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Por: Tay Lopes
Prólogo

                                                            Chloë

(Rio de Janeiro )

Minha cabeça girava enquanto eu submergia em um estado caótico entre o sono e a embriagues.

Eu nunca bebia e testemunhas dirão que jamais haviam me visto chegar a essa hora em casa.

Meu mundo dava voltas e meu estômago protestava. Eu provavelmente vomitaria a qualquer momento. Meu senso de direção estava totalmente afetado. O tecido suave do meu vestido roçava no jeans da jaqueta dele. Minha cabeça repousava em seu ombro enquanto ele me levava nas costas como eu costumava pedir para o meu pai me levar quando eu era criança. Suas mãos em minhas pernas, sujeitando-me firmemente contra si dando-me uma sensação se segurança nostálgica ao poder fechar os olhos e saber que eu estava a salvo, que havia alguém ali.

Resmunguei algo que esperava ser uma forma eloquente de protesto. Eu era boa nisso. Era ótima em discussões, em expor minha opinião, em expressar meus ideais.

Mas quando se tratava dele eu era todo o contrário.

Patética e torpe.

As vezes o odiava por isso e muitas outras coisas.

Quando se está no último ano do ensino médio, você acredita ter tudo sob controle. Logo será uma universitária, logo passará a dedicar seu tempo estudando o que realmente importa para sua carreira no futuro.

Um fim e um começo promissor repleto de novas oportunidades.

Eu estava disposta a aproveitar cada uma delas.

Foi exatamente nesse último ano, quando meus sonhos dançavam na minha frente depois de tudo o que eu havia feito para alcançá-los - tão perto que eu quase podia tocá-los - que tudo mudou.

Eu era perfeita em quase tudo.

Dizem que quando mais alto voamos maior é a queda.

Eles estavam certos.

— Onde estão as chaves? — Sentou-me sobre a cadeira de balanço na varanda de casa e me observou, aprisionando-me naqueles absurdos olhos em tons de azul escuro.

Balbuciei algo que nem eu mesma poderia entender, embora estivesse segura de que era um insulto, mas fui ignorada. Senti seus dedos roçarem levemente no bolso do meu casaco. Desejei que permanecessem ali por mais tempo. Mas era claro que ele não ficaria. Eu em seu lugar também não poderia ficar e isso era algo que me corroía por dentro admitir.

Deus eu estava enlouquecendo!

Levantei-me com dificuldade e dei alguns passos inseguros na direção da porta, que agora estava aberta.

— Você pode dar o fora agora. Você já está indo mesmo... — Minha voz havia assumido um tom desagradável e escorregadio. Embora eu sentisse que seguia avançando, parecia não conseguir sair do lugar. Apoiei-me contra a parede e a parte racional que restava de mim exigiu a gritos que eu recuperasse a compostura. — Você tem que ir embora está me ouvindo? É melhor fazer isso o quanto antes ou jamais te deixarei ir, não importa o motivo!

 Segurou minha mão ignorando meus protestos e me arrastou para dentro de casa, deixando que meu corpo caísse pesadamente no sofá da sala.

Sentia-me como se cada parte de mim pesasse cem quilos e o contato com o estofado macio do sofá da minha mãe me fez relaxar por um momento.

Observei sua sombra afastar-se sob a luz dos postes que entrava pela janela e desaparecer na porta que ligava nossa ampla e aconchegante sala à cozinha.

Sentia que minha cabeça provavelmente explodiria em mil pedaços quando um líquido doce e tíbio com sabor a frutas tocou meus lábios.

— Eu disse pra você ir embora... — Minha voz não era mais que um sussurro. Aquelas palavras, que eu tinha certeza que não queria dizer, me machucavam e arranhavam a minha garganta. Contudo, não pude encontar a parte racional de mim que me faria parar.

— Irei assim que você terminar de beber isso.

— Eu te odeio...

— Eu sei.

Senti sua mão sobre minha testa, afastando os fios de cabelo colados no meu rosto transpirado e quente.

Eu odiava a forma como ele conhecia essa parte de mim. Essa parte imperfeita e incongruente que não parecia pertencer a melhor aluna da escola, que não parecia em nada com a Chloë que havia ganhado medalhas de estudo em inúmeras matérias e que havia aplicado para uma beca completa em várias das melhores universidades do mundo. Essa Chloë não se parecia em nada com a que recebia elogios afetuosos dos seus pais. Não se parecia a Chloë expressiva e segura admirada por todos os seus companheiros de classe. Não se parecia a Chloë que havia namorado o capitão do time de futebol da escola... Essa era uma Chloë diferente, e muitas vezes, por mais que eu odiasse admitir, era uma Chloë mais real.

Apoiou o copo na mesa de centro a nossa frente e correu até o andar de cima voltando com uma manta e um travesseiro. Ligou a TV e colocou no canal de desenhos diminuindo o volume enquanto tirava meus sapatos de salto e acomodava minhas pernas sobre o sofá.

Tapou-me com a manta e acomodou minha cabeça no travesseiro. Esperou que eu fechasse os olhos... Esperou que minha respiração agitada se estabilizasse.

Escutei o som quase nulo da porta da frente ao abrir-se.

— Já sinto sua falta. — Talvez fosse o álcool, talvez o sono, talvez os estilhaços que pareciam povoar minha cabeça pressionando minha testa e impedindo que eu me movesse. Abri os olhos e vi como seu corpo permaneceu imóvel diante do som da minha voz e do significado daquelas palavras. — Por favor... Fica só por hoje...

O tempo entre minhas palavras e o movimento da porta ao fechar-se pareceu eterno. Sentei-me com dificuldade no sofá e observei seu rosto pálido, seus olhos de um azul invasivo que me observavam com atenção e certa reticência. O contorno dos seus lábios e a pequena argola no nariz arrebitado. Seus cílios longos e escuros e a forma desordenada como ele arrumava o cabelo. Seu jeans escuro desgastado aqui e ali. Sua jaqueta negra e a camisa branca e lisa por baixo dela. Observei como seu corpo todo se tencionava sobre o toque dos meus dedos em seu rosto.

Aquilo não era certo.

Eu não podia pedir que ele ficasse. Eu sabia por que ele estava indo embora. Eu sabia que ele precisava ir. Contudo, não suportava vê-lo partir.

Tocou minha mão sobre seu rosto e aproximou-se lentamente de mim.

Eu não me movi.

Beijou com suavidade o canto dos meus lábios e senti meus olhos fecharem. Seu nariz roçou meu pescoço, suas mãos afagaram meus cabelos despenteados escorregando até minha nuca.

Minha respiração acelerou.

Meu coração saltou inquieto, ansioso.

Meu corpo estremeceu sobressaltado.

Seus lábios finalmente encontraram os meus. Sua língua acariciou a minha, um ardor já conhecido percorreu cada parte do meu corpo e desejei poder parar o tempo, o desejei mais perto e desejei que ele não estivesse me dizendo adeus.

Aferrei-me a sua camisa puxando-o sobre mim.

Senti suas mãos sobre as minhas, livrando-se suavemente do meu aperto enquanto ele se levantava e partia fechando a porta silenciosamente atrás de si.

                                                   

                                                   ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥

Me chamo Chloë Dantas. Tudo o que você precisa saber sobre mim pode ser resumido em uma única folha de caderno com alguns pontos em negrito.

Eu não fumo.

Eu não bebo e tenho meus motivos, só que decidi guardá-los tão fundo que às vezes consigo até mesmo esquecê-los, ainda que um segredo nunca possa ser mantido nas sombras pelo tempo que a gente gostaria.

Estou rodeada de pessoas que chamo de amigos, embora saiba que não posso confiar em nenhum deles.

Tenho mais medalhas de méritos estudantis do que posso contar. Boa parte delas se encontram dentro de uma caixa na minha estante, embora meus pais tenham insistido inumeras vezes que eu deveria transformar meu quarto em um museu onde eu passaria horas olhando todas aquelas medalhas para não perder o foco de onde meu futuro promissor me levaria.

Sou líder do grêmio.

Líder dos projetos extra curriculares da escola.

Namorei (sim isso já é passado) desde o primeiro ano do segundo grau com o capitão do time de futebol (sim é um tanto clichê). Ele é o segundo aluno com as melhores médias da escola.

Meus pais são advogados e possuem seu próprio escritório em uma zona bastante movimentada do centro. Nossa vida é cômoda e não temos problemas financeiros.

Minha melhor amiga tem 68 anos e trabalha na nossa casa desde que eu tinha 4.

Sou ótima em debates, direta, teimosa.

Um objetivo?

Terminar o último ano do segundo grau, me mudar pra França e entrar na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts.

Posso ser um pouco fria com as palavras, mas eu transbordo em linhas difusas e tons.

Suponho que cada um pode ser considerado uma arte em si.

Geralmente me custa entender a maioria das pessoas então eu as pinto. Suas almas em pinceladas, jogadas contra o papel branco, escorrendo entre meus dedos, desvelando-se ante meus olhos.

Jamais usei qualquer outra cor em meus quadros. A maioria das pessoas são brancas e negras em seus diferentes tons.

Não havia ninguém que sobressaísse entre os tons neutros da minha vida.

Então ele chegou.

E eu o odiei por isso.

Meu eterno quadro multicolor.

Seu nome é Gabriel Sullivan.

Ainda me lembro da primeira vez que o vi.

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