03.

Com as publicações do Soares, o caso ganhou repercussão nacional.  

- Agora, tenho repórteres e curiosos acampados no portão das minhas terras – fechei minhas mãos em punhos e enxerguei, pela janela do escritório, vários carros que tinham acabado de chegar e outros que chegaram na noite anterior. Alguns eram da imprensa e outros de curiosos do mundo midiático.

Um alarme sinalizou o recebimento de um e-mail e fui até minha mesa.

- Chegou o e-mail de um cliente importante cancelando o contrato com a minha empresa – engoli em seco, grudei os olhos na tela do notebook e sentei na cadeira de encosto alto. Era o gerente de uma grande rede de supermercados – Foi um contrato que demorei meses para fechar o negócio – coloquei as mãos, unidas pelos dedos, cobrindo a boca e fechei os olhos. - É o primeiro de muitos - apontei para o notebook e me joguei no encosto da cadeira. A preocupação era com meus pais, principalmente com a saúde da mãe. O dinheiro para o sustento deles era o de menos, eu poderia vender ou arrendar a fazenda da capital. Meus pais são pessoas muito simples e honestas e não saberiam lidar com isso tudo.

- Estou encaminhando o número de um advogado para você. É o melhor que conheço – o inspetor compartilhou o contato comigo.

Liguei para ele, imediatamente, e contei exatamente o que aconteceu. Como o Santori, ele me explicou que não existia nada de concreto contra mim, porém os indícios eram muito fortes, o que exigiria uma investigação minuciosa. As publicações do pai dela viralizaram nas redes sociais e as coisas poderiam complicar para mim. E complicaram mesmo. No dia seguinte, a polícia entrou e revirou a minha casa atrás de provas, principalmente no escritório. Assisti a tudo literalmente de braços cruzados e apoiado no batente da janela do escritório. Não acredito que as coisas chegaram a este ponto.

- Senhor, encontrei uma escuta clandestina embaixo da mesa – um dos investigadores falou.

- Arkel, quantas pessoas entraram no seu escritório nos últimos meses? – O inspetor colocou as luvas, pegou a escuta das mãos do perito e examinou o pequeno fone.

- Não lembro exatamente, mas posso fazer uma lista de quem eu me lembrar – Indignado, fechei uma das mãos em punho e o mordi.

- Arkel, alguém entrou aqui sem você? – Santori me olhou por cima dos óculos.

- Você – exclamei com uma mão no quadril e a outra apontei o indicador para ele. - Entrou aqui sem mim no dia do sequestro, não lembra? – Não me intimidei.

- Claro que lembro – contrariado, o inspetor assentiu. - Foi assim que souberam dos rastreadores e o horário que vocês saíram de casa.

Encarei o inspetor que sabia da injustiça que iria se dar. Era uma questão de dias para chegarem e anunciarem a pior notícia de todas. E, dias depois, o pior merda aconteceu.

Não sou um homem que acredita na sorte, sou daqueles que corre atrás. Ao menos, era como eu pensava até poucos dias. Estou na delegacia, preso como principal suspeito do sequestro e assassinato da minha namorada. Neste momento, preciso que a sorte me ajude que o cara que eu parei para ajudar naquela estrada apareça; sorte que os caras que sequestraram a minha namorada sejam presos ou que alguma coisa aconteça e mude a minha sorte. Não sei como as coisas chegaram a esse ponto. 

Lá fora, o policiamento foi reforçado para não me lincharem. Os policiais que me escoltaram até a delegacia, são os mesmos que chegaram com o inspetor Santori - da capital paulista - na noite de domingo e ficaram plantados na varanda da casa da fazenda até hoje de manhã quando o delegado deu a ordem de prisão. A região que moro é pacata e não tem crimes de repercussão nacional. As reportagens e fotos que aparecem no noticiário são das vítimas dos graves acidentes na estrada federal. As pessoas gritaram palavras de ódio logo que o carro estacionou na porta da delegacia.

- ASSASSINO – gritou o dono de um pequeno mercado local.

- VOCÊ É UMA VERGONHA PARA A NOSSA CIDADE – gritou o dono de uma loja de material de construção que ampliou o lugar para atender mais clientes. Com a minha fábrica, as construções e reformas aumentaram na cidade.

- TOMARA QUE APODREÇA NA CADEIA – nem sei quem gritou. Não consegui erguer a cabeça.

Os policiais que trabalham na delegacia da cidade, me olham desconfiados. Um deles, que passou com uma pasta embaixo do braço, foi meu amigo na escola. O outro ao fundo, que pegou uma xícara de café na mesinha - ao lado da sala onde o delegado está fazendo a segunda ou terceira ligação – jogou futebol comigo no campinho perto do rio.

Não me importei de sair de casa sem tomar o café da manhã. A única coisa que sinto falta, é de uma xícara de café. Com o frio de hoje, o pretinho fresco e fumegante aquece até a alma.

Ainda tenho hematomas da agressão que sofri no domingo. Era para ser um domingo normal. Me arrependo amargamente de parar para ajudar aquele homem de idade ao lado de um carro que parecia quebrado. A Beatriz implorou que eu parasse para ajudá-lo. Era uma armadinha e eu não percebi.

O domingo não foi marcante apenas para mim. O delegado me ligou para ajudar a filha de um casal de São Bernardo do Campo que morreu em um trágico acidente de carro. Era para ajudá-la na liberação dos corpos. Não sei quem a ajudou.

O inspetor Santori não permitiu que me algemassem; nem que me jogassem no camburão como a um criminoso. Graças a Deus, ele me colocou pessoalmente no banco de trás e ordenou que não ligassem as sirenes. Serei eternamente grato a ele por isso. Imagine a angústia dos meus pais assistindo minha prisão pelo noticiário nacional.

- Arkel, seu café – ergui os olhos para o inspetor Santori – a Catarina me pediu para entregá-lo a você pessoalmente – assenti e girei o corpo para consultar as horas no relógio da parede atrás de mim e, alguns dos policiais ao meu redor, colocaram as mãos em suas armas presas ao coldre embaixo do braço. Agora sou um cara perigoso. 

A lista dos investigados era extensa, assim como a minha perplexidade por estar no meio de uma trama.

Soares publicou outro vídeo nas redes sociais, onde relatou as descobertas da polícia e classificou meu depoimento como mentiroso.

Eu juro que tentei, mas não consegui. Amaldiçoei e xinguei o Soares e a corja que fazia parte daquela sujeira.

Cheguei no presídio há 26 dias e estou ansioso para falar com meu advogado que chegará daqui a pouco. Não posso reclamar, o cara tem se empenhado para me tirar daqui. Espero que seja mesmo, não posso ficar por muito tempo neste lugar perigoso e insalubre. A plantação de produtos orgânicos e a fábrica de geleias geraram dezenas de empregos e não podem parar. Meus negócios esquentaram a economia da região e minha mãe precisa continuar o tratamento contra o câncer.

Não paro de pensar nos marginais que me agrediram naquela estrada. Era para eles estarem presos, não eu. Pra mim, o inspetor matou a xarada. Quem a sequestrou e a matou queria atingir alguém ligado a ela. Alguém com algo contra mim ou contra os pais dela.

Graças a Deus, meu advogado chegou. Estou muito ansioso para falar com ele.

- Bom dia Arkel – o advogado me olhou, jogou o corpo para trás e tamborilou os dedos na mesa.

- Bom dia – a minha magreza e meus olhos fundos, o assustaram.

- Quanto tempo ficarei preso? – Perguntei assim que o advogado tirou o processo de uma pasta de couro escuro.

- Três a seis meses, se não encontrarem nada de concreto, eles têm que soltá-lo.

- O que me preocupa são os contatos de peso do pai dela.

- É para se preocupar mesmo, mas também tenho meus contatos e pode pegar mal deixarem você aqui mais que o necessário.

A repercussão na internet fez muito barulho e o caso ganhou popularidade. O Soares conseguiu acelerar a minha prisão.

- Tem algumas pessoas postando que sua prisão foi precipitada e que não existem provas suficientes e concretas contra você. Alegam que existe alguém querendo incriminá-lo.

- Não é o que muitos pensam.

- Não mesmo.

- Quem está questionando a minha prisão?

- O nome dela é Lola Joe e foi modelo por mais de 10 anos. Hoje, é uma consultora de imagem e influencer famosa na internet, muito conhecida entre os empresários, artistas e socialites. Ela tem milhões de seguidores.

Encarei o advogado desacreditado. Eu precisaria bem mais do que as postagens de uma ex modelo para me tirar da prisão.

- Arkel, pedirei um teste de paternidade para saber se você é o pai da criança que a Beatriz estava esperando. É um teste específico e demorado porque é com base nos restos mortais da criança.

Fiquei de cara, perplexo mesmo e arregalei meus olhos.

- Vocês ficaram distantes por mais de dois meses, sem nenhuma intimidade e, alguns dias depois que voltaram, ela fez o teste e não te falou da gravidez. Sinceramente, há uma grande chance de você não ser o pai da criança.

Não pensei na possibilidade de não ser o pai. A Beatriz era imatura, não pensei que teria coragem de transar com outro cara.

- Faça mesmo, quero saber a verdade - o sequestro e a morte brutal, a descoberta da gravidez, as postagens do Soares e a avalanche de coisas que aconteceram em seguida, não me deixaram pensar sobre não ser o pai. Pelo tempo que ficamos distantes era bem possível que eu não fosse o pai da criança.

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