Chloë
Um ano antes...
— O que você quer que eu faça Dora?! Não posso negar essa responsabilidade! Você acha que isso seria o ideal para a nossa família? Acha que poderíamos conviver com isso depois de simplesmente ignorar toda essa situação?
Jony me encarou com um sorriso nervoso nos lábios. Estávamos parados no meio do corredor em frente a porta do seu quarto enquanto seus pais gritavam no andar de baixo do seu apartamento duplex na cobertura, acusando-se um ao outro pela inoportuna surpresa que aquela mesma semana havia ido parar na porta do prédio dos Sullivan.
— Eles provavelmente deixarão de discutir em breve.
Jony parecia deslocado. Dora e Andrés Sullivan não eram do tipo de casal que iniciava uma briga no meio da sala de estar quando a namorada do filho estava de visita em casa.
Sorri esperando que com isso ele entendesse que estava tudo bem. A situação não era nada agradável e tudo o que eu queria fazer era poder sair correndo dali para cuidar da minha própria vida, mas permaneci e mantive minha expressão neutra. Jony não precisava que eu me assustasse ainda mais que ele naquele momento, então só segurei sua mão e a apertei forte contra a minha esperando com isso confortá-lo.
Foi assim que Gab entrou na nossa vida... No meio de gritos e acusações, enquanto o mundo perfeito de Jony desmoronava.
Foi então que comecei a ver as cores.
Quando os gritos finalmente cessaram me apressei para juntar minhas coisas do chão do quarto do Jony. Mochila, canetas, apostilas, anotações. Estávamos apenas na segunda semana de aulas e Jony havia prometido me arrebatar o primeiro lugar aquele ano. Eu não permitiria isso. Éramos verdadeiramente competitivos em quase tudo e posso dizer que nos divertíamos assim.
Havia guardado todo o meu material às pressas colocando a mochila nas costas e dando um rápido beijo em Jony antes de voltar ao corredor rezando para que seus pais tivessem desaparecido da sala de estar como que por um milagre. Eu não gostava de situações desse tipo. Nunca sabia o que dizer. Não era boa consolando as pessoas. Eu não era boa dizendo que tudo ficaria bem.
Estávamos na metade do corredor quando ele apareceu.
Um óculo de sol de armação quadrada estava pendurado na gola da sua camisa vinho sem estampa. Sua calça jeans era escura e se ajustava a sua cintura, haviam rasgos no joelho dos dois lados e nos bolsos. Uma jaqueta jeans clara estava apoiada sobre a alça da enorme mala de viagens e em um de seus ombros pendia uma mochila.
Havia um anel escuro de madeira no dedo anelar esquerdo e uma pulseira de couro de tira negra e fina com um pingente com o símbolo do infinito em seu pulso direito.
Seus olhos eram confusos. Muitos tons entre o azul e o negro. Desviei meus olhos para uma marca roxa no pômulo direito que contrastava com a sua pele clara e um corte recente perto da sobrancelha, indicando que o que quer que tivesse acontecido não fazia muito tempo. Uma pequena e fina argola prateada ajustava-se no lado direito do seu nariz.
Seus olhos me encontraram e desviaram-se quase que instantaneamente, como se eu fosse invisível assim como Jony, que evitou qualquer tipo de contato visual.
Jony apertou minha mão enquanto avançávamos e descíamos as escadas até o primeiro andar, como se a pessoa a nossa frente fosse somente um espectro. Algo que havia aparecido e que desapareceria, se ele ignorasse o suficiente. Mas seu perfume me seguiu em cada degrau enquanto eu me afastava. Amadeirado, fresco e inoportunamente peculiar.
Aquela noite o céu estalou em uma tormenta que os jornais comentaram durante semanas.Foi assim, em uma noite de tempestade, que Gab entrou nas nossas vidas.
Eu deveria ter previsto.
Sonhei com cores depois disso.
Chloë— Estamos totalmente ferrados! O ambiente é um caos, as vezes parece a guerra fria. Meus pais quase não se falam. Tudo está uma maldita droga!Observei enquanto Jony abria o pacote de biscoitos recheados e levava um à boca, apoiando em seguida a cabeça nas mãos, bagunçando seus fios de cabelo loiro, antes perfeitamente penteados, em todas as direções.— Acho que as coisas apenas... Resultaram ser dessa maneira. Você terá que buscar a forma de conviver com isso.Encarou-me transtornado, fitando-me com seus translúcidos olhos azuis.— Chloë, essa é uma maneira muito distante de observar as
ChloëA semana não foi nada menos que intrigante e certamente desconcertante de muitas maneiras. Fingíamos não nos conhecer, e de fato era assim, embora eu soubesse exatamente quem ele era. Era o caos e a tempestade que havia caído inesperada e torrencialmente sobre a família de Jony. Ele era a pessoa que estava fazendo com que meu namorado estivesse passando por um momento difícil, era o segredo que sua família havia ocultado tão bem durante anos e que veio à tona da forma mais explosiva possível, ameaçando terminar com um casamento de anos. A senhora Sullivan havia suportado a traição do marido, havia concordado com o registro do filho
GabInsossa, insípida, maçante. Era absolutamente frustrante passar todas essas horas, cinco dias da semana, sentado ao lado de alguém que tinha absoluto fanatismo pela perfeição, alguém que não enxergava nada além de tons básicos.Observei sua camisa do uniforme perfeitamente passada, seu jeans caro na medida certa, seus cabelos soltos, dourados, longos e retos. Eles cheiravam a frutas e a shampoo.Seu gloss brilhava transparente sobre seus lábios cor de rosa. Seus olhos esverdeados lutavam por manter uma distância prudente de mim. Era engraçado observar como seu corpo tencionava diante de qualquer ínfimo movimento meu a
ChloëAcomodei a calça apenas para ocupar as mãos enquanto caminhava a sua frente visivelmente perturbada. Arrumei o moletom e subi seu zíper até o pescoço enquanto as nuvens cinza assomavam-se sobre nossas cabeças como si se aproximassem mais a cada passo.Não ousei olhar para trás para comprovar se ele estava seguindo meus passos. Eu desejava fortemente que não estivesse. Que tivesse desistido ou se distraído pelo caminho.Meu celular apitou no bolso do moletom pela quadragésima vez. Observei preocupada o histórico de mensagens que havia trocado com Jony desde o momento em que havia despertado aquele mesmo dia. Não podia culp&aa
ChloëPressionei o botão invisível na minha cabeça que me desligava, que respondia a comandos quase instintivos e que me levava para longe dali, mesmo que eu não estivesse me movendo em absoluto.Um quadro, uma estátua, uma obra de arte inerte que perderia sua beleza no futuro.Sua testa franziu e seus lábios formaram um meio sorriso curioso enquanto os flashes me cegavam e eu mantinha a expressão quase nula no rosto pintado. Havia uma mescla de dúvida e diversão em sua expressão que me fez sentir ainda mais incômoda enquanto ele se apoiava na parede e cruzava os braços sobre o peito, me observando sem dissimular.En
GabNão havia cor em seu rosto e a calça de moletom um pouco grande demais com o casaco que fazia jogo indicava sua falta de disposição para aquele dia.Eu também não me encontrava exatamente feliz. Espera ansiosamente que as horas passassem com a velocidade da luz e que jamais ocorresse a nenhum outro professor uma tarefa sem sentido como aquela.Se tivesse que passar por isso de novo no futuro reprovaria.Observei seu tênis Nike branco e o capuz por cima dos cabelos despenteados e ela me olhou como se pudesse atravessar meu crânio com tão somente uma mirada.— Você é um maldito galo? — Perguntou enquant
ChloëCores...Tantas... Tão brilhantes... pareciam infinitas. Como se ao mesclar uma com a outra eu pudesse continuar criando cores novas que ainda não tinham nome, que ainda não tinham sido descobertas.Observei aquele pequeno lugar no mundo e uma sensação de nostalgia que jamais havia sentido antes me invadiu por completo. Era como se já tivesse estado ali antes, embora estivesse bastante segura de nunca ter pisado em um lugar assim.Minhas mãos estavam sujas de tinta, meus tênis abrigavam todo o tipo de mesclas e tons que eu jamais tinha usado antes. O pincel pendia entre meus dedos enquanto eu observava com estranheza aquela paisagem tão reconfortante a minha frente.
ChloëEu estava tremendo e não saberia dizer se era pela febre que obviamente começava a se apoderar do meu corpo ou se era o torpor que essa pergunta havia causado em ambos.— O que...— Sua expressão de desconcerto me atemorizou, como se não pudesse entender ou não quisesse entender tal pergunta. Seu semblante, até então ameno, se tornou sombrio e distante.Neguei antes que seus lábios pudessem completar a frase. O que eu tinha acabado de dizer? De onde tinha surgido essa sensação absurda?Gab me segurou pelo pulso e me arrastou até o quartinho nos fundos do restaurante a fim de evitar que nossa conver