Marrento
Alguns chamariam isso de sorte, ou um acaso, quem sabe de destino. Mas eu chamaria de azar. Justo quando decido sair do meu lado mais obscuro isso me acontece? Mas que merda! Era só ter dado meia volta, Alex, meia volta e você estaria livre! Agora estou aqui sentado no sofá da minha sala e olhando para uma garota assustada que não para de andar de um lado para o outro do cômodo, enquanto olha para cada detalhe da minha decoração. Sinto que a minha escuridão só aumentou com a atitude de hoje. Ela está tentando me sufocar, me oprimir e me dominar outra vez. Não, eu não posso me permitir viver nessa escuridão outra vez. Eu não quero voltar pra lá nunca mais! Sim, estou apavorado, estou com medo e tão assustado quanto aquela garota desconhecida no meio da minha sala. Por que eu não fiquei na minha cama hoje? Por que eu tinha que dar uma de senhor saúde e sair de casa? Eu devia ter esperado pelo Jordan, ele jamais permitiria que eu fizesse essa merda. Respiro fundo algumas vezes. Ela se vira e olha para mim e eu fito os cabelos curtos e escuros, os olhos castanhos expressivos, a boca pequena e carnuda com um leve corte no canto e uma marca arroxeada quase imperceptível na maçã do seu rosto. Meus olhos percorrem o corpo esguio. Ele está tremendo um pouco e ela o está abraçada com se pudesse se proteger. Como eles a chamaram mesmo? Ah, isso não importa! Levanto-me do sofá com um rompante e a garota imediatamente fica em alerta. É sério isso? Ela está com medo de mim? Eu acabei de salvar a tua vida, porra! Suspiro contrariado e resolvo não me aproximar só um pouco.
— Está com fome? — inquiro como quem não quer nada. Ela não me responde com palavras, faz apenas um leve aceno de cabeça dizendo que sim e eu assinto. — Anita deve ter preparado algo para comer — digo e saio da sala indo para a cozinha na esperança de que ela me siga. Mas ela não faz. Então paro e olho para trás. Ela continua lá parada no meio da sala de visitas olhando na minha direção. Ai, meu saco! Suspiro audivelmente. — Você não vem? —rosno impaciente. Ela me olha por um tempo e eu rolo os olhos. É, ela parece um bichinho do mato acuado e assustado. Há alguns dias eu adoraria me alimentar do seu medo. Isso me fazia sentir forte e imponente, e eu adorava usar desse poder sempre que sentia vontade. Balanço a cabeça afastando esses pensamentos para longe de mim e adentro a ampla cozinha onde cinquenta por cento das paredes são de vidros e a outra metade de concreto e cerâmicas brancas. Os balcões têm um formato de L e são iluminados por pequenas lâmpadas de LED. Um dos balcões comporta alguns bancos altos. Anita sorri assim que me vir entrar no cômodo.
— Bom dia, senhor Alex! A corrida foi boa? — Podia ter sido melhor! Resmungo mentalmente carrancudo.
— Você fez isso tudo para comer? — questiono olhando para a mesa farta e ignoro a sua pergunta. Ela sorri outra vez ignorando a minha rabugice.
— Não tinha ideia do que ia querer para o café da manhã então fiz de tudo um… pouco… — Ela gagueja o final da frase e olha maravilhada acima dos meus ombros. — Uma menina! — cantarola admirada me fazendo revirar os olhos outra vez. O que há demais em uma menina? É só uma garota e pronto! — Oi, eu sou a Anita e qual É o seu nome? — Minha governanta questiona toda amorosa indo de encontro a moça. Olho para trás, para as duas mulheres e penso que Anita me lembra a minha mãe. Ela era uma mulher dedicada, amorosa e atenciosa na mesma proporção e eu a amava muito! Confesso que ainda sinto a dor de sua perda mesmo após esses longos anos. Deus, como sinto a sua falta! Penso melancólico. Puxo mais uma respiração e encaro a minha governanta ainda de olho na garota.
— Dê algo para ela comer e depois ela pode ir embora! — rosno com um tom seco saindo da cozinha e vou para o meu quarto. Preciso tomar um banho e depois vou conhecer a minha empresa.
O banho é bem demorado e na hora de pôr uma roupa fico indeciso no que escolher para vestir no meu primeiro dia. Quando fazia parte do bando de Cicatriz as roupas informais só eram usadas em ocasiões informais. Fora isso eu usava qualquer roupa que me deixasse a vontade. Escolho um conjunto de terno Armani de três riscas cinza chumbo, uma camisa branca de botões e uma gravata de ceda vermelho-escuro. No final, me olho no espelho e gosto do que vejo. Por fim, ponho um par de sapatos lustrosos, algumas abotoaduras e um Rolex no meu pulso, e saio do meu quarto de cabeça erguida, andando firme e sentindo orgulho de mim. Desço as escadas e encontro Danilo passando algumas instruções para os empregados da casa. Definitivamente não sei para que tudo isso, mas penso que ele está gostando dessa brincadeira de comandar. Sorrio para esse pensamento e vou direto para a cozinha. Contudo, paro abruptamente ao perceber que a garota ainda está lá sentada em um dos bancos altos e tomando o seu café da manhã. Não seria nada demais se ela não estivesse de banho tomado, toda limpinha e vestindo um vestido branco de alcinhas que mostram alguns detalhes do seu corpo. Onde ela conseguiu isso tudo e por que ainda está aqui? Olho ávido pelo cômodo a procura de Anita, mas a filha da mãe não está aqui. Assim que me acomodo no banco ao seu lado, a garota baixa os olhos e isso me dá a chance de olhá-la mais detalhadamente. Agora limpinha percebo a sua pele morena, mas de um tom claro. Ela é linda e por algum motivo as minhas mãos estão coçando de vontade de tocá-la. Em silêncio corto um pedaço do queijo caseiro e o levando a boca com o auxílio da faca mesmo e em seguida me sirvo uma xícara de café, bebericando-o em seguida e aprecio o seu gosto amargo. De rabo de olho observo a sua respiração levemente ofegante e algumas ela vezes pressiona os lábios.
— Quando pretende ir embora? — questiono tirando os meus olhos de cima dela e pego um pedaço do pão no cesto de vime. Ela não me responde e isso é irritante pra cacete! — A caso o gato comeu a sua língua? — resmungo impaciente. Ela ergue o seu olhar e me encara pela primeira vez.
— Não. Eu... não tenho para onde ir... Senhor Alex. — Ela gagueja e a sua voz é quase um fio. PUTA QUE PARIU! Um grito ecoa de dentro de mim. Essa porra de senhor Alex não vai dar muito certo aqui! Penso e limpo a garganta voltando o meu olhar para o meu prato.
— Eu não tenho nada a ver com isso, menina! — rebato áspero.
— Fabiana. — Ela diz repentina, me deixando confuso. — O meu nome é Fabiana, mas todos me chamam Fabi. — Apenas assinto lentamente e permaneço calado. Essa sua voz suave me perturba. Penso incomodado. Tem um tom doce, meigo e encantador que me faz querer recuar. — Se… se puder me arrumar um emprego — sugere. — E… um lugar para ficar… — Deixa a frase solta no ar.
Não! Não! Não e não, Alex, não se atreva! Está na cara que essa garota é chave de cadeia e você não vai querer se envolver nisso de novo! Meu subconsciente rosna em alerta no mesmo instante.
— Fale com a Anita e pergunte se tem alguma função nessa casa pra você. — O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, PORRA?! O grito ensurdecedor do meu subconsciente ecoa atormentando os meus ouvidos. Puxo a respiração com força e saio da mesa imediatamente. Ando com passos largos para a sala sem ao menos usar a minha educação de dizer um bom dia para garota. — Danilo, o carro está pronto? — indago com um tom muito rude.
Marrento— Sim, senhor! O Jordan irá levá-lo para a empresa e ficará lhe aguardando até a hora que precisar voltar — informa prontamente. — Ótimo! — rosno e caminho para a porta.— Aqui, Senhor! — Ele diz me fazendo parar e encaro a pasta de papel grosso estendida em minha direção.— O que é isso?— São alguns documentos que precisa ler no caminho. O senhor terá uma reunião de início com os funcionários. É algo que precisa ser feito, senhor! — bufo.— Eu preciso de uma secretária que me ajude a organizar essas coisas — retruco.— Sim, Senhor! Vou providenciar uma.— Faça isso, Danilo! — digo e saio de casa.***Nunca pensei que vida de empresário fosse para mim. Nem mesmo no submundo cheguei a ser dono de algo. Contudo, estou gostando dessa sensação, mas por outro lado estou a horas trancado no escritório e perdido em meus próprios pensamentos. Eles estão preenchidos com uma única imagem: Jasmine, quando eu deveria estar atento a reunião com os sócios executivos da minha empresa. Pen
MarrentoÉ quase meia-noite e ainda estou acordado, trabalhando com afinco no meu Macbook, avaliando algumas propostas na minha caixa de e-mails e ainda preciso analisar alguns documentos para o dia seguinte. Confesso que estou começando a gostar dessa minha vida de empresário. Ela mantém a minha mente ocupada por muito tempo e não sobra espaço para lamentar o meu passado, e quando termino, o cansaço cobra o seu preço e eu sempre durmo como uma pedra até o dia seguinte. Estranhamente o meu antigo celular começa a tocar dentro de uma das gavetas do criado mudo e curioso o pego para olhar o número desconhecido, e faço isso por algum tempo. Penso em ignorar essa ligação, e trinco o maxilar me perguntando por que mantenho esse guardo esse maldito aparelho comigo. Essa foi única coisa que restou do meu passado obscuro. Nesse minúsculo chip tem centenas de contatos de provedores do melhor material que o submundo pode oferecer, sem falar nos milhares de nomes de compradores, viciados no pó e
MarrentoUma semana…Tenho fome, muita fome e sede também, mas não quero pedir nada para ele. Me sinto fraco e o calor do galpão é quase insuportável. Quero a minha mãe, quero o meu pai e tenho vontade de chorar. Por que eles não me matam logo?— Como ele está hoje? — Cicatriz pergunta adentrando o local sujo e semiescuro.— Ainda não cedeu, Cicatriz. O garoto é valente!— Ele é um idiota, isso sim! Não vai me vencer e sabe disso.— O que quer que eu faça?— Desamarre-o, dê comida e água, e depois leve-o para o topo — ordenou e saiu em seguida. O homem mal-encarado me olhou com um sorriso maldoso e debochado. Não sei o que significa ir para o topo, mas sinto que nada de bom vem por aí. Ele põe um pedaço de pão e um copo de leite na minha frente e a visão chega a me dar água na boca. Como tudo feito um animal faminto sem ao menos lavar as minhas mãos e sem nenhuma educação como me ensinaram, a final já faz dois dias que não como nada. E quando termino sou forçado a sair do galpão. A l
MarrentoCom certeza ele não faria. Penso me forçando a parar a corrida porque realmente está difícil de respirar. Então me sento em um banco de concreto e imediatamente sinto a minha cabeça girar em círculos. Agacho-me e tento recobrar o meu fôlego gradualmente. Isso é o inferno. Ele está morto, porra e mesmo assim eu não consigo viver! Que grande filho da puta! Até quando vai me perseguir? Até quando pretende me assombrar? Meneio a cabeça fazendo não e, agitado sacudo os cabelos molhados de suor. Você não tem mais poder sobre mim, seu desgraçado! Rosno mentalmente e ergo a cabeça para encarar o céu já claro. Preciso voltar para casa. Penso enquanto aguardo a minha respiração volta ao normal. Minutos depois, resolvo voltar todo o trajeto andando e levo um pouco mais de uma hora para chegar em casa. Assim que entro vou direto para o meu quarto, tomo um banho demorado e finalmente sinto o meu corpo relaxar.— Bom dia, senhor Alex! — Fabiana fala adentrando o escritório da minha casa. T
MarrentoBonita, dedicada, determinada e levemente selvagem. Essa é a imagem que eu tenho da minha assistente pessoal. Contudo, é como se ela estivesse em todo o lugar dessa casa e ao mesmo tempo, sempre atenta a tudo. Pela manhã encontro sempre a minha agenda atualizada. Eventos, lembretes de reuniões, horários de almoço comerciais, tudo sincronizado com as atividades do escritório, pois está sempre em contato com a minha secretária na empresa. Por esse motivo, acabo descobrindo que nem sempre preciso estar lá realmente e que posso resolver algumas coisas aqui de casa mesmo. Hoje é sexta-feira e eu só tenho uma reunião na parte da tarde. De alguma forma isso não está me incomodando, pelo contrário, me sinto leve. Me pergunto se os meus demônios resolveram me dá uma trégua? Eu realmente espero que sim. Vou até à cozinha o único cômodo da casa onde eu sei que posso encontrar as únicas mulheres que preenchem o meu dia e com um sorriso largo adentro saudando-as com um bom dia. Eu sei, pa
MarrentoJá estamos na metade da dança quando resolvo erguer a minha cabeça para fitar seus olhos escuros e imediatamente arrebatado por eles. Fabiana tem uma beleza singular, que prende e que me cativa, e sem perceber me inclino fitando os seus lábios até enfim, tocá-los com os meus. Um toque, apenas um leve toque e parece tudo girou, ficando de ponta cabeça. Deus, o que estou fazendo? Me pergunto no mesmo instante que aprofundo um pouco o beijo. Eu deveria recuar, me afastar dela, mas isso é... tão bom! Penso, apertando ainda mais a sua cintura e aprofundo ainda mais o nosso beijo. Meu coração dispara enlouquecido quando sinto o seu sabor no meu paladar. E droga, a sua boca é tão macia e... tão doce! Fabiana está levemente ofegante. Contudo, ela para o beijo bruscamente, fazendo-me encaro os olhos assustados. Ela engole em seco e para a dança. Na verdade, é como se tudo estivesse realmente parado agora e apenas os seus olhos me fitam em um julgamento brutal. O que fiz e errado agora
Marrento— Garçom, mais uma por favor! — peço sentindo a minha voz enrolar.— Pra você já chega, meu jovem, está na hora de ir para casa. — Rio debochado. Sério? Ele está ditando a porra do meu tempo?— Eu estou pagando, caralho e quero mais uma bebida! — rosno irritado. Levanto-me com dificuldade do banco alto e encaro o homem de perto. Ele faz um gesto com o olhar para os seguranças em pé na porta e segundos depois estou sendo arrastado para fora do estabelecimento, e jogado como o lixo que sou na calçada. Solto alguns xingamentos e me levanto cambaleante. E mesmo sentindo a minha cabeça girar, subo na moto e logo escuto o ronco do motor. Destino. Uma vez me falaram sobre ele. É algo predestinado. Você nasceu para aquilo e não tem como escapar dele. Eu nasci para ser um homem mal, para trazer o medo e espalhar o terror. A final, eu sou o Marrento a porra de um delinquente. Sou e sempre serei a porra de um traficante e um assassino. Não importa a droga do carro luxuoso na minha garag
MarrentoNo dia seguinte abro os olhos sentindo uma dor de cabeça infernal e me dou conta de que ainda estou deitado no tapete que fica perto da cama e em meio aos destroços de móveis e de vidros que quebrei durante a madrugada. Levanto-me devagar, me sento e me encosto na lateral da cama, esfregando o meu rosto e deslizo as mãos pelos cabelos em seguida. Lembro-me da noite passada, do evento de gala, do pequeno beijo roubado, a revelação de Fabiana e a bebedeira. O que eu fiz? Puta que pariu, o que eu fiz?! Levanto-me do chão com dificuldade e vou para o banheiro, tomo um banho frio e demorado, muito demorado. Por fim, visto uma roupa casual, calço chinelos de dedo e saio do quarto. Na cozinha encontro Anita e Fabiana, e inevitavelmente fito a garota que tem o olhar baixo e fixo em suas próprias mãos.— Bom dia, Senhor Alex! — Anita diz com sua costumeira animação.— Bom dia! — digo seco demais. Meus olhos ainda estão fixos na garota sentada no banco alto. — Como foi a festa ontem?