Juan Carlos Hernandez
À noite, Nina demorou a dormir, mas não mencionou a mãe. Ela estava muito empolgada e me ajudou a tirar os panos dos móveis e arrumar seu quartinho. Quando finalmente deitamos, já era de manhã, e ela nem queria dormir, queria falar com a nossa vizinha. Não sei o que essa mulher tem de tão mágico. Nina sempre foi muito tímida e não costuma falar com estranhos, mas com a vizinha, tudo fluiu tão naturalmente, como se ela tivesse superpoderes, um toque de magia. Há algo nela que eu não consigo explicar. Acabei dormindo com Nina às cinco e meia da manhã, e nós acordamos às dez. Já sabia que seria uma briga tirá-la de casa. — Papito, não quero ir para o hospital — disse, cruzando os braços e fazendo bico enquanto eu escolhia sua roupa. Ela, que vivia no hospital quando era menor, agora não gosta muito. Provavelmente não terei uma filha médica. Mas hoje nem vamos ao hospital. Tenho uma lista de coisas a fazer antes de começar a trabalhar. — Meu amorzinho, nós não vamos ao hospital hoje. Vamos conhecer sua nova escola e depois ir ao mercado, pode ser? — perguntei. — O senhor promete que não vamos ao hospital hoje? — pediu, fazendo aquela carinha de anjo que tanto amo. — Verdade verdadeira. Vamos conhecer sua nova escola para saber se você vai gostar. — falei, e ela sorriu. — Está bem. Então o senhor pode se vestir — disse, olhando dos pés à cabeça com uma cara de desagrado. — Eu já estou pronto, mocinha — falei, enquanto ela corria para o meu quarto. — Nina, nós vamos arrasar. — Papito, essa roupa está feia demais — ela disse, e eu sorri, respirando fundo antes de ir até o meu quarto. Lá estava ela, em cima de um banquinho, olhando meu closet. — Então qual é a roupa que a senhorita acha que eu devo vestir? — perguntei. — Só um minuto, estou escolhendo. Mas essa bermuda com essa camisa polo não dá, não está quente... — Nina, você só tem cinco anos — falei sorrindo. Desde que aprendeu a falar, ela me faz trocar de roupa. Antes dela, eu só usava roupas de time. Ela escolheu uma calça social, uma camisa social azul-marinho e um sapatênis. Fez-me dobrar as mangas e escolheu até o relógio que eu usaria. — E agora? — perguntei. — Está um gatão, o homem mais lindo do mundo — ela disse, com aquele sorriso fofo. — Obrigado. Agora, que tal você se arrumar? — Certo. Gostei deste vestido, combina com o do biju — disse, sorrindo e me deixando arrumá-la. — Estou linda. Vou pegar o biju — falou, saindo correndo. Peguei documentos e minha carteira, colocando tudo na bolsa dela. Ao sair do apartamento, olhei para a porta da frente e notei que Nina também estava olhando. Não sei bem o porquê, mas queria muito ver a vizinha. Comecei a andar, mas Nina queria ir até a porta. Não deixei e a levei até o elevador. Até a porta fechar, ela ficou esticando o pescoço para ver se via algo. Fomos andando até uma padaria próxima. Comemos e depois pegamos um táxi. Assim que entrei, vi alguém entrando pela outra porta. Era minha vizinha. No caminho, as palavras de Rosa, minha vizinha, me fizeram pensar que ela estava chateada. Rosa parecia muito nervosa, mas não está errada. Ela e Nina conversaram, e Rosa pediu desculpas pelo que disse antes. — Pegue o biju, ele sempre me ajuda — vi Nina oferecendo seu elefante de pelúcia. Como assim? Ela nunca o soltava por nada. Rosa, relutante, aceitou o biju com carinho. A maneira como ela olhava para Nina era encantadora. — Muito obrigado, Nina, mas não posso aceitar. Ele é muito importante para você — disse Rosa. — Pegue, ele quer ficar com você — Nina insistiu, com uma carinha linda que fez Rosa sorrir. — Tudo bem — ela pegou o biju com carinho e o abraçou. — Relaxe, vai dar tudo certo — por impulso, peguei a mão dela, e novamente senti uma onda de choque. No mesmo instante, ela olhou para os meus olhos e pude ver que ela sentiu o mesmo que eu. Seus olhos são tão lindos, mas há algo neles, uma tristeza muito grande, mas ao mesmo tempo o olhar dela é tão doce, meigo. Quando o táxi parou em frente à escola, Rosa parecia mais relaxada. Nina pegou na mão dela assim que saíram do carro. Fiquei observando as duas juntas e peguei a outra mão de Nina. Assim que entramos, fomos atendidos pela recepcionista. — Sejam bem-vindos, vocês devem ser a família Hernández — disse, sorrindo. — Sim — respondi, sorrindo. Rosa devolveu o biju para Nina e se abaixou para se despedir, mas o jeito que ela se abaixava era diferente. — Meu anjinho, eu vou fazer uma entrevista de emprego. Você vai conhecer a escola, certo? — disse Rosa, fazendo uma careta de dor. Nina, em vez de se despedir, agarrou o pescoço dela. — Então, os senhores gostariam de conhecer o colégio? — perguntou a recepcionista. — Perdão, eu sou Rosa Fernández, vim fazer a entrevista para a vaga de professora. — Me desculpe, é que vocês vieram juntos. Só siga até o final do corredor, onde as demais candidatas já estão esperando. Antes de ir, Rosa beijou a testa de Nina. Notei que ela teve um pouco de dificuldade na mobilidade, como se estivesse sentindo dor. Tentei ver se havia algo nas pernas dela, mas a calça era muito folgada e não dava para ver nada. — Meu anjinho, vai com o papai — ela falou e fez careta. Acho que a perna direita está machucada, porque não é a primeira vez que ela tem dificuldade com ela. Mas Nina não soltou do pescoço dela, fazendo o que eu queria fazer, ficar do lado dela. Não sei o motivo, mas senti que elas estavam precisando uma da outra. Quando Rosa olhou para mim, já sabia que ela não queria soltar a Nina. — Pode ir com ela. Daqui a pouco, eu passo lá. Não vai se livrar de mim tão fácil — falei, e elas sorriram. Eu só posso estar louco em deixar minha filha com uma estranha, mas confio na Rosa. Fui seguindo para o corredor. Quando virei, vi Rosa com Nina nos braços, ajeitando-a no lado esquerdo do corpo. — Vamos? — a funcionária da escola chamou. — Sim, vamos — falei, seguindo-a. A escola era exatamente como no site. Estava interessado em conhecê-la, mas minha cabeça estava na Rosa e Nina. A funcionária explicou que a diretora estava fazendo entrevistas para futuras professoras. Espero que Rosa consiga a vaga. — Senhor Hernández, esta é a sala de aula — entrei e vi uma sala adaptada para a idade de Nina. Depois, fomos à sala de música, ao pátio. A escola era exatamente o que esperava, pelo valor da mensalidade não esperava menos. A diretora só poderia me atender após as entrevistas. Concordei em esperar. Quando fomos para onde estavam as professoras, vi Nina no colo de Rosa. Elas pareciam muito felizes juntas. — Papito — Nina disse quando me viu, vindo me abraçar. — Oi, meu amorzinho — abracei-a apertado, aproximando-me de Rosa. — E você, Rosa, está mais calma? — perguntei. — Estou sim, a Nina e o biju me ajudaram — ela falou, mostrando o elefantinho, e eu sorri. — Rosa Fernández — a secretária chamou. — Boa sorte — falei, vendo-a levantar. — Boa sorte — Nina falou, e Rosa sorriu para nós dois. — Muito obrigada — ela disse, aproximando-se e dando um beijo na bochecha de Nina, que sorriu antes de ela entrar. — Papito, ela é igualzinha na vida real. Gosto muito dela, ela é muito legal e disse que podemos ser amigas — disse Nina, sorrindo. — Ela também gosta das princesas e dos desenhos como eu. — Que bom, filha. Eu disse que você ia gostar da Argentina. E o que achou da escola? — perguntei. — É legal, papito, mas não sei se gosto da Argentina, eu gosto é da Rosa — ela falou, e eu tive que rir. — Ah, mas se não tivéssemos vindo, você não teria conhecido ela... — Você estava certo, papito... Passaram-se uns 20 minutos e nada de Rosa sair. Quando saiu, parecia mais relaxada. A diretora estava junto com ela. — Bom dia, senhor Hernández. Sou a diretora, senhora López — ela era bem simpática. — Espero que tenha gostado da escola. — Bom dia. Gostei muito da estrutura, senhora López, e gostaria de matricular minha filha. — Que bom. Vou te dar a lista de tudo que vai precisar — ela falou com a secretária e me entregou um papel com tudo necessário e o valor da mensalidade, que não era nada barato, por sinal. Tinha levado quase todos os documentos, então fiz o que era necessário e agradeci. Saímos os três. — Desculpe não perguntar antes, mas como foi? — perguntei a Rosa enquanto saíamos da escola. — Fui bem, pelo menos acho — ela sorriu. — Eles vão dar a resposta amanhã. — Com certeza você vai conseguir... — Papito, e o meu sorvete? O senhor prometeu para mim — disse Nina, cheia de dengo. — Vamos, mas você não pode interromper os adultos conversando — falei. — Desculpe. A tia Rosa pode ir com a gente? — pediu, fofa. — Se ela quiser, não vejo problema — olhei para Rosa, que ficou vermelha. — Por favor, vamos? — pediu Nina, e Rosa olhou para ela com afeição. — Eu vou com vocês — ela falou, e a Nina pulou de alegria. — Eu conheço uma sorveteria que tenho certeza de que vocês vão amar. Eu já ia lá — ela disse, e Nina imediatamente deu a mão para ela e começou a andar. Fui atrás delas, pegando a mão da minha filha. Não demorou muito e já estávamos em uma sorveteria muito bonita, toda decorada, muito colorida e, com certeza, antiga. ©©©©©© Continua......Rosa FernandezEu queria tanto vir a este lugar. Quando paramos na porta, meus olhos se encheram de lágrimas. A saudade bateu forte e Juan Carlos notou minha emoção, sorriu para mim.Não sei por que os trouxe até aqui, mas quando estou com eles, sinto-me mais forte, mais segura. Mesmo com muita saudade, tenho medo de não encontrar as pessoas certas. O lugar parecia exatamente como me lembrava: a sorveteria ainda tinha o mesmo cheiro doce de baunilha e morango misturados, as cadeiras de madeira envernizada onde costumávamos sentar.Assim que entramos, confirmei meus sentimentos. Realmente deveria estar ali. Nem sabia o quanto sentia saudades até entrar naquele lugar e as lembranças me invadirem. Até o cheiro era igualzinho.— Estão prontos para experimentar o melhor sorvete de suas vidas? — disse, sorrindo.Pude ver meu avô Augustin; ele estava exatamente como me lembrava. Com seus cabelos brancos como a neve e o sorriso gentil que sempre acolhia a todos. Como não adotou meu pai legalm
Juan Carlos Eu sei que eu deveria ter deixado a Rosa falar a verdade; afinal, são a família dela. Mas não me pareceu certo, o que é meio louco, afinal a verdade tem que ser o correto, mas não tem como dizer a verdade que pode tirar a felicidade da minha filha, ela estava tão feliz com os "avós". Fiquei observando a Rosa; notei que ela ficou meio sem graça quando me mostrou a prótese, e estou preocupado com ela, ela machucada e se esforçando muito, pegou até a minha filha no colo, ela com certeza é uma pessoa única, o jeito dela é tão doce. Eu fiquei meio curioso para saber a história toda, entender como ela perdeu a perna porque ela tem essa sobra no olhar, porque ficou longe da família por tantos anos que puderam deduzir que ela tem uma filha de quase seis anos, mas não podia ser tão intrometido, a única coisa que eu poderia ter certeza é que aquela mulher é maravilhosa, e muito forte. — Rosa, vamos embora, eu preciso ir ao mercado. — falei para ela. — Certo, tem problema eu ir c
Juan Carlos Acordei com uma dor horrível na coluna; acabei dormindo no sofá com a minha filha em cima de mim.Eu deveria ter um sofá mais confortável.Levantei-me com cuidado, peguei a Nina no colo e a levei para o quarto, colocando-a na cama. Fui tomar um banho e me arrumar, pois hoje preciso me apresentar no hospital e levar todos os documentos que estão faltando para confirmar a matrícula da Nina na escola nova.Arrumei minha pasta e estava mentalmente listando se já estava quase tudo pronto quando lembrei de uma coisa.— Ai meu Deus, a Nina! Eu simplesmente esqueci... com quem vou deixá-la? Com certeza sou o pior pai do mundo, quem esquece da própria filha?Entrei no quarto dela e vi que ela ainda dormia. Ela é um anjinho e uma menina tão esperta, mas só tem cinco anos. Não posso deixá-la sozinha.— Filhinha — chamei, fazendo carinho no rosto dela para acordá-la.— Já vou, Papito — ela falou com os olhos fechados.— Vou fazer o café da manhã. Não demoro e já venho te chamar de no
Liam Rodrigues Vou andando para o hospital, que não é muito longe do meu apartamento. Assim que chego, vejo que é exatamente o que esperava. Dirijo-me à recepção, o hospital não estava até bem tranquilo, e me informaram para me encaminhar para o sexto andar. Assim que entrei no elevador ouvi uma voz desesperada. — Segura o elevador, por favor! — Uma médica muito linda entra apressada.A— Obrigada. Aperta o quarto para mim, por favor — ela pede, sorrindo. Aperto o botão e seguimos calados por um tempo até ela interromper o silêncio. — Hum, sexto andar... Você é o novo cirurgião? — Sou sim — respondo, olhando para frente. Ela não fala mais nada e sai quando paramos no quarto andar. Não demora muito e chego ao sexto andar. O andar, aparentemente administrativo, é mais sério que os outros. Vou até a mesa da secretária. — Bom dia, eu sou o Juan Carlos Hernández. — Bom dia. Você é o novo cirurgião geral do hospital? — ela pergunta. Afirmo com a cabeça. — Seja bem-vindo — ela sorri. É
Rosa Fernandez Às vezes, fico olhando para a Nina e me perco em pensamentos. Não sei como explicar o que sinto por essa menininha. Eu sempre amei crianças, o amor delas é o mais puro que existe. Trabalhar ao redor delas sempre me trouxe alegria. Mas com a Nina, é diferente. Ela me completa de uma maneira que nunca imaginei. O vazio que carrego dentro de mim é preenchido a cada segundo que passo com ela, trazendo uma paz tão profunda. Eu mal a conheço, mas já a amo tanto que chega a doer. Não entendo como isso é possível, mas sei que ela me faz sentir bem e feliz de uma maneira que ninguém mais consegue. Hoje estou radiante. Quase não acreditei quando me disseram que eu era a mais nova professora. Sei que vou dar o meu melhor. A Nina ficou tão feliz quanto eu, e fomos juntas para a escola. Ela ficou quentinha ao meu lado enquanto eu conversava com a diretora, que até me deu a lista de material escolar dela, já que o Juan havia esquecido. Quando saímos da escola, voltamos para nossa
Rosa Fernandez Fomos andando e conversando até um local com brinquedos. Alma pegou a menina, que tinha no máximo uns dois anos. Ela era muito linda, a cara da mãe. A mais velha não parecia muito com ela, mas ambas tinham um brilho encantador. Nina logo me deu o Biju, e pelo que o Juan me contou, ela não desgruda dele de jeito nenhum. Sentamos e pedi o almoço. Encontramos um restaurante à moda brasileira que tinha arroz com feijão, e a sensação de familiaridade me confortou. — As aulas já vão começar, graças a Deus — Alma falou com um sorriso no rosto, e eu ri também, notando que Nina e Luz tinham saído da mesa. — Nina, Nina, cadê você? — chamei no ritmo da música da Moana, tentando não deixar a preocupação transparecer. — Eu tô aqui! — ela cantou, vindo até mim e me abraçando. Não consegui segurar a risada. — Não faça mais isso, por favor. Não saia de perto, se não você me mata do coração, meu amor — falei, e ela me abraçou apertado, com os olhinhos brilhando de arrependimento.
Juan Carlos Hernandez Esperei o diretor do hospital por mais de uma hora. Ele estava em um grande conflito com a filha, e fui obrigado a esperar que terminassem a conversa, que terminou com ela saindo furiosa. Ele ficou lá por um tempo, tentando se recompor, antes de finalmente me chamar. Ele parecia um pouco nervoso, mas tentou ser neutro. Afinal, ele já conhecia meu trabalho e falou um pouco sobre o que esperava de mim. Avisou que a situação estava complicada: estavam faltando dois cirurgiões, e até que eles voltassem, os horários seriam bagunçados. — O senhor lembra que te falei que tenho uma filha? — perguntei, esperando que ele entendesse a situação. — A maioria dos médicos também tem filhos. Espero que isso não seja um empecilho... — ele respondeu, um pouco impaciente. — Minha filha não é um empecilho, ela é minha prioridade. E eu não tenho suporte aqui, estou em um novo país... — expliquei, tentando manter a calma. — Vai ser temporário — ele respondeu, mas sem muita convic
Juan Carlos Me sentei na varanda, olhando para o céu, tentando organizar meus pensamentos. Um tempo depois, Rosa chegou. Ao vê-la, senti um alívio inexplicável e a convidei para se sentar e tomar uma taça de vinho comigo. Ela se sentou na outra cadeira, do outro lado da mesa, se enrolando por causa do frio. Meu coração acelerou um pouco ao vê-la tão perto. — É engraçado, né? — falei, olhando para ela e depois para o céu. Eu estava tentando encontrar as palavras certas, mas tudo parecia inadequado. — Eu não sei — ela respondeu com um sorriso no rosto. Ela é uma mulher muito linda, com um olhar que me provoca a querer saber o motivo de tantas sombras. Por trás de sua beleza, parecia haver uma história triste, algo que a tornava misteriosa e fascinante. — A vida. Ela muda tão rápido. Tenho medo de Nina criar muitas ideias na cabeça dela. Você se tornou alguém especial para ela, e eu nunca vi a minha filha tão feliz — falei, e ela sorriu. A felicidade de Nina me aquecia o coração, mas