com meu coração acelerado, segui para o escritório e, ao chegar, encontrei dois policiais, sérios, com os olhos fixos em mim. O mundo pareceu diminuir sob meus pés enquanto eles falam. Cada palavra soava como uma pedra fria.
— Seus pais estavam voltando de uma viagem quando o carro deles derrapou na pista. Tentaram desviar de outro veículo, mas perderam o controle... — A voz do policial ecoava na minha mente, abafada, distante.
Eu não conseguia me mover nem respirar. A notícia parecia irreal. Meus pais, a quem me despedi apressadamente naquela manhã, estão mortos. E Ana, está sozinha em casa. O desespero me dominou.
Sem rumo, fui para casa cuidar de Ana, que ainda não entendia o que havia acontecido. Na mente infantil dela, nossos pais estavam apenas "fora", em algum lugar de onde poderiam voltar. Eu tentava esconder o sofrimento para dar alguma estabilidade à minha irmã.
Naquela mesma noite, recebi um telefonema do assistente social. Ele explicou os procedimentos legais e informou que eu poderia me tornar a tutora de Ana, mas precisaria provar estabilidade financeira e responsabilidade. Aquilo me deixou apavorada. Eu era apenas uma garota que trabalha como garçonete — como poderia cuidar de uma criança?
O peso da responsabilidade me esmagava. Sabia que não poderia pagar a educação de Ana com o salário que recebia, muito menos oferecer a vida que desejava para ela. Quando descobri o internato e o custo das mensalidades, meu coração quase parou, mas era a melhor opção que eu tinha. Me comprometi a visitá-la o máximo possível e garantir que ela tivesse o melhor que eu pudesse proporcionar. Mas até essa promessa parecia difícil de cumprir. Com o emprego modesto, as dívidas começam a crescer, e percebi que precisava encontrar algo que me permitisse ganhar mais.
~ Flash Off ~
Saio das lembranças, volto-me para o espelho com os olhos marejados. Eu queria que meus pais pudessem ver o quanto estou me esforçando — o quanto luto para garantir um futuro para mim e para Ana.
Respiro fundo, enxugo as lágrimas e me preparo para o próximo cliente. É um magnata do ramo imobiliário, um homem de meia-idade, elegante e sempre pontual. Ele vem todas as quartas, no mesmo horário, e já temos uma rotina que se repete sem falhas. Conversamos sobre amenidades; ele me pergunta um pouco sobre minha vida, mas nunca demais, como se houvesse um limite invisível que ele preferisse manter.
Ao entrar no salão, ele já está à minha espera. Ao me ver, sorri, e caminho até ele com a postura que ele espera.
— Boa noite, My Amore — diz ele, levantando-se e segurando minha mão para um beijo suave.
— Boa noite, Senhor. Como foi sua semana? — pergunto, tentando manter a conversa leve, mesmo com a emoção presa na minha garganta.
Ele se recosta no sofá, observando-me com aquele olhar calculado.
— Movimentada, como sempre. O mercado imobiliário nunca dorme. E a sua semana? — Ele sorri de lado. — Espero que esteja cuidando de si.
Concordo, e trocamos algumas palavras sobre as novidades da cidade. A conversa flui enquanto bebemos, com a mesma familiaridade de sempre, até que, em seu estilo característico, ele toca levemente meu rosto e me guia pelas escadas em direção aos quartos.
Nossa rotina é sempre a mesma: conduzo-o ao quarto, onde uma música suave toca, criando um ambiente calmo, e inicio a massagem. Ele aprecia o toque leve das minhas mãos e, vez ou outra, trocamos beijos delicados, quase ensaiados. Estamos juntos ali, mas com limites cuidadosamente estabelecidos.
E, como de costume, ele murmura baixinho:
— Não passaremos disso, My Amore.
Ele se afasta o suficiente para que eu veja o sorriso satisfeito, como se reafirmar aquilo fosse tanto uma promessa quanto uma garantia. Sorrio, um pouco resignada, aceitando o que ele sempre deixa claro.
— Eu sei, senhor. Você sempre deixa isso claro.
Ele inclina a cabeça, com aquele tom de brincadeira séria que lhe é tão característico.
— Porque sei que existe algo na sua vida que a faz olhar para o nada de vez em quando, como se estivesse em outro lugar. E eu... bem, eu respeito isso.
Surpresa com sua percepção, assinto, sentindo-me mais exposta do que jamais estive. Ele segura minha mão por um instante, um gesto simples, mas que parece quase protetor. Há uma gentileza ali, uma cortesia incomum que, de algum modo, começo a admirar, mesmo sabendo que esse é o máximo que nossa relação pode alcançar.
— Obrigada, Sr. Almeida, por compreender — sussurro, agradecida pelo entendimento silencioso entre nós.
Ele acena em resposta, e, ao sair, lança-me um último olhar, que parece dizer tudo e nada ao mesmo tempo.
A noite segue naturalmente, cliente após cliente.
LANA MARTINSÉ uma manhã cinzenta e fria, e estou atrasada. Mais uma vez. Acelerar a respiração e os passos já se tornou um hábito nas manhãs em que consigo visitar Ana. Cada segundo no internato parece insuficiente; os minutos escapam antes que eu realmente possa aproveitar sua companhia. Ver Ana, mesmo por tão pouco tempo, é tudo para mim. Essa visita, por mais breve que seja, renova meu propósito.Ao entrar pelo portão do internato, avisto Ana brincando na quadra com uma bola de borracha. Assim que me vê, ela corre e pula no meu colo com um sorriso iluminando o rosto.— Lana! — Ela me abraça com força, os olhos brilhando de alegria.— Minha pequena! Como você está? — pergunto, sentindo um misto de felicidade e tristeza. Por mais que queira levar Ana de volta para casa, sei que essa é a única forma de garantir sua segurança.— Estou bem! A professora disse que sou a melhor em desenhos da turma. — Os olhos de Ana brilham de orgulho, e ela me puxa até a parede onde alguns desenhos estã
DANIEL NAVARROMe lembro claramente do dia em que Caroline saiu da minha vida. Ela estava linda, como sempre, mas seu olhar estava mais frio do que eu jamais imaginei possível. Carol, como eu a chamava, domina qualquer ambiente. Sua presença me atrai como um ímã, e sou incapaz de recusar o que ela quer ou de me afastar dela. Nosso relacionamento foi intenso desde o início, e talvez por isso, quando ela decidiu terminar, senti como se levasse uma facada. Não há explicação suficiente para justificar o fim. Não para mim.Mesmo após aquele término tenso e as palavras afiadas que trocamos, algo em mim permanece preso a ela. Talvez seja uma mistura de orgulho e desejo. Mesmo depois de tudo, a ideia de reconquistá-la não me parece absurda. Eu ainda a amo e faria o que fosse necessário para tê-la de volta. Por isso, quando soube que ela estaria no casamento do meu irmão Lucas, decido que essa é a ocasião perfeita para reverter nossa história.Lucas e eu sempre fomos próximos, embora nossas per
LANA MARTINSMeu coração b**e acelerado enquanto atravesso o saguão luxuoso do hotel, um lugar que raramente frequento. As paredes de mármore, reluzentes sob a luz suave, os candelabros elegantes, e os arranjos de flores impecáveis me intimidam. A mensagem da minha colega ecoa na minha mente: "Um empresário influente precisa de uma acompanhante para um evento importante." O pagamento prometido é suficiente para cobrir as próximas mensalidades do internato de Ana. Mais do que isso, representa uma oportunidade de estabilidade que não posso ignorar.Ao avistar o homem em um canto, sinto uma onda de atração por sua presença marcante e imponente. Seus cabelos escuros estão penteados para trás, de maneira elegante e impecável. A barba bem definida contorna seu maxilar, dando um ar sério ao rosto. Ele veste um terno preto que exala sofisticação e profissionalismo, complementado por uma camisa e uma gravata também pretas, mantendo um estilo clássico e discreto. Seu olhar intenso se fixa em mim
LANA MARTINSEnquanto tento organizar meus pensamentos naquela manhã de sábado, o toque da campainha me faz saltar. Corro até a porta e, ao abri-la, meu coração dispara. Daniel está parado ali, impecável em um terno escuro, com aquele leve sorriso enigmático que ele usa tão bem. Quase tropeço nas palavras, pega completamente de surpresa pela presença imponente dele na entrada do meu pequeno apartamento.— Como você... me encontrou? — Gaguejo, puxando a porta um pouco mais, tentando disfarçar o nervosismo e o constrangimento por estar usando um cropped decotado e revelador, absolutamente inapropriado para a ocasião.Ele ergue uma sobrancelha, como se a pergunta fosse desnecessária.— Você sabe que tenho acesso a informações sobre você, Lana — diz ele, com uma naturalidade que torna tudo ainda mais desconcertante.Respiro fundo, lembrando do dossiê que ele mencionou no nosso encontro no hotel. Claro, ele conhece cada detalhe sobre mim; Daniel é meticuloso demais para deixar algo ao acas
LANA MARTINSAssim que a porta da suíte se fecha, percebo que estou mergulhando em um mundo distante da minha realidade. Meus olhos vasculham o ambiente sofisticado: uma cama king-size rodeada por móveis modernos e imponentes, decorados em tons de creme e dourado. As amplas janelas se abrem para uma vista espetacular do oceano, o que aumenta a sensação de surrealismo.Respiro fundo antes de abrir o guarda-roupa, sentindo a antecipação misturada com um toque de nervosismo. Ali dentro, tudo parece cuidadosamente pensado para uma vida de luxo: vestidos elegantes, conjuntos casuais e peças finas que parecem saídas de catálogos de alta moda. Observando mais de perto, noto que cada roupa reflete alguém que eu ainda não reconheço — alguém que pertence a um mundo que conheço apenas de longe. O desconforto dá lugar a uma curiosidade misturada à empolgação.Ao alcançar uma prateleira no canto, encontro um conjunto de lingeries rendadas, delicadas e reveladoras. O rubor sobe em meu rosto ao perc
DANIEL NAVARROÀ medida que o sol se põe e o céu ganha tons de laranja e roxo, levo Lana para se juntar à minha família em um ritual à beira-mar, realizado ao redor de uma grande fogueira. A cerimônia é simples e profundamente conectada à cultura local, simbolizando a união e o amor eterno. Ao meu lado, ela tenta parecer à vontade, mas seu olhar vigilante em Caroline a deixa inquieta.Minha família e os amigos estão relaxados, rindo e compartilhando histórias, mas percebo que Lana nota como Caroline sempre encontra uma maneira de se aproximar ou provocar de forma sutil, disparando comentários disfarçados que a fazem questionar cada uma de suas respostas.— Então, Lana... Como você e Daniel se conheceram? — Caroline pergunta, sorrindo como se fosse uma conversa casual.Lana é pega de surpresa e hesita por um segundo antes de responder:— Nos conhecemos em um evento, e desde então soubemos que algo forte nos conectaria.Caroline ergue uma sobrancelha, claramente não convencida. Sinto o
LANA MARTINSNo dia seguinte, o sol brilha alto e a brisa fresca do mar traz uma sensação renovadora. O ar parece limpo, fresco, mas, ao mesmo tempo, algo em mim está turvo. Caminho pela área da piscina, onde vejo Daniel conversando com Lucas e Caroline. Ela se aproxima com aquele sorriso fácil, colocando-se ao lado dele de forma casual, mas excessivamente próxima. Cada risada dela é acompanhada de um toque no braço de Daniel ou um sorriso provocador - gestos que deixam claro o que ela está tentando fazer.O que aconteceu na noite anterior ainda está martelando em minha cabeça. Só de pensar no toque de Daniel, uma onda de calor se espalha pelo meu corpo, seguida de vergonha. Tento ignorar a sensação estranha que cresce dentro de mim, mas a irritação começa a se intensificar. O que estou fazendo aqui? Não é para eu sentir nada, mas a maneira como Caroline monopoliza a atenção de Daniel me incomoda profundamente. Respiro fundo, tentando me lembrar do porquê de estar ali: é um trabalho,
LANA MARTINSEncaro o nascer do sol pela pequena janela da minha sala, o céu tingido de tons alaranjados e rosados. Cada amanhecer me traz um misto de esperança e inquietação, porque, a cada dia, meu caminho parece mais distante do que eu sempre sonhei. Esse pequeno apartamento, que um dia representou o começo da minha independência, agora é só uma lembrança amarga do que a vida poderia ter sido.A campainha toca de repente, e o som estridente ecoa pelo apartamento, me fazendo parar no meio da sala, com os olhos fixos na porta. Ainda é cedo, e eu não estou esperando visitas. Olho para Ana, que brinca no chão com uma boneca de cabelos encaracolados, tão absorta na brincadeira que mal nota o barulho. Respiro fundo e abro a porta.Do outro lado, está uma mulher baixa, de óculos retangulares e um olhar frio, segurando uma pasta de documentos firmemente contra o peito. O coque impecável e o terno cinza-escuro a tornam ainda mais severa. Ela me observa como se já soubesse exatamente o que va