02

***

Fiquei no meu cubículo esperando minha nova chefe me chamar. Ainda não tinha trocado uma palavra com ela e confesso que estava ansioso por isso.

Com certeza iríamos nos dar bem.

A porta da sala, que antes era a do Mike, se abriu e Emma apareceu. 

— Harry Snow? — Ela me chamou com a voz amigável.

— Aqui — disse, levantando-me da cadeira com uma velocidade desnecessária.  

— Você pode vir aqui, por favor?

Assenti, caminhando em sua direção.

Quando entrei na sala, Emma já estava sentada em sua cadeira. E por Deus! Ela era ainda mais bonita de perto.

— Snow, eu gostaria de saber se você já enviou o contrato para o dono da Boate K'kiss — disse ela. Pude notar uma mudança significativa em seu tom de voz. Também não estava me encarando.

— Enviei hoje pela manhã, como foi combinado. 

— Cancele. 

— O quê? — Acabei falando um pouco alto, devido ao susto.  

— Você é surdo? Eu disse cancele — repetiu ela, concentrada na tela do computador. 

Franzi o cenho, um pouco atônito.

— Eu não posso fazer isso. O contrato foi assinado pelo Mike…, digo, pelo senhor Vegar. 

— Dê o seu jeito. Você é pago para isso — replicou, simplesmente. 

Admito que fiquei um pouco pasmo com a arrogância repentina dela. Eu perdi alguma coisa?

— Mas eu teria que ter um belo motivo para cancelar o contrato… — Articulei. 

— Invente qualquer coisa. Eu não me importo. — Ela balançou a mão no ar. — Eu quero essa boate para mim. O espaço dela, para ser mais clara — explicou, e então começou a digitar freneticamente no teclado do computador.  

Como ela conseguia se concentrar na conversa e ao mesmo tempo escrever com tanta rapidez? 

— Nenhum Presidente pode comprar um imóvel que vem para cá. Isso é contra as regras — falei, e logo me arrependi amargamente. 

— Está tentando me ensinar como comandar um Setor? — Emma parou de digitar e me encarou. Fodeu! — Saia por aquela porta e só volte com o contrato cancelado, Snow. Caso contrário, adorarei te transferir para outro Setor mais incompetente.

Empalideci na mesma hora.

— Sim, senhora — disse, com a voz áspera. 

— Senhorita — corrigiu ela, voltando a digitar. 

Dei as costas e saí da sala.  

Esse é um daqueles momentos em que a frase “não julgue o livro pela capa” faz todo o sentido. Minha nova chefe na verdade era uma megera arrogante.

Puta que pariu.

Sentei-me na cadeira do meu cubículo com tanta força que pensei até que iria cair.

— O que aconteceu lá dentro para você sair assim com essa cara de búfalo nervoso? — Perguntou Isaac, encostando-se na divisória entre meu cubículo e o dele. 

— Aquela vaca quer que eu cancele o contrato — falei, quase rosnando.

— Que vaca?

— A senhorita Bright! — Fiz cara feia ao proferir o nome dela.

— Por que você já está chamando a sua chefe de vaca no primeiro dia de trabalho dela? Qual é o seu problema?

Qual o meu problema?! — Gritei. — Qual é o problema dela, você quer dizer? Ela quer que eu cancele um contrato assinado que enviei hoje pela manhã. Sabe quanto trabalho dá para fazer isso?

— E qual a razão de ela fazer isso? 

— Ela quer o imóvel — resmunguei.

— Mas ninguém pode comprar os imóveis que vêm para cá — ele cruzou os braços, intrigado.

— Eu sei. Disse isso a ela, o que ganhei foi um sermão e uma ameaça. Se eu não conseguir fazer isso hoje, ela vai me trocar de Setor.  

— Nossa… — Isaac ergueu as sobrancelhas — Eu pensei que ela era legal. 

— Legal é o cacete. Por trás daquele rostinho bonitinho tem uma naja que sabe muito bem como dar o bote — resmunguei mais uma vez.

— É, meu amigo... Bem-vindo ao time dos que tem um chefe insuportável. — Cantarolou Isaac, voltando sua atenção para o próprio computador.

Murmurei pelo menos cinco palavrões antes de começar a pensar no que fazer, mas sem sucesso. Quando pensei em pedir ajuda ao meu companheiro ao lado, antes que ele fosse embora, para que me desse alguma ideia do que usar como desculpas para cancelar um contrato valioso que passei semanas trabalhando, escutei uma voz feminina e autoritária atrás de mim.

— Eu pensei que tinha mandado você trabalhar, Snow. — Virei-me. Emma estava parada a dois metros da minha cadeira. — Você é pago para trabalhar e não para ficar de conversa fiada.

Ajeitei minha posição na cadeira e comecei a digitar coisas aleatórias no documento aberto no Word, só para não dizer nada a ela. Convenhamos, a minha resposta não seria agradável.  

Emma passou por mim e cumprimentou o Isaac, de soslaio pude ver que até sorriu para ele.

Sério?

A senhorita Bright caminhou em direção ao elevador, com passos firmes, fazendo seus saltos produzirem um barulho irritante ao se chocarem contra o piso de mármore, e entrou no equipamento.

— Não diga nada. Eu vi que ela foi simpática com você, mas comigo foi o contrário — disse antes que Isaac abrisse a boca para proferir algo.   

— Vai ver foi ódio à primeira vista — ele deu de ombros, prendendo o riso. 

— Como você é engraçado — disse, com desdém. — Vai logo embora, Isaac. 

— Não quer ajuda?

Ponderei, olhando para o elevador por um tempo, para ter certeza de que a senhorita Bright não iria aparecer.

— Melhor não. É bem provável que a megera apareça e diga que sou incompetente ao ponto de não conseguir trabalhar sozinho — praticamente rosnei.

— Acho que você exagerou um pouco, mas vou embora antes que você desconte o seu ódio em mim. — Ele se levantou da cadeira, arrumando suas coisas. — Tchau, Harry. Te vejo às sete no bar? 

— Se eu tiver 1% de paciência quando acabar isso aqui, irei.

— Ok. Te vejo lá, então.

Isaac saiu do cubículo dele e caminhou até o elevador. Voltei a atenção para a tela do meu computador. Procurei na lista interminável dos últimos contratos fechados o número de contato do quase novo proprietário e liguei para ele.

Se eu conseguisse cancelar o contrato, ainda teria que preparar a papelada da multa por quebra de acordo. Ou seja: mais trabalho.

***

Depois de escrever um relatório de cinco páginas e ler três vezes, mandei o documento para o e-mail do senhor Miller — que seria o dono —, e imprimi uma cópia para entregar à senhorita Bright, já que eu ainda não tinha o e-mail dela. Coloquei o relatório dentro de um envelope e fui até sua sala, dando duas batidas na porta.  

— Pode entrar — disse ela. 

— Com licença. — Entrei na sala, me aproximando da mesa. — Vim entregar o relatório que eu enviei para o senhor Miller.

— Você poderia ter enviado para o meu e-mail. 

— Poderia, se o tivesse. — Talvez, só talvez, minha voz tenha soado rude. Realmente não gostei de como ela me tratou mais cedo.

— Ah, é..., tinha esquecido. Deixe-me ver isso. — Entreguei o envelope. Antes que pudesse sair rapidamente de sua sala, ela continuou: — Tenho dois contratos para você fazer um resumo e quero que analise o rendimento de uma empresa de bebidas. Os contratos são para hoje.

— Hoje? — Quase gritei. Eu tinha que aprender a controlar meu tom de voz quando era surpreendido. 

— Como sempre: surdo.

— Não tem possibilidade de entregar isso hoje. O meu horário já acabou. 

— Você sai às cinco e meia? 

— Não. Às três. — É por isso que eu amo as segundas-feiras; chego tarde e saio cedo.

— Então me traga os três, prontos..., amanhã. 

— O quê? — Assumi a minha maior cara de incrédulo. — Eu não vou passar a noite em claro fazendo isso. 

— Você é meu assistente e faz o que eu mandar — retrucou.

Em minha defesa, eu não era o tipo de assistente que recusava trabalho, sempre fazia o que o Mike mandava com maior prazer, afinal, para mim era uma experiência e aprendizado. Mas a senhorita Bright tinha um jeito autoritário demais, parecia que com três palavras ela me resumia em um simples lacaio, para ser mais claro.

Ou talvez eu só esteja exagerando e deva calar a boca e obedecer. 

Emma ficou me encarando por longos segundos. Eu não disse uma sílaba sequer, mas estava olhando fixamente em seus olhos.  

Estávamos em um momento muito desconfortável, mas a minha mente só divagava no quanto ela era bonita — mesmo sendo uma chata. — Dessa vez eu estava mais perto dela. Meus olhos percorreram suas pernas torneadas, meu coração começou a bater mais forte à medida em que seu perfume amadeirado invadia as minhas narinas.

Emma começou a falar algo, mas eu não prestei a mínima atenção.  

Estava imaginando como seria beijá-la.

Acho que gosto de mulheres raivosas, afinal.

— Snow? — Meu devaneio se desfez quando escutei a voz da mulher soar mais grave. — Algum problema? 

— O que disse? — Senti minhas bochechas corarem. Merda.

— Disse que você pode levar os três e me trazer em quatro dias. E não adianta arrumar mais desculpas, eu quero em quatro dias, já sabe o que te aguarda se não fizer. — Ela me entregou os envelopes. — Agora saia, estou cansada da sua cara

— Ótimo — foi tudo que consegui dizer.

Não, eu não gosto dela.

Virei-me e saí da sala.  

Isaac tinha razão. Foi ódio à primeira vista.

Peguei meu paletó, que estava pendurado na cadeira, minha maleta e caminhei para o elevador.

Minha cabeça começou a latejar só de pensar no quanto eu teria que trabalhar pela noite.

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