Benjamin se inquietou:
— São discos de dados?
Reina fez que sim.
— Mas não quaisquer discos de dados.
O rapaz se aproximou e esticou a mão com a intenção de pegá-lo, mas Reina apenas abaixou o objeto e o devolveu de volta à caixa acolchoada.
— O que é isso? — eu quis saber.
Benjamin respondeu:
— Um dispositivo que antigamente era usado para transportar dados digitais. Hoje em dia, armazenamos informações nas redes de compartilhamento, mas alguns computadores ainda podem ler esse tipo de disco.
A assistente passou as mãos pelas bordas da caixa aveludada como se a acariciasse.
— Séculos atrás, depois da queda das civilizações e da Grande Emersão, os satélites artificiais não funcionavam mais, e, durante muitos anos, a humanidade teve que recorrer a m&eacu
Apenas três coisas no mundo faziam com que eu perdesse plenamente a compostura; e, por uma ironia do universo, eu vinha lidando com todas elas nas últimas semanas: trabalhos malfeitos, minha credibilidade posta em dúvida e Donovan Hassan — o Imperador de Továren. Eu detestava aquele homem e sabia que a recíproca era verdadeira.Nossos países tinham uma relação sensível. Guerras haviam sido travadas no passado, e quando Továren finalmente conquistara sua independência, isso acabara sendo um golpe doloroso para a economia da Colmeia. Em algum ponto, havíamos estabelecido tratados comerciais, razão pela qual nenhum outro embate formal voltava a acontecer; isso não significava, entretanto, que os ânimos eram amigáveis entre nós. Desde que Donovan assumira o trono de Továren — e considerando que as Eleições Mundiais ocorreriam ainda d
O prédio da sede era tão alto quanto um arranha-céu. Estendia-se soberano diante de mim, usando as nuvens baixas e o céu matinal como pano de fundo. A movimentação de pessoas era bem menor nessa área da cidade, uma alameda fechada que servia de lar para um complexo de construções brancas, idênticas umas às outras, exceto por seus arcos e janelas de vidro espelhado.Há uma hora, eu havia decidido que me entregaria, que faria o que a Corte esperava de mim. Caminhei com passos firmes em direção às portas duplas do prédio, mas não tive tempo de subir as escadas de concreto claro, pois os guardas de neoprene que protegiam a entrada principal se manifestaram. Havia meia dúzia deles. Lançaram-me um olhar invisível por trás do visor do capacete, um deles levou as mãos ao coldre, e um outro sacou sua arma. Levantei as palmas no ar, mo
Toda a situação pareceu caminhar para o êxito, mas por pouco tempo. Estávamos no auditório de transmissões quando o pronunciamento das três da tarde foi interrompido e substituído por alguma outra coisa. Os murmúrios começaram a ganhar volume.Olhei para a Magister e não vi o júbilo de minutos antes. Em vez disso, ela tinha um semblante lívido.Eu me reconhecia nas telas, eram imagens recém-gravadas. Mas nossa conversa não deveria ter sido gravada, as câmeras serviam apenas para vigilância, e somente em casos especiais eram usadas para registrar. A Magister nunca ordenaria que uma discussão tão delicada quanto a que tivera com o bronco fosse guardada em vídeo. Desse modo, como aquelas imagens podiam estar sendo reproduzidas?Scylla superou o choque e agiu. Subiu no estrado, empurrou a câmera para o lado e se inclinou
Durante o pronunciamento, um alvoroço rebentou na sede. Pude assistir o suficiente apenas para supor o que mais seria mostrado, e então muitos deixaram a sala às pressas, inclusive a Magister e Delos. Um guarda me levantou da cadeira com um puxão e me arrastou de volta à sala no quinto andar.Encostei-me na parede. A tensão ainda me mantinha ativo. Logo descruzei os braços e comecei a perambular.Nem tudo o que vinha acontecendo havia tido planejamento prévio. O intuito era induzir Scylla a falar sobre os projetos do Núcleo, o descaso com que os páuperes sofriam, a realidade das províncias e a maneira como éramos tratados no Simulador. Para minha surpresa, eu havia conseguido bem mais do que isso: uma declaração sobre a visão que a Corte tinha sobre os habitantes da Colmeia, ameaças de morte e uma cena sangrenta que dificilmente sairia da cabeça de que
Eu ainda olhava para fora. Delos acabara de sair.Havia poesia em tudo o que vinha acontecendo. A melhor maneira de evitar uma tragédia era impedindo que houvesse meios para que ela se instalasse. Eu não podia dizer que era repentino. A relação da Colmeia com Továren nunca foi das melhores, os movimentos insurgentes nunca deixaram de espreitar; e então vieram os transgressores, causando perturbações e fugindo da justiça. Essa era a equação perfeita que resultava em todo o mal que enfrentávamos agora. O que eu não supusera, no entanto — e talvez muita coisa tivesse sido diferente caso eu houvesse previsto —, era que uma agitador estava entre nós, um membro da Corte habilidoso e cheio de recursos.Agora havia aquelas pobres criaturas lá embaixo; se ao menos percebessem o prejuízo que vinham causando…Eu não podia culpá-lo
O silêncio na sede era sepulcral. Uma vez que a costumeira andança de mulheres e homens de jaleco havia cessado, os únicos sons que ecoavam por aquelas paredes eram os de meus passos e respiração ofegante.Eu precisava descer mais alguns andares até alcançar o cerne de tudo. Encontrei o elevador sobre o qual Reina me informara. Suas portas metálicas eram cromadas e refletiam uma imagem distorcida de mim. Por um instante, quase pude ver aquele velho Simas, sob a carapaça que costumava usar para se esconder.As portas se abriram. O interior era amplo. Entrei e pressionei o botão para o nível mais baixo que constava no painel, o lugar onde as raízes da Corte se prendiam. O elevador se sacudiu antes de começar a se mover para baixo.Fechei os olhos e puxei o ar lentamente. Meu coração dançava num ritmo inconstante, ora venturoso, ora amedrontado.&md
A conversa havia acabado.O rosto de Reina era um alvo fácil. Por um instante, desejei adiar o momento, apenas para contemplar seu desespero. Todas as suas palavras insubordinadas, seus ideais absurdos… Ela merecia morrer.Foi assim que puxei o gatilho. O que aconteceu, entretanto, estava longe de ser o que eu esperava. Esse foi o instante exato em que uma terceira bomba nos acertou. O efeito foi muito maior dessa vez, como o de um terremoto, empurrando-me para o lado. Com a mão livre, segurei-me na mesa para não cair. O tiro acertou a parede do outro lado da sala.Um segundo antes que eu voltasse a mirar na assistente, ela investiu. Reagia depressa. Segurou meu pulso com ambas as mãos e o empurrou com força contra a superfície da mesa, garantindo que o cano apontasse para outra direção senão a dela; esforçava-se para torcer meu pulso. Recobrei meu equilíbrio, mas agora est&aacut
Começava a anoitecer, e o céu tinha uma cor avermelhada bonita. Eu tinha ficado tanto tempo dentro daquele lugar que nem sabia que horas eram. O ar do lado de fora era um pouco abafado, mas não era o clima ou a paisagem o que me chamava a atenção.Um monte de pessoas se reunia pra gritar. Era que nem na Festa da Grande Emersão, com um monte de gente junta, mas um pouco diferente, porque pareciam estar com raiva de alguma coisa. Ou de alguém. Talvez tivesse alguma coisa a ver com o que meu irmão e aquele menino tinham conversado lá dentro.Simas tinha dito pra eu confiar no menino, mas eu estava com medo. E se a mamãe estivesse certa, e todos daquele lugar fossem maus? A pele de Benjamin era macia; ele me lembrava uma boneca que uma amiga minha tinha, toda bonitinha. Eu queria ser igual a ele. Meu irmão confiava nele. Eu ia dar uma chance pro garoto.