Rosa Fernandez
Eu queria tanto vir a este lugar. Quando paramos na porta, meus olhos se encheram de lágrimas. A saudade bateu forte e Juan Carlos notou minha emoção, sorriu para mim.
Não sei por que os trouxe até aqui, mas quando estou com eles, sinto-me mais forte, mais segura. Mesmo com muita saudade, tenho medo de não encontrar as pessoas certas. O lugar parecia exatamente como me lembrava: a sorveteria ainda tinha o mesmo cheiro doce de baunilha e morango misturados, as cadeiras de madeira envernizada onde costumávamos sentar.
Assim que entramos, confirmei meus sentimentos. Realmente deveria estar ali. Nem sabia o quanto sentia saudades até entrar naquele lugar e as lembranças me invadirem. Até o cheiro era igualzinho.
— Estão prontos para experimentar o melhor sorvete de suas vidas? — disse, sorrindo.
Pude ver meu avô Augustin; ele estava exatamente como me lembrava. Com seus cabelos brancos como a neve e o sorriso gentil que sempre acolhia a todos. Como não adotou meu pai legalmente, perante a lei não é meu avô, e nossa avó conseguiu proibir que ele nos visse. Foi a pior coisa que ela fez.
Já faz tanto tempo que duvido muito que ele se lembre de mim.
Mas assim que me viu, derrubou a bandeja que segurava, os olhos se encheram de lágrimas.
— Não acredito, Rosita, é você? — o senhorzinho de cabelos brancos perguntou.
— Oi, vovô Augustin — abracei-o; ele não mudou quase nada. Parecia tão feliz. Ele olhou para mim e me abraçou de novo.
— Minha menina, como você cresceu! Está linda e está andando! — falou, chorando, olhando para mim, e me abraçou de novo. — Você me lembra muito seu pai. Não falei com vocês, não acredito que você veio aqui só para apresentar sua família! Nossa, ver você com a idade dela agora... está aí uma mulher feita, linda, com uma filha linda! — ele falou rápido demais. — Nós achávamos que nunca mais íamos te ver, que vocês nem lembravam da gente! — chorava e saiu antes que eu conseguisse falar a verdade, saiu com um lindo sorriso, e ao mesmo tempo, chorava.
Juan Carlos me deu um lenço para enxugar as lágrimas.
— Me desculpa, eu vou resolver este mal-entendido — falei para Juan Carlos, que ria da situação, me deixando ainda mais sem graça.
— Ele parece tão feliz, Rosita — riu. — Mas falando sério, ele está tão feliz por você estar aqui com a "família". Eu não vejo problema nenhum em você não contar nada, deixá-lo feliz — falou, e fiquei surpresa. Por que isso não está certo.
— Eu não posso, eles precisam saber da verdade, que eu não tenho família. Mesmo eu gostando muito de vocês, é engraçado, não faz nem 24 horas que eu conheço vocês dois, mas me sinto tão bem do seu lado, principalmente com esta menina linda. — falei, e Nina sorriu para mim.
Eu ia me levantar para falar com meu avô, mas antes disso, minha avó veio toda animada, e quando me viu, começou a chorar. A última vez que os vi foi no hospital; eles sempre foram os melhores avós do mundo.
— Minha menina, como você está linda! Você sempre foi muito bonita, mas está ainda mais linda. E está princesa, ela tem os mesmos olhos que sua mãe tinha. E que pedaço de mau caminho é este, Rosa? Você tem bom gosto — olhou para Juan Carlos e ficou vermelha, parecendo um pimentão. — Eu pensei que você nunca voltaria aqui. É tão bom ver você continuar a tradição da família Fernandez — sorriu, e Augustin trouxe três sorvetes.
— Mamãe, eu quero de chocolate — Nina falou, e quando ouvi ela me chamar assim, meu coração acelerou, e eu e Juan Carlos olhamos para ela também assustados.
E a confusão só está piorando. Preciso falar a verdade. Quero falar a verdade, mas abro e fecho a boca, e não sai uma só palavra. Não sei porque falar a verdade me parece tão errado. Por algum motivo, queria muito que fosse verdade esta mentira.
— Sabia que você ia querer este — Augustin sorriu, entregando o sorvete para ela. — Sua mãe sempre pedia de chocolate com calda de morango. — me entregou este sorvete, e meus olhos brilhavam.
— Como vivi todos esses anos sem este sorvete maravilhoso? — disse, tomando mais um pouco.
— E o seu, de tamarindo — falou para Juan Carlos, que olhou para ele incrédulo. — Tenho muitos sabores, já sei muito bem o que meus clientes querem.
— Nossa, não tomo este sorvete há muito tempo — ele falou, colocando uma colherada na boca. — Isso é muito bom...
— Eu disse que aqui tem o melhor sorvete do mundo — falei, sorrindo.
— Você sempre exagera. Quando a Rosita era pequena, ela vinha quase todos os dias com o Rômulo, lembro-me como se fosse ontem — Augustin falou.
— Sabe, filho, nunca podemos ter um filho, e o Rômulo era como se fosse nosso filho. Quando a mãe dele faleceu, ele começou a trabalhar aqui, tinha apenas 16 anos, mas era um grande rapaz. Não tinha ninguém, acabamos o convidando para morar conosco. Lembro-me perfeitamente do dia que ele chegou todo feliz, quando conheceu sua mãe. Ela estava sentada nesta mesa, ele veio atendê-la, e ela era tão linda. Mas vamos parar, já estou quase chorando de novo — Dona Florência falou. — Obrigada por não ter esquecido da gente, minha menina. Juramos que tentamos te ver de novo, não queríamos te deixar com aquela cobra — falou e beijou minha bochecha.
— Papito, posso pedir mais sorvete, por favor? — Nina pediu, olhando para Juan, com a carinha toda melada.
— Claro que pode, vem com a bisa, mas se quiser, me chama de vovó Florência, não tem problema — falou, pegando a mão de Nina, que foi toda contente, mas pela cara de Juan, ele não gostou nada disso.
— Desculpa, Juan Carlos, não sei o que me deu para trazer vocês aqui — falei, e ele olhou para mim. — Estava morrendo de saudades dos meus avós e estava com medo de não encontrá-los.
— Tudo bem, mas então você é argentina, professora... — só aí me dei conta que não sabíamos nada um do outro.
— Não, sou brasileira, mas meu pai era argentino. Nasci no Brasil, mas com três meses meu pai voltou para cá com a minha mãe, e minhas irmãs nasceram aqui...
— Desculpa a pergunta, não quero ser indelicado, mas eles ficaram falando que é tão bom te ver andando, aconteceu alguma coisa? — perguntou, e fiquei calada. Já sofri tanto bullying que morro de medo de tudo aquilo voltar a acontecer por causa da prótese.
Tive que optar por esconder a prótese. Mesmo me sentindo segura perto dele, sinto certo medo. Não quero que ele me trate diferente só por eu ser deficiente.
— Não precisa falar se não quiser — falou, e respirei fundo.
— Eu perdi uma perna — falei, levantando a calça para ele ver a prótese.
Não sei porque resolvi mostrar para ele, mas não fez cara de espanto nem nada do tipo.
— Está usando há pouco tempo, notei que você estava com uma dificuldade, como se a perna estivesse se acostumando.
— Você me segurou algumas vezes
. Muito obrigada por isso, e me viro bem com ela, mas antes de vir para cá, não coloquei o silicone para proteger, acabei caindo e cortei, a prótese saiu, acabei cortando minha perna e toda vez que estou andando está doendo no meu machucado.
— E pegou a Nina no colo? Você não deveria magoar mais a ferida, Rosa...
— Não resisti, Nina fez aquela carinha fofa que derrete o coração de qualquer um. Mas me conta sobre você. Só sei que você é meu vizinho e que é pai de uma menina linda.
— Bom, sou do México, vim para Argentina por causa do trabalho, sou médico, recebi uma oportunidade para trabalhar aqui. Tenho só um irmão, João Miguel, que é mais novo, e sou pai de uma princesa...
— Muito linda, por sinal — rimos juntos.
— Puxou ao pai bonitão — falou e sorriu.
E pior que é verdade. Juan é um homem com poucos defeitos além de lindo. Ele tem um olhar doce, meigo, o que o deixa ainda mais lindo.
— Realmente, é tão linda quanto você — falei, sorrindo.
— Muito obrigado pelo elogio...
— De nada, não me leve a mal, não queria me intrometer, mas já me intrometendo... E a mãe da Nina? Vocês são divorciados.
— Nunca me casei, conheci a mãe da Nina na faculdade, foi só um caso. Ela não queria nada sério, e quando soube que estava grávida, me culpou, disse que abortaria nossa filha, eu a convenci a ter a menina, mas não a queria como mãe. O importante é ter a minha menina comigo.
— E a Nina é uma gotinha de amor.
— Sempre falo isso, Nina foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Foi muito difícil, ela não nos deixou em paz, fez da minha vida um inferno. Negociamos tudo em relação à guarda da minha filha, mas quando a Nina nasceu, tentou machucá-la, culpava a Nina por estragar seu corpo. Nem acredito, um dia me apaixonei por aquela mulher, graças a Deus o juiz tinha bom coração, proibiu que chegasse perto da minha princesa, já tinha conseguido com meu advogado, e ela já tinha assinado os papéis, onde abria mão da maternidade, foi mais fácil eu registrar ela sozinha.
— Nossa, como uma mãe pode fazer isso com a própria filha — segurei na mão dele — Ainda bem que ela tem um pai maravilhoso que não a deixa faltar amor na vida dela.
E tão estranho sentir esta paz, ele e Nina me fazem sentir que estou dentro de uma bolha de felicidade.
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Continua...
Juan Carlos Eu sei que eu deveria ter deixado a Rosa falar a verdade; afinal, são a família dela. Mas não me pareceu certo, o que é meio louco, afinal a verdade tem que ser o correto, mas não tem como dizer a verdade que pode tirar a felicidade da minha filha, ela estava tão feliz com os "avós". Fiquei observando a Rosa; notei que ela ficou meio sem graça quando me mostrou a prótese, e estou preocupado com ela, ela machucada e se esforçando muito, pegou até a minha filha no colo, ela com certeza é uma pessoa única, o jeito dela é tão doce. Eu fiquei meio curioso para saber a história toda, entender como ela perdeu a perna porque ela tem essa sobra no olhar, porque ficou longe da família por tantos anos que puderam deduzir que ela tem uma filha de quase seis anos, mas não podia ser tão intrometido, a única coisa que eu poderia ter certeza é que aquela mulher é maravilhosa, e muito forte. — Rosa, vamos embora, eu preciso ir ao mercado. — falei para ela. — Certo, tem problema eu ir c
Juan Carlos Acordei com uma dor horrível na coluna; acabei dormindo no sofá com a minha filha em cima de mim.Eu deveria ter um sofá mais confortável.Levantei-me com cuidado, peguei a Nina no colo e a levei para o quarto, colocando-a na cama. Fui tomar um banho e me arrumar, pois hoje preciso me apresentar no hospital e levar todos os documentos que estão faltando para confirmar a matrícula da Nina na escola nova.Arrumei minha pasta e estava mentalmente listando se já estava quase tudo pronto quando lembrei de uma coisa.— Ai meu Deus, a Nina! Eu simplesmente esqueci... com quem vou deixá-la? Com certeza sou o pior pai do mundo, quem esquece da própria filha?Entrei no quarto dela e vi que ela ainda dormia. Ela é um anjinho e uma menina tão esperta, mas só tem cinco anos. Não posso deixá-la sozinha.— Filhinha — chamei, fazendo carinho no rosto dela para acordá-la.— Já vou, Papito — ela falou com os olhos fechados.— Vou fazer o café da manhã. Não demoro e já venho te chamar de no
Liam Rodrigues Vou andando para o hospital, que não é muito longe do meu apartamento. Assim que chego, vejo que é exatamente o que esperava. Dirijo-me à recepção, o hospital não estava até bem tranquilo, e me informaram para me encaminhar para o sexto andar. Assim que entrei no elevador ouvi uma voz desesperada. — Segura o elevador, por favor! — Uma médica muito linda entra apressada.A— Obrigada. Aperta o quarto para mim, por favor — ela pede, sorrindo. Aperto o botão e seguimos calados por um tempo até ela interromper o silêncio. — Hum, sexto andar... Você é o novo cirurgião? — Sou sim — respondo, olhando para frente. Ela não fala mais nada e sai quando paramos no quarto andar. Não demora muito e chego ao sexto andar. O andar, aparentemente administrativo, é mais sério que os outros. Vou até a mesa da secretária. — Bom dia, eu sou o Juan Carlos Hernández. — Bom dia. Você é o novo cirurgião geral do hospital? — ela pergunta. Afirmo com a cabeça. — Seja bem-vindo — ela sorri. É
Rosa Fernandez Às vezes, fico olhando para a Nina e me perco em pensamentos. Não sei como explicar o que sinto por essa menininha. Eu sempre amei crianças, o amor delas é o mais puro que existe. Trabalhar ao redor delas sempre me trouxe alegria. Mas com a Nina, é diferente. Ela me completa de uma maneira que nunca imaginei. O vazio que carrego dentro de mim é preenchido a cada segundo que passo com ela, trazendo uma paz tão profunda. Eu mal a conheço, mas já a amo tanto que chega a doer. Não entendo como isso é possível, mas sei que ela me faz sentir bem e feliz de uma maneira que ninguém mais consegue. Hoje estou radiante. Quase não acreditei quando me disseram que eu era a mais nova professora. Sei que vou dar o meu melhor. A Nina ficou tão feliz quanto eu, e fomos juntas para a escola. Ela ficou quentinha ao meu lado enquanto eu conversava com a diretora, que até me deu a lista de material escolar dela, já que o Juan havia esquecido. Quando saímos da escola, voltamos para nossa
Rosa Fernandez Fomos andando e conversando até um local com brinquedos. Alma pegou a menina, que tinha no máximo uns dois anos. Ela era muito linda, a cara da mãe. A mais velha não parecia muito com ela, mas ambas tinham um brilho encantador. Nina logo me deu o Biju, e pelo que o Juan me contou, ela não desgruda dele de jeito nenhum. Sentamos e pedi o almoço. Encontramos um restaurante à moda brasileira que tinha arroz com feijão, e a sensação de familiaridade me confortou. — As aulas já vão começar, graças a Deus — Alma falou com um sorriso no rosto, e eu ri também, notando que Nina e Luz tinham saído da mesa. — Nina, Nina, cadê você? — chamei no ritmo da música da Moana, tentando não deixar a preocupação transparecer. — Eu tô aqui! — ela cantou, vindo até mim e me abraçando. Não consegui segurar a risada. — Não faça mais isso, por favor. Não saia de perto, se não você me mata do coração, meu amor — falei, e ela me abraçou apertado, com os olhinhos brilhando de arrependimento.
Juan Carlos Hernandez Esperei o diretor do hospital por mais de uma hora. Ele estava em um grande conflito com a filha, e fui obrigado a esperar que terminassem a conversa, que terminou com ela saindo furiosa. Ele ficou lá por um tempo, tentando se recompor, antes de finalmente me chamar. Ele parecia um pouco nervoso, mas tentou ser neutro. Afinal, ele já conhecia meu trabalho e falou um pouco sobre o que esperava de mim. Avisou que a situação estava complicada: estavam faltando dois cirurgiões, e até que eles voltassem, os horários seriam bagunçados. — O senhor lembra que te falei que tenho uma filha? — perguntei, esperando que ele entendesse a situação. — A maioria dos médicos também tem filhos. Espero que isso não seja um empecilho... — ele respondeu, um pouco impaciente. — Minha filha não é um empecilho, ela é minha prioridade. E eu não tenho suporte aqui, estou em um novo país... — expliquei, tentando manter a calma. — Vai ser temporário — ele respondeu, mas sem muita convic
Juan Carlos Me sentei na varanda, olhando para o céu, tentando organizar meus pensamentos. Um tempo depois, Rosa chegou. Ao vê-la, senti um alívio inexplicável e a convidei para se sentar e tomar uma taça de vinho comigo. Ela se sentou na outra cadeira, do outro lado da mesa, se enrolando por causa do frio. Meu coração acelerou um pouco ao vê-la tão perto. — É engraçado, né? — falei, olhando para ela e depois para o céu. Eu estava tentando encontrar as palavras certas, mas tudo parecia inadequado. — Eu não sei — ela respondeu com um sorriso no rosto. Ela é uma mulher muito linda, com um olhar que me provoca a querer saber o motivo de tantas sombras. Por trás de sua beleza, parecia haver uma história triste, algo que a tornava misteriosa e fascinante. — A vida. Ela muda tão rápido. Tenho medo de Nina criar muitas ideias na cabeça dela. Você se tornou alguém especial para ela, e eu nunca vi a minha filha tão feliz — falei, e ela sorriu. A felicidade de Nina me aquecia o coração, mas
Rosa Fernandez Saí da casa do Juan com um sorriso no rosto, sentindo uma paz que raramente encontrava. Estar com eles era como um bálsamo para a minha alma. Ao chegar em casa, sabia que precisava me concentrar no trabalho, mas minha mente estava ansiosa para tirar a prótese. Embora ela fosse essencial para minha mobilidade, estava pesada e desconfortável depois de descarregar. Escolhi uma prótese elétrica pela sua realismo, mas às vezes, ela podia ser um fardo. Assim que entrei, tirei-a e a coloquei para carregar. A sensação de alívio era imensa. Tomei um banho relaxante e vesti um short do pijama e uma blusa das princesas, sentindo-me confortável e leve. Passei a noite trabalhando no meu planejamento, a cabeça cheia de ideias, mas o coração inquieto. Quando finalmente terminei, já na madrugada, fui para a cama exausta, mas satisfeita. Na manhã seguinte, acordei renovada. Vesti uma calça jeans de cintura alta e boca de sino, um cropped vermelho e tênis. Fiz uma maquiagem básica, na