Capítulo 6

Rosa Fernandez

Eu queria tanto vir a este lugar. Quando paramos na porta, meus olhos se encheram de lágrimas. A saudade bateu forte e Juan Carlos notou minha emoção, sorriu para mim.

Não sei por que os trouxe até aqui, mas quando estou com eles, sinto-me mais forte, mais segura. Mesmo com muita saudade, tenho medo de não encontrar as pessoas certas. O lugar parecia exatamente como me lembrava: a sorveteria ainda tinha o mesmo cheiro doce de baunilha e morango misturados, as cadeiras de madeira envernizada onde costumávamos sentar.

Assim que entramos, confirmei meus sentimentos. Realmente deveria estar ali. Nem sabia o quanto sentia saudades até entrar naquele lugar e as lembranças me invadirem. Até o cheiro era igualzinho.

— Estão prontos para experimentar o melhor sorvete de suas vidas? — disse, sorrindo.

Pude ver meu avô Augustin; ele estava exatamente como me lembrava. Com seus cabelos brancos como a neve e o sorriso gentil que sempre acolhia a todos. Como não adotou meu pai legalmente, perante a lei não é meu avô, e nossa avó conseguiu proibir que ele nos visse. Foi a pior coisa que ela fez.

Já faz tanto tempo que duvido muito que ele se lembre de mim.

Mas assim que me viu, derrubou a bandeja que segurava, os olhos se encheram de lágrimas.

— Não acredito, Rosita, é você? — o senhorzinho de cabelos brancos perguntou.

— Oi, vovô Augustin — abracei-o; ele não mudou quase nada. Parecia tão feliz. Ele olhou para mim e me abraçou de novo.

— Minha menina, como você cresceu! Está linda e está andando! — falou, chorando, olhando para mim, e me abraçou de novo. — Você me lembra muito seu pai. Não falei com vocês, não acredito que você veio aqui só para apresentar sua família! Nossa, ver você com a idade dela agora... está aí uma mulher feita, linda, com uma filha linda! — ele falou rápido demais. — Nós achávamos que nunca mais íamos te ver, que vocês nem lembravam da gente! — chorava e saiu antes que eu conseguisse falar a verdade, saiu com um lindo sorriso, e ao mesmo tempo, chorava.

Juan Carlos me deu um lenço para enxugar as lágrimas.

— Me desculpa, eu vou resolver este mal-entendido — falei para Juan Carlos, que ria da situação, me deixando ainda mais sem graça.

— Ele parece tão feliz, Rosita — riu. — Mas falando sério, ele está tão feliz por você estar aqui com a "família". Eu não vejo problema nenhum em você não contar nada, deixá-lo feliz — falou, e fiquei surpresa. Por que isso não está certo.

— Eu não posso, eles precisam saber da verdade, que eu não tenho família. Mesmo eu gostando muito de vocês, é engraçado, não faz nem 24 horas que eu conheço vocês dois, mas me sinto tão bem do seu lado, principalmente com esta menina linda. — falei, e Nina sorriu para mim.

Eu ia me levantar para falar com meu avô, mas antes disso, minha avó veio toda animada, e quando me viu, começou a chorar. A última vez que os vi foi no hospital; eles sempre foram os melhores avós do mundo.

— Minha menina, como você está linda! Você sempre foi muito bonita, mas está ainda mais linda. E está princesa, ela tem os mesmos olhos que sua mãe tinha. E que pedaço de mau caminho é este, Rosa? Você tem bom gosto — olhou para Juan Carlos e ficou vermelha, parecendo um pimentão. — Eu pensei que você nunca voltaria aqui. É tão bom ver você continuar a tradição da família Fernandez — sorriu, e Augustin trouxe três sorvetes.

— Mamãe, eu quero de chocolate — Nina falou, e quando ouvi ela me chamar assim, meu coração acelerou, e eu e Juan Carlos olhamos para ela também assustados.

E a confusão só está piorando. Preciso falar a verdade. Quero falar a verdade, mas abro e fecho a boca, e não sai uma só palavra. Não sei porque falar a verdade me parece tão errado. Por algum motivo, queria muito que fosse verdade esta mentira.

— Sabia que você ia querer este — Augustin sorriu, entregando o sorvete para ela. — Sua mãe sempre pedia de chocolate com calda de morango. — me entregou este sorvete, e meus olhos brilhavam.

— Como vivi todos esses anos sem este sorvete maravilhoso? — disse, tomando mais um pouco.

— E o seu, de tamarindo — falou para Juan Carlos, que olhou para ele incrédulo. — Tenho muitos sabores, já sei muito bem o que meus clientes querem.

— Nossa, não tomo este sorvete há muito tempo — ele falou, colocando uma colherada na boca. — Isso é muito bom...

— Eu disse que aqui tem o melhor sorvete do mundo — falei, sorrindo.

— Você sempre exagera. Quando a Rosita era pequena, ela vinha quase todos os dias com o Rômulo, lembro-me como se fosse ontem — Augustin falou.

— Sabe, filho, nunca podemos ter um filho, e o Rômulo era como se fosse nosso filho. Quando a mãe dele faleceu, ele começou a trabalhar aqui, tinha apenas 16 anos, mas era um grande rapaz. Não tinha ninguém, acabamos o convidando para morar conosco. Lembro-me perfeitamente do dia que ele chegou todo feliz, quando conheceu sua mãe. Ela estava sentada nesta mesa, ele veio atendê-la, e ela era tão linda. Mas vamos parar, já estou quase chorando de novo — Dona Florência falou. — Obrigada por não ter esquecido da gente, minha menina. Juramos que tentamos te ver de novo, não queríamos te deixar com aquela cobra — falou e beijou minha bochecha.

— Papito, posso pedir mais sorvete, por favor? — Nina pediu, olhando para Juan, com a carinha toda melada.

— Claro que pode, vem com a bisa, mas se quiser, me chama de vovó Florência, não tem problema — falou, pegando a mão de Nina, que foi toda contente, mas pela cara de Juan, ele não gostou nada disso.

— Desculpa, Juan Carlos, não sei o que me deu para trazer vocês aqui — falei, e ele olhou para mim. — Estava morrendo de saudades dos meus avós e estava com medo de não encontrá-los.

— Tudo bem, mas então você é argentina, professora... — só aí me dei conta que não sabíamos nada um do outro.

— Não, sou brasileira, mas meu pai era argentino. Nasci no Brasil, mas com três meses meu pai voltou para cá com a minha mãe, e minhas irmãs nasceram aqui...

— Desculpa a pergunta, não quero ser indelicado, mas eles ficaram falando que é tão bom te ver andando, aconteceu alguma coisa? — perguntou, e fiquei calada. Já sofri tanto bullying que morro de medo de tudo aquilo voltar a acontecer por causa da prótese.

Tive que optar por esconder a prótese. Mesmo me sentindo segura perto dele, sinto certo medo. Não quero que ele me trate diferente só por eu ser deficiente.

— Não precisa falar se não quiser — falou, e respirei fundo.

— Eu perdi uma perna — falei, levantando a calça para ele ver a prótese.

Não sei porque resolvi mostrar para ele, mas não fez cara de espanto nem nada do tipo.

— Está usando há pouco tempo, notei que você estava com uma dificuldade, como se a perna estivesse se acostumando.

— Você me segurou algumas vezes

. Muito obrigada por isso, e me viro bem com ela, mas antes de vir para cá, não coloquei o silicone para proteger, acabei caindo e cortei, a prótese saiu, acabei cortando minha perna e toda vez que estou andando está doendo no meu machucado.

— E pegou a Nina no colo? Você não deveria magoar mais a ferida, Rosa...

— Não resisti, Nina fez aquela carinha fofa que derrete o coração de qualquer um. Mas me conta sobre você. Só sei que você é meu vizinho e que é pai de uma menina linda.

— Bom, sou do México, vim para Argentina por causa do trabalho, sou médico, recebi uma oportunidade para trabalhar aqui. Tenho só um irmão, João Miguel, que é mais novo, e sou pai de uma princesa...

— Muito linda, por sinal — rimos juntos.

— Puxou ao pai bonitão — falou e sorriu.

E pior que é verdade. Juan é um homem com poucos defeitos além de lindo. Ele tem um olhar doce, meigo, o que o deixa ainda mais lindo.

— Realmente, é tão linda quanto você — falei, sorrindo.

— Muito obrigado pelo elogio...

— De nada, não me leve a mal, não queria me intrometer, mas já me intrometendo... E a mãe da Nina? Vocês são divorciados.

— Nunca me casei, conheci a mãe da Nina na faculdade, foi só um caso. Ela não queria nada sério, e quando soube que estava grávida, me culpou, disse que abortaria nossa filha, eu a convenci a ter a menina, mas não a queria como mãe. O importante é ter a minha menina comigo.

— E a Nina é uma gotinha de amor.

— Sempre falo isso, Nina foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Foi muito difícil, ela não nos deixou em paz, fez da minha vida um inferno. Negociamos tudo em relação à guarda da minha filha, mas quando a Nina nasceu, tentou machucá-la, culpava a Nina por estragar seu corpo. Nem acredito, um dia me apaixonei por aquela mulher, graças a Deus o juiz tinha bom coração, proibiu que chegasse perto da minha princesa, já tinha conseguido com meu advogado, e ela já tinha assinado os papéis, onde abria mão da maternidade, foi mais fácil eu registrar ela sozinha.

— Nossa, como uma mãe pode fazer isso com a própria filha — segurei na mão dele — Ainda bem que ela tem um pai maravilhoso que não a deixa faltar amor na vida dela.

E tão estranho sentir esta paz, ele e Nina me fazem sentir que estou dentro de uma bolha de felicidade.

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Continua...

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