Capítulo 2

Rosa

Fui diretamente falar com o meu advogado e tive uma ótima notícia: finalmente consegui mudar os laudos que minha avó tinha feito, dizendo que eu não tinha capacidade de cuidar do meu próprio dinheiro.

Finalmente saiu o resultado da minha pós-graduação. Eu queria estudar no México, onde morei há alguns anos e sou apaixonada, mas acho que chegou a hora de voltar para minhas raízes. Estou tentando voltar para Buenos Aires.

Eu nem acreditei quando vi que consegui a vaga.

— Parabéns, Rosa — disse meu professor Gabriel, com os olhos brilhando de orgulho. — Você conseguiu a vaga, e a concorrência estava acirrada.

— Obrigada, professor. Nem acredito que vou voltar para a Argentina — falei, tentando conter as lágrimas de emoção que ameaçavam cair. Meu coração batia acelerado, uma mistura de excitação e alívio.

— Sei que você está bem empolgada, e é muito bom te ver sorrir. Eu sei que você só fez trabalhos como estagiária, e você precisa de vivência em sala de aula. Por isso, te indiquei para um colégio tradicional para meninas...

— Colégio de meninas? Essas coisas ainda existem? — perguntei, e ele sorriu.

— Sim, é um colégio bem tradicional, onde só estudam meninas de boa família...

— Quando você diz "boa família", você quer dizer famílias com muito dinheiro? — odeio esses termos. Afinal, uma família humilde não é uma boa família. E, na verdade, eu vejo que essas "boas famílias" não são tão boas assim.

— Sim, então eu mandei o seu currículo e eles ficaram impressionados. Afinal, isso vai te ajudar a se manter lá sem precisar ficar se humilhando para sua avó.

— Mas você falou que eu... — fiquei toda sem jeito. Ele é o único professor que sabe das minhas limitações.

— Sim, eles sabem que você não tem uma das suas pernas, mas também sabem que você faz tudo e se locomove muito bem com a prótese, e nem parece.

— E o que eles falaram?

— Que você é uma das possíveis professoras e precisam que você esteja lá amanhã mesmo — ele falou, receoso.

— Muito obrigada, vou comprar as passagens hoje mesmo. Muito obrigada pela oportunidade — falei, o abraçando.

— De nada, você merece muito — ele falou, sorrindo.

Então fui correndo comprar minha passagem para não ter chance de desistir.

Cheguei em casa disposta a arrumar minhas malas e ir embora hoje mesmo. Sei que pode ser louco, mas estou cansada de todos os dias ser o saco de pancadas da minha avó. Porém, antes, veio a parte mais difícil: me despedir das minhas irmãs.

Chamei-as, aproveitando que minha avó tinha saído para fazer compras com suas amigas.

Minhas irmãs estavam todas na sala.

— O que aconteceu, Rosa? — a Rosângela perguntou, sorrindo.

— Eu comentei com vocês que estava tentando uma vaga na universidade da Argentina — falei, meio sem jeito. Odeio ter que me afastar delas novamente. Elas me olhavam com atenção. Ramona, minha irmã mais nova, já sabia da minha decisão, mas tinha que contar para as outras. — Bom, eu passei e vou fazer minha pós-graduação em Buenos Aires. Então, vou voltar amanhã mesmo.

— E o que você quer que a gente faça? Dar os parabéns? Então, eu dou. Parabéns — a Rosário falou, seca.

— Sei que você está seguindo seu coração, Rosa, mas vamos sentir muito sua falta — disse Rosângela, sua voz tremendo ligeiramente. — E vai ser melhor assim. Ninguém merece ser tratada da forma como a vovó e a Rosário te tratam. Eu só espero que você seja feliz e pare de sentir tanta culpa. Você é uma pessoa maravilhosa, minha irmã — ela falou, me puxando para um abraço apertado. Senti a Ramona se juntando a nós, e o calor e conforto de suas presenças me deram forças para seguir em frente. — Eu queria ir junto.

— Então vamos?

— Eu não posso largar a faculdade, mas prometo que na primeira oportunidade eu vou te visitar.

— O que está acontecendo aqui? — minha avó perguntou, ríspida e grossa.

— A aleijadinha vai fazer a pós dela na Argentina. Acho que ela quer visitar as vítimas dela, né? Afinal, é lá que meus pais foram enterrados — a Rosário falou com ódio, e eu segurei as lágrimas.

— Eu não gasto mais um real com você, sua aleijada. Sabe, não sei nem para quê eu gasto dinheiro com essas coisas. Você nunca vai ser nada, nunca vai ter nem sequer uma família. Vai morrer sozinha pedindo esmola — ela falou, tentando me jogar no chão, mas Rosângela e Ramona me seguraram.

Eu queria gritar que ela não tinha nada e que todo o dinheiro que ela esbanja por aí é unicamente meu. Que, se eu quisesse, ela passaria fome. Mas, em vez disso, falei:

— Eu não pedi dinheiro, vovó. Eu vou dar um jeito... — respondi, tentando manter a calma.

— Vai vender o seu corpinho — ela retrucou com um sorriso cruel. — Mas vai ter que dar um desconto na perna.

— Não, vovó. Eu vou trabalhar, e eu tenho o meu dinheiro. Você pode até controlar 25%, mas o restante é meu — quando falei, ela me deu um tapa na cara.

— Como você ousa me desrespeitar assim — ela falou com raiva.

— Eu não preciso que você tome conta do meu dinheiro, e eu vou estudar e vou voltar para a Argentina...

— Por mim, esse avião deveria cair. Afinal de contas, você não deveria estar viva — ela falou, e me retirei, indo para o meu quarto.

Minhas irmãs até bateram na porta, mas aqui mal tem espaço para mim, então só pedi para elas irem embora.

Arrumei minha mala com cuidado para não esquecer nada importante.

— Vamos voltar para casa, Sapolino — falei com o meu sapo de pelúcia. Eu tenho ele desde que me lembro por gente. Meu pai me deu quando eu era bebê, e por incrível que pareça, ele ainda tem o cheiro dele.

Eu não vou para a minha casa de infância, já que minha avó a vendeu há muito tempo. Mas temos um condomínio de 10 andares e já falei com os advogados. Tem um deles vago e, por sorte, já está todo mobiliado.

O apartamento fica muito bem localizado e não é muito longe dessa tal escola para meninas. Também não é muito longe da universidade, então fica perfeito. Se eu conseguir o trabalho, vai ser maravilhoso.

Depois de arrumar as malas e checar que está tudo ali, eu já estava pronta. Meu voo ia sair às 15 horas e já são 11:50, então não posso me atrasar. Como comprei as passagens em cima da hora, o voo tem duas escalas, mas também sei que logo estarei na Argentina e vai dar tudo certo.

O mais difícil foi a despedida. Não queria deixá-las de novo, mas tenho certeza de que foi o melhor a se fazer no momento. Claro que minha avó não gostou nada, mas também não falou nada. Na verdade, ela me ignorou depois da nossa última conversa. Ela sempre irá culpar meu pai pelo acidente. Para ela, é mais fácil achar um culpado para tudo o que acontece.

— Se cuida, viu? — a Ramona falou.

— Vocês também, e não se esqueçam de que eu amo muito vocês...

— Nós sabemos, e me escuta, Rosa: você é uma mulher maravilhosa e forte. Não deixe ninguém te diminuir. Coloque na sua cabecinha que tudo não passou de um acidente...

— Eu sei, mas é tão difícil ficar ouvindo o tempo todo que eu sou uma assassina...

— Então, eu sou o quê? — a Rosângela perguntou.

— Não entendi...

— Eu também estava lá e você perdeu a perna por minha causa, para me proteger. Para elas é fácil falar, nenhuma delas estava lá na hora. Foi um acidente, só um acidente. Eu não me lembro direito porque eu estava dormindo na hora, mas lembre-se disso, Rosa. Foi uma tragédia — ela falou, me abraçando, e a Ramona me abraçou também.

— Eu amo vocês — falei, e as duas me abraçaram ainda mais apertado.

— Também te amamos — elas falaram.

— Última chamada para o voo número 6978 com destino a Buenos Aires.

Abracei minhas irmãs mais uma vez antes de ir, sentindo o peso da despedida e a esperança de um novo começo. Meu coração batia acelerado só de imaginar que, em algumas horas, eu estaria em Buenos Aires. Em poucas horas, eu voltaria para casa. Bom, não para minha casa, mas para um lugar onde eu poderia recomeçar.

Sorri, sentindo uma mistura de nervosismo e entusiasmo. Esse voo marcava o início de um novo ciclo de vida, um ciclo que eu estava ansiosa para começar.

Três horas depois...

Finalmente cheguei em Buenos Aires. Estava muito nervosa. Não voltava aqui desde o acidente, há 15 anos. Por ter nacionalidade argentina, não precisei passar pelo processo completo na alfândega. Estar aqui me fez lembrar de quando eu tinha onze anos e estava em uma cadeira de rodas, ouvindo tantas coisas. Tudo parecia em câmera lenta.

E agora vejo, está tudo em câmera lenta. Tantas pessoas correndo de um lado para o outro. Quando finalmente saí do aeroporto, senti uma brisa de ar frio fazendo meu corpo arrepiar, e estava chovendo muito forte.

Vi todas as pessoas correndo para tentar pegar um táxi. Quando finalmente cheguei em um, um homem alto chegou ao mesmo tempo e colocamos nossas mãos na maçaneta.

Aquele pequeno toque me fez sentir um choque. No mesmo instante, olhei para ele.

Ele é um homem muito bonito, tem aproximadamente 1,70m, olhos claros, cabelos pretos. Ele me olhava fixamente, e eu retribuía o olhar.

— Estão juntos? — o taxista perguntou.

Na mesma hora, tiramos nossas mãos rapidamente.

— Não, eu cheguei aqui primeiro. A senhora deveria pegar outro táxi — disse o homem alto, alterando a voz. Olhei incrédula para ele.

— Nada disso, eu cheguei primeiro que o senhor. E o senhor está vendo outro táxi? — perguntei, olhando para os lados, e ele fez o mesmo e viu que todos já tinham saído. Eu estava com frio, e minha perna estava doendo, já que a machuquei quando minha avó me empurrou.

— Me desculpe se não tem outro, mas eu preciso muito deste táxi. Está chovendo... — fomos interrompidos por uma vozinha doce, meio angelical.

— Papito, estou com frio — disse uma menininha, escondida dentro do casaco dele.

Naquele momento, soube que esperaria pelo próximo táxi. Não podia deixar a menina pegar chuva e sentir frio. Mesmo com dor, não podia permitir que aquele serzinho sofresse.

— Só um minuto, filha — ele falou com a menina, que ainda não vi, já que estava dentro do casaco.

Eu resolvi, dessa vez, interrompê-lo.

— Pode ir — falei com um sorriso, tentando ser o mais agradável possível.

— Sério? — ele perguntou, surpreso. Eu ia me afastar, mas quando dei o primeiro passo, a dor aumentou e quase me desequilibrei.

Ele me ajudou imediatamente, e vimos que o taxista estava chateado com nossa demora.

— Então, quem vai? — o taxista perguntou, já irritado.

— Podemos dividir o táxi. Para onde você vai? — sugeriu o homem alto à minha frente, agora com um sorriso gentil.

— Palermo Soho — falei, e ele começou a rir, abrindo a porta do táxi e colocando a filha dentro. Em seguida, me ajudou a sentar e foi ajudar o taxista a arrumar as malas.

Sentei ao lado da filha dele, que ficou me olhando. E não sei, senti uma energia tão boa vindo dela.

— Oi — falei, sorrindo para ela, mesmo querendo chorar com a dor que estava sentindo.

Para minha surpresa, ela não falou nada. Apenas deitou a cabecinha no meu peito e me abraçou.

— Nem acredito que íamos brigar pelo táxi, sendo que vamos para o mesmo bairro — ele falou, entrando no táxi, e ficou chocado ao ver como a filha dele estava.

Aquele pequeno gesto me fez sentir completa pela primeira vez. E mesmo com muita dor, era como se nada fosse mais importante do que estar ali, recebendo todo aquele carinho.

A menina pegou minha mão e a entregou ao pai, apertando com força. Ver essa cena fez meus olhos se encherem de lágrimas, lembrando do meu querido pai. Virei-me para olhar o dia chuvoso, sentindo que a chuva lavava meu corpo para uma nova jornada.

Olhei para a menininha linda, que logo adormeceu no meu peito.

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Continua...

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