A surpresa veio logo pela manhã. Acordei com alguém sacudindo meu ombro. Meu coração disparou com o susto.
— Simas, desculpe acordá-lo assim outra vez — disse Benjamin. Ele tentava manter o tom de voz baixo, mas falava com urgência. Sacudi a cabeça, desorientado, e consegui apenas identificar o semblante aturdido em seu rosto. — Acordei cedo para voltar a procurar no computador…
— Descobriu mais alguma coisa? — perguntei, despertando instantaneamente.
— Acho… acho que sim.
O abrigo continuava gelado, Benjamin devia ter desligado o aquecedor de novo. Coloquei-me de pé, levando apenas um instante para me equilibrar, e segui Benjamin a passos largos até a sala. O cômodo estava bem mais iluminado do que na noite passada.
Alve também parecia ter acabado de despertar, tinha uma das coxas envolvida pelo cobertor, os cabelos ruivos c
Lágrimas se formaram nos meus olhos, mas se mantiveram lá sem cair. Alve e Benjamin continuavam falando, fazendo conjecturas, tentando chegar a uma conclusão. Mas eu já entendia tudo: toda minha família estava em perigo. Ou pelo menos o que havia restado dela.A confirmação veio de um modo que eu jamais teria esperado. Uma música orquestral começou a tocar na sala do abrigo, vindo das caixas de som no teto; seu volume subiu num crescendo, provocando um efeito arrebatador. Parecia um hino. Na tela circular, um modelo 3D do símbolo da Colmeia girava e piscava em cores chamativas.— O que está acontecendo?Benjamin levantou a sobrancelha, tão surpreso quanto eu:— É um pronunciamento público…Ele levantou a mão no ar, pensando duas vezes antes de apontar para o símbolo na tela. O hino foi reduzido até se tornar um s
Quando Alve entrou no quarto, encontrou-me sentado na cama. Seu rosto estava lívido. O hino da Colmeia tocava na sala, indicando que o pronunciamento acabava. Limpei as bochechas e me coloquei de pé.— Ele me disse o que você pretende fazer — falou.— Está aqui para me impedir também?Soltou o ar pelos lábios frouxos, num gesto teatral.— Como se alguma vez eu tivesse tido algum sucesso nisso… — Ele me olhou com cautela. — Eu entendo. Você nunca deixou a Leninha sozinha.Larguei a mochila sobre a cama. Pensando bem, eu não precisaria dela. Era estúpido tê-la preparado quando eu sabia que não voltaria do lugar para onde estava indo.O calor do momento se dissipava aos poucos. Minhas mãos ainda estavam trêmulas. Havia um tom de abstração naquilo tudo. Uma parte de mim ainda acreditava que meu pai estar
Meu coração batia forte. O homem no chão berrava.“Amarre-a! Tire essa desgraçada de perto de mim!”Berrei também. O outro homem segurava meus pulsos, estava atrás de mim. Eu tentava puxar os braços. Como ele era forte, em vez de afastá-lo de mim, eu trouxe sua mão mais pra perto e dei uma bela de uma mordida nela. Ele não aguentou a dor e soltou meu pulso, aproveitei a mão livre pra golpear seu outro braço com o pedaço de vidro. Ele gritou uma palavra feia e me libertou. Corri pra porta, ela estava quase aberta. Eu a puxei e saí.Estava num corredor agora. Soltei um soluço. Estava com medo, mas sabia que se eu parasse de correr, eles iam me prender de novo. Tinham me enganado. Se Simas estivesse mesmo aqui, ele teria vindo me ver. Eram maus, queriam judiar de mim igual o Farid fazia quando me prendia no q
Benjamin se inquietou:— São discos de dados?Reina fez que sim.— Mas não quaisquer discos de dados.O rapaz se aproximou e esticou a mão com a intenção de pegá-lo, mas Reina apenas abaixou o objeto e o devolveu de volta à caixa acolchoada.— O que é isso? — eu quis saber.Benjamin respondeu:— Um dispositivo que antigamente era usado para transportar dados digitais. Hoje em dia, armazenamos informações nas redes de compartilhamento, mas alguns computadores ainda podem ler esse tipo de disco.A assistente passou as mãos pelas bordas da caixa aveludada como se a acariciasse.— Séculos atrás, depois da queda das civilizações e da Grande Emersão, os satélites artificiais não funcionavam mais, e, durante muitos anos, a humanidade teve que recorrer a m&eacu
Apenas três coisas no mundo faziam com que eu perdesse plenamente a compostura; e, por uma ironia do universo, eu vinha lidando com todas elas nas últimas semanas: trabalhos malfeitos, minha credibilidade posta em dúvida e Donovan Hassan — o Imperador de Továren. Eu detestava aquele homem e sabia que a recíproca era verdadeira.Nossos países tinham uma relação sensível. Guerras haviam sido travadas no passado, e quando Továren finalmente conquistara sua independência, isso acabara sendo um golpe doloroso para a economia da Colmeia. Em algum ponto, havíamos estabelecido tratados comerciais, razão pela qual nenhum outro embate formal voltava a acontecer; isso não significava, entretanto, que os ânimos eram amigáveis entre nós. Desde que Donovan assumira o trono de Továren — e considerando que as Eleições Mundiais ocorreriam ainda d
O prédio da sede era tão alto quanto um arranha-céu. Estendia-se soberano diante de mim, usando as nuvens baixas e o céu matinal como pano de fundo. A movimentação de pessoas era bem menor nessa área da cidade, uma alameda fechada que servia de lar para um complexo de construções brancas, idênticas umas às outras, exceto por seus arcos e janelas de vidro espelhado.Há uma hora, eu havia decidido que me entregaria, que faria o que a Corte esperava de mim. Caminhei com passos firmes em direção às portas duplas do prédio, mas não tive tempo de subir as escadas de concreto claro, pois os guardas de neoprene que protegiam a entrada principal se manifestaram. Havia meia dúzia deles. Lançaram-me um olhar invisível por trás do visor do capacete, um deles levou as mãos ao coldre, e um outro sacou sua arma. Levantei as palmas no ar, mo
Toda a situação pareceu caminhar para o êxito, mas por pouco tempo. Estávamos no auditório de transmissões quando o pronunciamento das três da tarde foi interrompido e substituído por alguma outra coisa. Os murmúrios começaram a ganhar volume.Olhei para a Magister e não vi o júbilo de minutos antes. Em vez disso, ela tinha um semblante lívido.Eu me reconhecia nas telas, eram imagens recém-gravadas. Mas nossa conversa não deveria ter sido gravada, as câmeras serviam apenas para vigilância, e somente em casos especiais eram usadas para registrar. A Magister nunca ordenaria que uma discussão tão delicada quanto a que tivera com o bronco fosse guardada em vídeo. Desse modo, como aquelas imagens podiam estar sendo reproduzidas?Scylla superou o choque e agiu. Subiu no estrado, empurrou a câmera para o lado e se inclinou
Durante o pronunciamento, um alvoroço rebentou na sede. Pude assistir o suficiente apenas para supor o que mais seria mostrado, e então muitos deixaram a sala às pressas, inclusive a Magister e Delos. Um guarda me levantou da cadeira com um puxão e me arrastou de volta à sala no quinto andar.Encostei-me na parede. A tensão ainda me mantinha ativo. Logo descruzei os braços e comecei a perambular.Nem tudo o que vinha acontecendo havia tido planejamento prévio. O intuito era induzir Scylla a falar sobre os projetos do Núcleo, o descaso com que os páuperes sofriam, a realidade das províncias e a maneira como éramos tratados no Simulador. Para minha surpresa, eu havia conseguido bem mais do que isso: uma declaração sobre a visão que a Corte tinha sobre os habitantes da Colmeia, ameaças de morte e uma cena sangrenta que dificilmente sairia da cabeça de que