5

Marrento

Alguns chamariam isso de sorte, ou um acaso, quem sabe de destino. Mas eu chamaria de azar. Justo quando decido sair do meu lado mais obscuro isso me acontece? Mas que merda! Era só ter dado meia volta, Alex, meia volta e você estaria livre! Agora estou aqui sentado no sofá da minha sala e olhando para uma garota assustada que não para de andar de um lado para o outro do cômodo, enquanto olha para cada detalhe da minha decoração. Sinto que a minha escuridão só aumentou com a atitude de hoje. Ela está tentando me sufocar, me oprimir e me dominar outra vez. Não, eu não posso me permitir viver nessa escuridão outra vez. Eu não quero voltar pra lá nunca mais! Sim, estou apavorado, estou com medo e tão assustado quanto aquela garota desconhecida no meio da minha sala. Por que eu não fiquei na minha cama hoje? Por que eu tinha que dar uma de senhor saúde e sair de casa? Eu devia ter esperado pelo Jordan, ele jamais permitiria que eu fizesse essa merda. Respiro fundo algumas vezes. Ela se vira e olha para mim e eu fito os cabelos curtos e escuros, os olhos castanhos expressivos, a boca pequena e carnuda com um leve corte no canto e uma marca arroxeada quase imperceptível na maçã do seu rosto. Meus olhos percorrem o corpo esguio. Ele está tremendo um pouco e ela o está abraçada com se pudesse se proteger. Como eles a chamaram mesmo? Ah, isso não importa! Levanto-me do sofá com um rompante e a garota imediatamente fica em alerta. É sério isso? Ela está com medo de mim? Eu acabei de salvar a tua vida, porra! Suspiro contrariado e resolvo não me aproximar só um pouco.

— Está com fome? — inquiro como quem não quer nada. Ela não me responde com palavras, faz apenas um leve aceno de cabeça dizendo que sim e eu assinto. — Anita deve ter preparado algo para comer — digo e saio da sala indo para a cozinha na esperança de que ela me siga. Mas ela não faz. Então paro e olho para trás. Ela continua lá parada no meio da sala de visitas olhando na minha direção. Ai, meu saco! Suspiro audivelmente. — Você não vem? —rosno impaciente. Ela me olha por um tempo e eu rolo os olhos. É, ela parece um bichinho do mato acuado e assustado. Há alguns dias eu adoraria me alimentar do seu medo. Isso me fazia sentir forte e imponente, e eu adorava usar desse poder sempre que sentia vontade. Balanço a cabeça afastando esses pensamentos para longe de mim e adentro a ampla cozinha onde cinquenta por cento das paredes são de vidros e a outra metade de concreto e cerâmicas brancas. Os balcões têm um formato de L e são iluminados por pequenas lâmpadas de LED. Um dos balcões comporta alguns bancos altos. Anita sorri assim que me vir entrar no cômodo.

— Bom dia, senhor Alex! A corrida foi boa? — Podia ter sido melhor! Resmungo mentalmente carrancudo.

— Você fez isso tudo para comer? — questiono olhando para a mesa farta e ignoro a sua pergunta. Ela sorri outra vez ignorando a minha rabugice.

— Não tinha ideia do que ia querer para o café da manhã então fiz de tudo um… pouco… — Ela gagueja o final da frase e olha maravilhada acima dos meus ombros. — Uma menina! — cantarola admirada me fazendo revirar os olhos outra vez. O que há demais em uma menina? É só uma garota e pronto! — Oi, eu sou a Anita e qual É o seu nome? — Minha governanta questiona toda amorosa indo de encontro a moça. Olho para trás, para as duas mulheres e penso que Anita me lembra a minha mãe. Ela era uma mulher dedicada, amorosa e atenciosa na mesma proporção e eu a amava muito! Confesso que ainda sinto a dor de sua perda mesmo após esses longos anos. Deus, como sinto a sua falta! Penso melancólico. Puxo mais uma respiração e encaro a minha governanta ainda de olho na garota.

— Dê algo para ela comer e depois ela pode ir embora! — rosno com um tom seco saindo da cozinha e vou para o meu quarto. Preciso tomar um banho e depois vou conhecer a minha empresa.

O banho é bem demorado e na hora de pôr uma roupa fico indeciso no que escolher para vestir no meu primeiro dia. Quando fazia parte do bando de Cicatriz as roupas informais só eram usadas em ocasiões informais. Fora isso eu usava qualquer roupa que me deixasse a vontade. Escolho um conjunto de terno Armani de três riscas cinza chumbo, uma camisa branca de botões e uma gravata de ceda vermelho-escuro. No final, me olho no espelho e gosto do que vejo. Por fim, ponho um par de sapatos lustrosos, algumas abotoaduras e um Rolex no meu pulso, e saio do meu quarto de cabeça erguida, andando firme e sentindo orgulho de mim. Desço as escadas e encontro Danilo passando algumas instruções para os empregados da casa. Definitivamente não sei para que tudo isso, mas penso que ele está gostando dessa brincadeira de comandar. Sorrio para esse pensamento e vou direto para a cozinha. Contudo, paro abruptamente ao perceber que a garota ainda está lá sentada em um dos bancos altos e tomando o seu café da manhã. Não seria nada demais se ela não estivesse de banho tomado, toda limpinha e vestindo um vestido branco de alcinhas que mostram alguns detalhes do seu corpo. Onde ela conseguiu isso tudo e por que ainda está aqui? Olho ávido pelo cômodo a procura de Anita, mas a filha da mãe não está aqui. Assim que me acomodo no banco ao seu lado, a garota baixa os olhos e isso me dá a chance de olhá-la mais detalhadamente. Agora limpinha percebo a sua pele morena, mas de um tom claro. Ela é linda e por algum motivo as minhas mãos estão coçando de vontade de tocá-la. Em silêncio corto um pedaço do queijo caseiro e o levando a boca com o auxílio da faca mesmo e em seguida me sirvo uma xícara de café, bebericando-o em seguida e aprecio o seu gosto amargo. De rabo de olho observo a sua respiração levemente ofegante e algumas ela vezes pressiona os lábios.

— Quando pretende ir embora? — questiono tirando os meus olhos de cima dela e pego um pedaço do pão no cesto de vime. Ela não me responde e isso é irritante pra cacete! — A caso o gato comeu a sua língua? — resmungo impaciente. Ela ergue o seu olhar e me encara pela primeira vez.

— Não. Eu... não tenho para onde ir... Senhor Alex. — Ela gagueja e a sua voz é quase um fio. PUTA QUE PARIU! Um grito ecoa de dentro de mim. Essa porra de senhor Alex não vai dar muito certo aqui! Penso e limpo a garganta voltando o meu olhar para o meu prato.

— Eu não tenho nada a ver com isso, menina! — rebato áspero.

— Fabiana. — Ela diz repentina, me deixando confuso. — O meu nome é Fabiana, mas todos me chamam Fabi. — Apenas assinto lentamente e permaneço calado. Essa sua voz suave me perturba. Penso incomodado. Tem um tom doce, meigo e encantador que me faz querer recuar. — Se… se puder me arrumar um emprego — sugere. — E… um lugar para ficar… — Deixa a frase solta no ar.

Não! Não! Não e não, Alex, não se atreva! Está na cara que essa garota é chave de cadeia e você não vai querer se envolver nisso de novo! Meu subconsciente rosna em alerta no mesmo instante.

— Fale com a Anita e pergunte se tem alguma função nessa casa pra você. — O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, PORRA?! O grito ensurdecedor do meu subconsciente ecoa atormentando os meus ouvidos. Puxo a respiração com força e saio da mesa imediatamente. Ando com passos largos para a sala sem ao menos usar a minha educação de dizer um bom dia para garota. — Danilo, o carro está pronto? — indago com um tom muito rude.

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