"Rosa"
— Rosa, Rosa — ouvi gritos estridentes e pancadas na porta que faziam as paredes do meu minúsculo quarto estremecerem. Quem me vê neste quarto, onde só cabe uma cama de solteiro e eu muitas vezes tenho que ficar curvada para não bater a cabeça, já que fica debaixo da escada, pensaria que sou pobre ou vivo de favor neste lugar. Mas a verdade é que tudo nesta casa é meu, e o lugar é muito grande, tem seis quartos. Porém, minha avó não me deixa dormir no andar superior; na verdade, ela nem gosta quando fico aqui. Saí do meu cubículo com cuidado, não podia fazer barulho e não queria bater a cabeça novamente, muito menos cair. — Finalmente você acordou — minha avó falou, já toda elegante. — Desculpa, eu fui dormir um pouco mais tarde... — Só espero que não tenha ido falar com um namoradinho. Você sabe que nenhum homem vai te amar. Afinal, quem vai querer namorar uma assassina e uma deficiente? — ela falou e me empurrou, fazendo-me cair. — Vovó! — Ramona gritou de cima da escada e veio correndo. — O que foi, minha netinha linda? Você já deve estar com fome — minha avó falou esboçando um sorriso para ela. — Levante logo daí e vá fazer o café das suas irmãs — ela falou, me chutando. — Não faz isso com a minha irmã — Ramona pediu. — Ela merece muito mais, essa assassina, miserável — minha avó falou, me dando outro tapa. — Você matou a minha filha — ela repetiu, como das outras vezes, e saiu. Tentei levantar, mas não conseguia, e isso sempre me fazia chorar. — Vem, Rosa, deixa eu te ajudar — Ramona falou, ajudando-me a levantar com cuidado. — Você se machucou? — ela perguntou, preocupada comigo. Eu me sentei no sofá e tirei a prótese da minha perna com cuidado. Está folgada desde que fui obrigada a voltar para o Brasil; eu perdi muito peso. — Rosa, não dê ouvidos para o que a vovó fala. Você vai encontrar um amor um dia. — Eu não ligo para isso, Ramona. Eu só quero ir embora o mais rápido possível daqui... — É só ir, ninguém está te segurando, você está aqui por opção — Rosário falou descendo as escadas de pijama. E ela, por um lado, está certa. Eu posso ir a hora que eu quiser, mas estou cansada de nunca pertencer a um lugar e ficar jogada de um lado para o outro. Também não posso sumir sem dinheiro, mas estou resolvendo isso. Eu preciso ter controle total do meu dinheiro, e mesmo eu estando aqui no começo para poder conviver com minhas irmãs, eu não as vejo há um tempo. — Não fale assim, Rosário. A Rosa está na casa dela, nós que moramos aqui de favor... — Se você não está lembrada, esta casa era dos nossos pais, e não da Rosa. O papai que foi um besta em ter colocado tudo no nome da aleijada — ela falou, e aquilo me deu vontade de chorar. Então só coloquei a minha prótese para sair dali o mais rápido possível. — Rosário, não fale assim da nossa irmã. Você sabe muito bem por que ela perdeu a perna, e tudo é dela. Nossa mãe nunca trabalhou, e todo o dinheiro que nossa família tem vem da Rosa. Agora pare de destilar seu veneno — Rosângela falou com um sorriso, vindo toda arrumada. Ela sempre foi uma fofa comigo. Bom, só a Rosário que, desde o acidente, ficou ácida e sempre me trata mal. — E você quer ajuda para tomar banho? — Rosângela perguntou. — Não precisa, Ângela, eu consigo sozinha. Mas deixa eu fazer o café de vocês. E você, Ramona, vai sair comigo? Hoje eu vou à universidade — falei, me levantando. Eu me viro muito bem sozinha. Uso prótese há quase 15 anos, então tenho muita praticidade em me locomover e me virar sozinha. Afinal, nunca tive ninguém para me ajudar. Cheguei na cozinha. Hoje a cozinheira precisou de um dia de folga, e como eu dei sem pedir à minha avó, ela está uma fera comigo. Mas a verdade é que ela não gosta de mim, nunca gostou; para ela, eu deveria ter morrido há muito tempo. — Você vai embora quando? — minha avó perguntou. — Se você quiser, eu converso com o padre Eduardo, ele pode arranjar um ótimo convento. — Obrigada, mas eu não tenho vocação religiosa, e não se preocupe, eu só estou esperando a resposta da universidade... — E claro, não vai procurar emprego? — Mas quem contrataria ela, vovó? Quem quer uma aleijada cuidando de criança? Não sei para que ela gasta tanto o nosso dinheiro — Rosário falou, e eu abaixei a cabeça. Eu queria falar, mas essas palavras sempre me machucam. — Para com isso, Rosário. O dinheiro é da Rosa, ela faz o que quiser — Rosângela falou, vindo até mim e ajudando a fazer as torradas. — O dinheiro é nosso. Ela matou os nossos pais, é o mínimo que ela tem que fazer — quando ouvi o que ela falou, eu derrubei o prato que estava na minha mão no chão. — Olha aí, é uma inútil mesmo... Ela falou mais alguma coisa, mas eu não ouvi. Saí da cozinha e fui para o banheiro, tirando a prótese e pegando minhas muletas. Fui para a frente do espelho e comecei a chorar. Às vezes eu só queria ter morrido também. Perder minha perna não foi o suficiente. Olhei para o meu joelho que estava machucado por causa do empurrão. — Se um Deus existe de verdade, por que me fez sofrer tanto assim? Por que eu não tenho um minuto de felicidade? Por que me tirou os meus pais? Eu preferia ter morrido com eles — falei, chorando. Eu sei que é verdade, ninguém nunca vai me amar de verdade. Afinal, quem realmente amaria uma mulher assim? Eu sou horrível e não mereço ser amada. Tomei meu banho e vesti uma roupa como sempre, comprida. Eu não gosto que as pessoas vejam minha prótese e venham com perguntas chatas de como eu perdi a perna ou tenham aqueles olhares de pena. Vesti uma calça jeans e coloquei minha coturno preta, uma blusa lilás com uma das frases que eu mais amo. "Antes de falar qualquer coisa, se coloque no lugar de quem vai escutar." Eu só queria que mais pessoas realmente entendessem esta frase ou dessem atenção. Mas eu já entendi há muito tempo que as pessoas são más, e não há nada que eu faça que possa mudar o mundo. A única coisa que tenho que fazer é a minha parte. Arrumei minha bolsa. Eu precisava falar com o meu advogado pessoalmente. Saí de casa sem falar com ninguém. Não quero que a minha avó descubra a verdade sobre o dinheiro. Eu morro de medo de dirigir, e na verdade evito andar de carro. Faço tudo a pé ou de metrô, como vou fazer agora. Eu preciso saber se consegui a vaga na minha pós e resolver a questão do meu dinheiro. ©©©©©©©©© Continua...RosaFui diretamente falar com o meu advogado e tive uma ótima notícia: finalmente consegui mudar os laudos que minha avó tinha feito, dizendo que eu não tinha capacidade de cuidar do meu próprio dinheiro.Finalmente saiu o resultado da minha pós-graduação. Eu queria estudar no México, onde morei há alguns anos e sou apaixonada, mas acho que chegou a hora de voltar para minhas raízes. Estou tentando voltar para Buenos Aires.Eu nem acreditei quando vi que consegui a vaga.— Parabéns, Rosa — disse meu professor Gabriel, com os olhos brilhando de orgulho. — Você conseguiu a vaga, e a concorrência estava acirrada.— Obrigada, professor. Nem acredito que vou voltar para a Argentina — falei, tentando conter as lágrimas de emoção que ameaçavam cair. Meu coração batia acelerado, uma mistura de excitação e alívio.— Sei que você está bem empolgada, e é muito bom te ver sorrir. Eu sei que você só fez trabalhos como estagiária, e você precisa de vivência em sala de aula. Por isso, te indiquei p
Juan CarlosEstava colocando minha filhinha para dormir.— Não esqueça o bichinho — falei, pegando o elefante de pelúcia que ela tem desde que estava na barriga. Comprei quando soube que seria pai, e a Nina adora ele. São inseparáveis.— Papito, eu não estou com sono, e também não quero viajar amanhã — ela choramingou.— Meu anjinho, o papito já te explicou várias vezes que temos que ir. O papai vai trabalhar lá agora — falei, e ela fez bico e sentou, cruzando os braços.— Mas e se a mamãezinha voltar e eu não estiver aqui? Eu sonhei com ela ontem e ela falou que não falta muito para nos encontrarmos. Por favor, papito, fica aqui, por favor — ela pediu com aqueles olhinhos lindos, e me dói vê-la assim.— Filha, já está na hora de dormir — falei, depositando um beijo na testa dela, e a deitei e a cobri.Fiquei fazendo carinho na cabeça dela até ela adormecer.Saí do quarto; a casa já está quase toda vazia. Tem apenas umas caixas e as malas. Estávamos dormindo em colchões no chão.Termi
RosaEu estava encantada com aquela menininha. Como eu podia sentir algo tão grande por um ser que eu nem conhecia direito? Seus olhos brilhavam como estrelas, e seu sorriso era uma luz em meio à minha noite.No elevador, ela segurou na minha mão e sorriu para mim, e eu sorri de volta para ela. Seu toque era quente e reconfortante, como se já nos conhecêssemos há muito tempo.— Então, Rosa, qual é o seu apartamento? — ele me perguntou com um sorriso brincalhão que fazia suas rugas de expressão ficarem ainda mais evidentes.No condomínio, há 15 andares, e apenas dois apartamentos por andar, o que torna os apartamentos espaçosos e privados, quase como pequenas casas suspensas.Saímos juntos do elevador, e ajudei-o com a Nina, que estava segurando na minha mão. Pelo visto, ela não queria me soltar, e eu também não queria me despedir deles. Porém, minha perna estava doendo demais, e eu só queria ir para o meu apartamento, tirar esta roupa e a prótese que me apertava a cada passo.— O meu
Juan Carlos HernandezÀ noite, Nina demorou a dormir, mas não mencionou a mãe. Ela estava muito empolgada e me ajudou a tirar os panos dos móveis e arrumar seu quartinho. Quando finalmente deitamos, já era de manhã, e ela nem queria dormir, queria falar com a nossa vizinha. Não sei o que essa mulher tem de tão mágico.Nina sempre foi muito tímida e não costuma falar com estranhos, mas com a vizinha, tudo fluiu tão naturalmente, como se ela tivesse superpoderes, um toque de magia. Há algo nela que eu não consigo explicar.Acabei dormindo com Nina às cinco e meia da manhã, e nós acordamos às dez. Já sabia que seria uma briga tirá-la de casa.— Papito, não quero ir para o hospital — disse, cruzando os braços e fazendo bico enquanto eu escolhia sua roupa.Ela, que vivia no hospital quando era menor, agora não gosta muito. Provavelmente não terei uma filha médica.Mas hoje nem vamos ao hospital. Tenho uma lista de coisas a fazer antes de começar a trabalhar.— Meu amorzinho, nós não vamos
Rosa FernandezEu queria tanto vir a este lugar. Quando paramos na porta, meus olhos se encheram de lágrimas. A saudade bateu forte e Juan Carlos notou minha emoção, sorriu para mim.Não sei por que os trouxe até aqui, mas quando estou com eles, sinto-me mais forte, mais segura. Mesmo com muita saudade, tenho medo de não encontrar as pessoas certas. O lugar parecia exatamente como me lembrava: a sorveteria ainda tinha o mesmo cheiro doce de baunilha e morango misturados, as cadeiras de madeira envernizada onde costumávamos sentar.Assim que entramos, confirmei meus sentimentos. Realmente deveria estar ali. Nem sabia o quanto sentia saudades até entrar naquele lugar e as lembranças me invadirem. Até o cheiro era igualzinho.— Estão prontos para experimentar o melhor sorvete de suas vidas? — disse, sorrindo.Pude ver meu avô Augustin; ele estava exatamente como me lembrava. Com seus cabelos brancos como a neve e o sorriso gentil que sempre acolhia a todos. Como não adotou meu pai legalm
Juan Carlos Eu sei que eu deveria ter deixado a Rosa falar a verdade; afinal, são a família dela. Mas não me pareceu certo, o que é meio louco, afinal a verdade tem que ser o correto, mas não tem como dizer a verdade que pode tirar a felicidade da minha filha, ela estava tão feliz com os "avós". Fiquei observando a Rosa; notei que ela ficou meio sem graça quando me mostrou a prótese, e estou preocupado com ela, ela machucada e se esforçando muito, pegou até a minha filha no colo, ela com certeza é uma pessoa única, o jeito dela é tão doce. Eu fiquei meio curioso para saber a história toda, entender como ela perdeu a perna porque ela tem essa sobra no olhar, porque ficou longe da família por tantos anos que puderam deduzir que ela tem uma filha de quase seis anos, mas não podia ser tão intrometido, a única coisa que eu poderia ter certeza é que aquela mulher é maravilhosa, e muito forte. — Rosa, vamos embora, eu preciso ir ao mercado. — falei para ela. — Certo, tem problema eu ir c
Juan Carlos Acordei com uma dor horrível na coluna; acabei dormindo no sofá com a minha filha em cima de mim.Eu deveria ter um sofá mais confortável.Levantei-me com cuidado, peguei a Nina no colo e a levei para o quarto, colocando-a na cama. Fui tomar um banho e me arrumar, pois hoje preciso me apresentar no hospital e levar todos os documentos que estão faltando para confirmar a matrícula da Nina na escola nova.Arrumei minha pasta e estava mentalmente listando se já estava quase tudo pronto quando lembrei de uma coisa.— Ai meu Deus, a Nina! Eu simplesmente esqueci... com quem vou deixá-la? Com certeza sou o pior pai do mundo, quem esquece da própria filha?Entrei no quarto dela e vi que ela ainda dormia. Ela é um anjinho e uma menina tão esperta, mas só tem cinco anos. Não posso deixá-la sozinha.— Filhinha — chamei, fazendo carinho no rosto dela para acordá-la.— Já vou, Papito — ela falou com os olhos fechados.— Vou fazer o café da manhã. Não demoro e já venho te chamar de no
Liam Rodrigues Vou andando para o hospital, que não é muito longe do meu apartamento. Assim que chego, vejo que é exatamente o que esperava. Dirijo-me à recepção, o hospital não estava até bem tranquilo, e me informaram para me encaminhar para o sexto andar. Assim que entrei no elevador ouvi uma voz desesperada. — Segura o elevador, por favor! — Uma médica muito linda entra apressada.A— Obrigada. Aperta o quarto para mim, por favor — ela pede, sorrindo. Aperto o botão e seguimos calados por um tempo até ela interromper o silêncio. — Hum, sexto andar... Você é o novo cirurgião? — Sou sim — respondo, olhando para frente. Ela não fala mais nada e sai quando paramos no quarto andar. Não demora muito e chego ao sexto andar. O andar, aparentemente administrativo, é mais sério que os outros. Vou até a mesa da secretária. — Bom dia, eu sou o Juan Carlos Hernández. — Bom dia. Você é o novo cirurgião geral do hospital? — ela pergunta. Afirmo com a cabeça. — Seja bem-vindo — ela sorri. É