Mártir (Projeto Colmeia 2)

Mártir (Projeto Colmeia 2)PT

Ficção Científica
Marco Barbieri  Em andamento
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1.6Kleituras
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Resumo
Índice

Simas deixou a ilha de Ventura e finalmente se viu livre do controle do Núcleo. O trajeto pelo oceano seria uma etapa tranquila rumo à província - isto é, caso ele e seus aliados não tivessem cometido tantos erros durante o processo. Agora a Corte tem uma nova preocupação, e a Suprema Magister iniciará uma caçada àqueles que vêm perturbando a ordem em seu império. Após descobrir o ingresso ilegal de uma garotinha provinciana no Núcleo, Scylla se esforçará para impedir que o resultado das ações dos infratores macule sua imagem de governante, enquanto engendra um esquema para se livrar em definitivo de seus adversários - mesmo que para isso precise exterminá-los como insetos invasores num ninho de abelhas. No segundo volume de Projeto Colmeia, mistérios enterrados no passado virão à tona, revelando segredos de um período anterior à chegada de Simas ao Núcleo. Restará ao rapaz tomar uma decisão delicada que mudará o curso não apenas da sua vida, mas a de todos que ele conhece: inclusive a de Benjamin.

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Capítulo Um
Fazia muito calor essa noite, apesar da chuva torrencial que assolava as janelas de casa. Eu me via batendo na porta do quarto. Talvez faltasse energia elétrica, não era comum que minha mãe deixasse todas as luzes da sala apagadas.A porta se abriu, minha mãe me fitou por um instante com olhos semicerrados. Seus cabelos volumosos, negros e encaracolados, davam a ela a aparência engraçada de um abajur — devia saber disso, pois logo os prendeu num rabo de cavalo.— O que faz acordado, meu filho? — perguntou, a voz ainda embargada de sono.Segurei o travesseiro mais perto do rosto, mas não disse nada. Eu não queria acordar o papai, ele ficava bem irritado quando o incomodávamos.Ela compreendeu. Fechou a porta atrás de si e me pegou no colo. Eu sabia que já estava muito crescido para isso, para ficar com medo do escuro — completara cinco anos no mês pass
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Capítulo Dois
As águas escuras se agitavam. O barco era o único ponto iluminado no oceano. Parecia arriscado e imprudente navegar àquela hora da madrugada, com a maré um tanto alta e o breu adiante; era como se o céu e o mar fossem um só, uma cortina negra na qual eu me emaranhava deliberadamente.Estava sentado numa pequena elevação da popa. Logo o continente surgiria em meio à neblina, e então eu estaria seguro.Dormir costumava ser um desafio para mim, mas agora que tudo estava acabado, que o calor se dissipava e o ar não tinha mais gosto de confinamento, toda a tensão das últimas três semanas cobrava seu preço. Assim, quase sem perceber, resvalei para uma inconsciência condigna, um descanso vitorioso após tantas formas de vigília.No meu repouso, eu via tudo. A ponte se movendo como um gigante inquieto, fazendo-me pender acima do abismo; as balas de
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DELOS: I. A Seleção Natural
O progresso era irrevogável; disso eu sabia e fazia questão de me lembrar. Mesmo as civilizações mais primitivas, os mecanismos mais rudimentares, os organismos mais incomplexos, todos estavam destinados a alcançar o progresso, ou morrer pelas mãos daqueles que o alcançaram primeiro. Eu sempre pensara assim, mesmo ao estar por baixo. Tivera uma infância difícil, sendo o primogênito de uma mulher conservadora, mergulhado em ideologias retrógradas. Aos quinze anos fora proibido de recorrer às cirurgias da idade, posto que para ela "a verdadeira beleza estava no interior".Com efeito, o Núcleo agregava tudo o que podia satisfazer o homem. Tínhamos todo o conforto, a beleza e o prazer existentes. Podíamos obter tudo o que tocássemos ou víssemos. Afora, é claro, quando lidávamos com rebeldes: criaturas asquerosas, sempre tentando "ver além do mo
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Capítulo Três
A grande muralha de rochas se alteava à nossa frente. Era uma parte da Colmeia, vista por um ângulo raro. Um amontoado de terra, montanhas muito altas. Em seu cume, províncias existiam, isoladas e dissociadas umas das outras. Elas se organizavam como um arquipélago circular, seis montes cruzando o céu; no centro de todas, o Núcleo estendia suas pontes para cada província, como os aros de uma roda.Eu nunca havia percebido o quanto vivíamos acima do mar. As águas nas quais velejávamos eram as mesmas que banhavam os rochedos abismáticos à base de toda a Colmeia. Isso explicava o cheiro salgado que podia ser sentido na guarita, à altura da ponte, de onde tudo o que se via era o precipício abaixo. Podíamos somente enxergar o pico iluminado pelas luzes da cidade, as pedras eram manchas escuras deduzíveis ao farol do barco.A embarcação se aproximou ca
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Capítulo Quatro
— Não — falei. — Isso é muito conveniente.— Conveniente? — perguntou Kaira.— Se tudo tivesse saído como planejado, ninguém teria percebido nossa fuga da ilha. Ninguém saberia que estamos aqui. Ninguém esperaria que entrássemos na cidade. Agora recebemos uma ligação anônima. Isso só pode ser uma armadilha. É conveniente demais.Comecei a andar de um lado para o outro, olhando para o chão.— A mulher disse que era uma velha amiga tua — mencionou Kaira. — Deu a entender que vocês se conheciam.Sacudi a cabeça.— Mais um motivo para desconfiarmos. Se eu a conheço mesmo, por que ela não disse o nome dela?Alve olhou para o alto mais uma vez, observando à distância o cume da ladeira.— Ela disse que a Corte nos encontrará logo, logo
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Capítulo Cinco
Sua aparência era exatamente como eu me lembrava, só que seus cabelos castanhos curtos estavam emplastrados na cabeça, e ela não vestia seu usual uniforme azul-claro. Suas bochechas eram ossudas e o nariz fino, pontudo. Era incomum ver a Assistente 44 em qualquer lugar senão nos corredores cromados da sede.— Fique longe de mim! — ordenou a mulher, apoplética.O que aquela mulher estava fazendo ali? Por que estava vestida daquele jeito?Ela havia sido uma das primeiras pessoas a se reportarem diretamente a mim quando eu chegara ao Núcleo. Lembrava-me de ter sido escoltado por um guarda de neoprene até ela; a assistente se apresentara como 44, esticando sua mão com luva de látex para me cumprimentar, abrindo um sorriso largo de dentes brancos e retificados como eu poucas vezes havia visto até então. Ela me conduzira, semanas atrás, por todo o processo ao qual eu
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Capítulo Seis
O cansaço começava a se tornar impossível de ignorar. O cochilo que eu tirara a bordo do barco não havia sido suficiente. Essa vinha sendo uma noite longa. Sentia o peso do sono nos meus olhos.A Assistente 44 cruzou as pernas e aguardou com uma expressão séria no rosto. Kaira mal esperou que a mulher terminasse de falar e já se levantou, indo em direção ao banheiro. Alve continuou onde estava, com uma caneca em cada mão, um bigode de chantili sob o nariz, alternando o olhar entre mim e a assistente. Meio minuto se passou sem que ninguém se movesse, até que o rapaz entendesse a mensagem de que Reina gostaria de falar comigo a sós.Ele apontou com a caneca na direção da cozinha e foi andando para lá.Tomei uma cadeira e me sentei de frente à assistente. Ela deu um gole em sua bebida e me estudou por um minuto. A exaustão ficava cada vez ma
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Capítulo Sete
Meus olhos arderam.— Margon — murmurou Reina —, sinto muito. Todos estamos fazendo sacrifícios.Ela tinha razão, e eu sabia disso. Mas, para sua alegria, ela ao menos estava livre, podia voltar para casa. Aliás, isso era uma coisa que todos podiam fazer, um direito do qual apenas páuperes eram privados.Lembrei-me de Benjamin mais uma vez. Até mesmo ele estava numa situação melhor que a minha. Havia sido usado como um recurso nos planos arquitetados pela assistente, sem nunca perceber que tinha pouca autonomia sobre a situação. E agora provavelmente respirava aliviado, achando que a situação estava resolvida, que eu havia retornado para minha terra de origem, sem jamais imaginar o verdadeiro desdobramento dessa história.Remeti-me ao que Reina havia falado durante o telefonema; dissera que Benjamin também se tornava um foco da Corte. Ele nã
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LENA: II. Estranhos
Eu nem imaginava por onde começar a procurar, a cidade era mesmo muito grande. Mas Simas tinha que estar lá em algum lugar, e, uma hora ou outra, acabaríamos nos encontrando. Tudo aqui parecia um sonho, mas daqueles bem doidos em que nada faz sentido. Os prédios pareciam árvores prateadas que usavam chapéu, uma delas até tinha um anel dourado que ficava girando e girando. Os carros eram diferentes dos da província, lembravam mais bolinhas de gude do que qualquer outra coisa. Eles passavam pelas ruas sem fazer barulho, e alguns pareciam não ter motorista. Senti cheiro de pipoca doce no ar. Não sabia se era realmente pipoca, já que tudo aqui tinha cheiro de doce… e algumas coisas até pareciam guloseimas. Uma mulher passou perto de mim com uma coisa na cabeça que mais parecia uma jujuba azul. As roupas deles eram tão dif
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Capítulo Oito
Alve apareceu na sala com um pacote de alguma coisa comestível na mão. Olhava para mim com curiosidade, mastigando seu lanche crocante. Reina havia acabado de me deixar.— Espero que não se importe de eu ter escutado tudo — falou ele, de boca cheia. — Essas paredes não são tão grossas quanto parecem.Foi justamente quando Kaira saiu do banheiro, vestindo roupas limpas, secando os cabelos molhados com uma toalha de rosto. Tinha um semblante relaxado. Atrás dela, vapor de água escapava por entre a abertura da porta.Meneei a cabeça para Alve. Eu não conversaria sobre nada disso agora. Passei por Kaira e entrei no banheiro.As paredes e o chão eram todos revestidos de azulejos brancos e azuis. Tomei banho, pela primeira vez descobrindo um chuveiro que mais parecia uma cascata; lembrava os esguichos fortes que eu tomara assim que havia chegado ao Núcleo, jorr
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