Minha gotinha de amor
Minha gotinha de amor
Por: Letícia Nogueira
Capítulo 1

"Rosa"

— Rosa, Rosa — ouvi gritos estridentes e pancadas na porta que faziam as paredes do meu minúsculo quarto estremecerem.

Quem me vê neste quarto, onde só cabe uma cama de solteiro e eu muitas vezes tenho que ficar curvada para não bater a cabeça, já que fica debaixo da escada, pensaria que sou pobre ou vivo de favor neste lugar. Mas a verdade é que tudo nesta casa é meu, e o lugar é muito grande, tem seis quartos. Porém, minha avó não me deixa dormir no andar superior; na verdade, ela nem gosta quando fico aqui.

Saí do meu cubículo com cuidado, não podia fazer barulho e não queria bater a cabeça novamente, muito menos cair.

— Finalmente você acordou — minha avó falou, já toda elegante.

— Desculpa, eu fui dormir um pouco mais tarde...

— Só espero que não tenha ido falar com um namoradinho. Você sabe que nenhum homem vai te amar. Afinal, quem vai querer namorar uma assassina e uma deficiente? — ela falou e me empurrou, fazendo-me cair.

— Vovó! — Ramona gritou de cima da escada e veio correndo.

— O que foi, minha netinha linda? Você já deve estar com fome — minha avó falou esboçando um sorriso para ela. — Levante logo daí e vá fazer o café das suas irmãs — ela falou, me chutando.

— Não faz isso com a minha irmã — Ramona pediu.

— Ela merece muito mais, essa assassina, miserável — minha avó falou, me dando outro tapa. — Você matou a minha filha — ela repetiu, como das outras vezes, e saiu. Tentei levantar, mas não conseguia, e isso sempre me fazia chorar.

— Vem, Rosa, deixa eu te ajudar — Ramona falou, ajudando-me a levantar com cuidado. — Você se machucou? — ela perguntou, preocupada comigo. Eu me sentei no sofá e tirei a prótese da minha perna com cuidado. Está folgada desde que fui obrigada a voltar para o Brasil; eu perdi muito peso. — Rosa, não dê ouvidos para o que a vovó fala. Você vai encontrar um amor um dia.

— Eu não ligo para isso, Ramona. Eu só quero ir embora o mais rápido possível daqui...

— É só ir, ninguém está te segurando, você está aqui por opção — Rosário falou descendo as escadas de pijama.

E ela, por um lado, está certa. Eu posso ir a hora que eu quiser, mas estou cansada de nunca pertencer a um lugar e ficar jogada de um lado para o outro. Também não posso sumir sem dinheiro, mas estou resolvendo isso. Eu preciso ter controle total do meu dinheiro, e mesmo eu estando aqui no começo para poder conviver com minhas irmãs, eu não as vejo há um tempo.

— Não fale assim, Rosário. A Rosa está na casa dela, nós que moramos aqui de favor...

— Se você não está lembrada, esta casa era dos nossos pais, e não da Rosa. O papai que foi um besta em ter colocado tudo no nome da aleijada — ela falou, e aquilo me deu vontade de chorar. Então só coloquei a minha prótese para sair dali o mais rápido possível.

— Rosário, não fale assim da nossa irmã. Você sabe muito bem por que ela perdeu a perna, e tudo é dela. Nossa mãe nunca trabalhou, e todo o dinheiro que nossa família tem vem da Rosa. Agora pare de destilar seu veneno — Rosângela falou com um sorriso, vindo toda arrumada.

Ela sempre foi uma fofa comigo. Bom, só a Rosário que, desde o acidente, ficou ácida e sempre me trata mal.

— E você quer ajuda para tomar banho? — Rosângela perguntou.

— Não precisa, Ângela, eu consigo sozinha. Mas deixa eu fazer o café de vocês. E você, Ramona, vai sair comigo? Hoje eu vou à universidade — falei, me levantando.

Eu me viro muito bem sozinha. Uso prótese há quase 15 anos, então tenho muita praticidade em me locomover e me virar sozinha. Afinal, nunca tive ninguém para me ajudar.

Cheguei na cozinha. Hoje a cozinheira precisou de um dia de folga, e como eu dei sem pedir à minha avó, ela está uma fera comigo. Mas a verdade é que ela não gosta de mim, nunca gostou; para ela, eu deveria ter morrido há muito tempo.

— Você vai embora quando? — minha avó perguntou. — Se você quiser, eu converso com o padre Eduardo, ele pode arranjar um ótimo convento.

— Obrigada, mas eu não tenho vocação religiosa, e não se preocupe, eu só estou esperando a resposta da universidade...

— E claro, não vai procurar emprego?

— Mas quem contrataria ela, vovó? Quem quer uma aleijada cuidando de criança? Não sei para que ela gasta tanto o nosso dinheiro — Rosário falou, e eu abaixei a cabeça. Eu queria falar, mas essas palavras sempre me machucam.

— Para com isso, Rosário. O dinheiro é da Rosa, ela faz o que quiser — Rosângela falou, vindo até mim e ajudando a fazer as torradas.

— O dinheiro é nosso. Ela matou os nossos pais, é o mínimo que ela tem que fazer — quando ouvi o que ela falou, eu derrubei o prato que estava na minha mão no chão.

— Olha aí, é uma inútil mesmo...

Ela falou mais alguma coisa, mas eu não ouvi. Saí da cozinha e fui para o banheiro, tirando a prótese e pegando minhas muletas.

Fui para a frente do espelho e comecei a chorar.

Às vezes eu só queria ter morrido também. Perder minha perna não foi o suficiente. Olhei para o meu joelho que estava machucado por causa do empurrão.

— Se um Deus existe de verdade, por que me fez sofrer tanto assim? Por que eu não tenho um minuto de felicidade? Por que me tirou os meus pais? Eu preferia ter morrido com eles — falei, chorando.

Eu sei que é verdade, ninguém nunca vai me amar de verdade. Afinal, quem realmente amaria uma mulher assim? Eu sou horrível e não mereço ser amada.

Tomei meu banho e vesti uma roupa como sempre, comprida. Eu não gosto que as pessoas vejam minha prótese e venham com perguntas chatas de como eu perdi a perna ou tenham aqueles olhares de pena. Vesti uma calça jeans e coloquei minha coturno preta, uma blusa lilás com uma das frases que eu mais amo.

"Antes de falar qualquer coisa, se coloque no lugar de quem vai escutar."

Eu só queria que mais pessoas realmente entendessem esta frase ou dessem atenção. Mas eu já entendi há muito tempo que as pessoas são más, e não há nada que eu faça que possa mudar o mundo. A única coisa que tenho que fazer é a minha parte.

Arrumei minha bolsa. Eu precisava falar com o meu advogado pessoalmente.

Saí de casa sem falar com ninguém. Não quero que a minha avó descubra a verdade sobre o dinheiro.

Eu morro de medo de dirigir, e na verdade evito andar de carro. Faço tudo a pé ou de metrô, como vou fazer agora. Eu preciso saber se consegui a vaga na minha pós e resolver a questão do meu dinheiro.

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Continua...

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