Emma
— Você parece distraída — Lash passou a caminhar ao meu lado.
— Eu estou distraída — Eu o observei com o canto do olho.
Lash era um rapaz alguns anos mais velho que eu. Meu pai tentou nos casar há alguns meses, mas graças a minha mãe, eu consegui evitar esse desastre. Ele era agradável, mas eu não queria dividir minha vida com ele. Isso, porém, não parece ser um problema para Ruby.
— No que você está pensando, Emma? — Ele insistiu — Não está animada? Você costuma gostar das apresentações.
— Eu não gostei dessa cidade, ela emana a energia ruim — Eu brinquei com o pandeiro em minha mão.
— Você sequer visitou a cidade, está finalmente se rendendo à arte da adivinhação Emma? — Ele brincou.
— Eu visitei a cidade ontem, apenas não participei da apresentação. E sabe o que eu penso sobre essas coisas.
— Sim, eu sei. É a maior besteira que você já ouviu — Ele riu — Você já experimentou falar isso na frente do seu pai?
— Você quer que ele morra de desgosto? — Eu gargalhei, avistando a entrada da cidade — Você deveria ir na frente com os outros.
— Admita Emma — Ele me provocou antes de se afastar — Você adora a sua entrada triunfal.
Nós entramos na cidade, caminhando em direção à praça central, atraindo atenção por onde passávamos. Minha mente se dispersou mais uma vez, observando as pessoas que viviam ali, como seria a sensação?
Eu me acostumaria a viver em um único lugar? Viajar tanto pode ser bem cansativo às vezes, então plantar raízes deve ter suas vantagens. Mas então, teria que abrir mão de meus hábitos, da minha dança, eu jamais conseguiria. Eu nunca conseguiria me divertir dançando como eles.
A melodia chegou aos meus ouvidos, me trazendo de volta à realidade. Droga, aonde eles estão? Eu me apressei, seguindo à música, virei uma esquina apressada esbarrando em um homem que estava parado ali. Eu teria caído no chão se ele não tivesse sido rápido o suficiente para me segurar pelo braço.
— Me perdoe, Senhor — Eu supliquei com o olhar preso no homem que ainda me segurava.
Ele era muito bonito e bem vestido, a cartola que ele usava apenas servia para deixá-lo ainda mais elegante. Eu me esforcei para gravar cada detalhe de seu rosto em minha mente.
— Dashwood, Você consegue acreditar nisso? — Uma voz chamou atenção do homem que me soltou — Nós não costumamos ter esse tipo de espetáculo em Bibury.
Eu fiz uma breve reverência antes de me embrenhar pela multidão, ainda sentindo o olhar do homem me acompanhar.
— Onde você estava? — Roux rosnou.
As garotas estavam quase no fim da dança quando eu o alcancei.
— Desculpe, eu..
— Deixa pra lá, você já deveria estar dançando — Ele murmurou quando a música foi finalizada.
Eu observei a praça da cidade que ficava logo à frente de uma grande igreja. Eles deveriam ter escolhido outro lugar. Lash iniciou outra melodia antes que todos se dispensassem.
— O que você está fazendo!? Vá até lá! — Roux ralhou comigo antes de segurar meu braço e me empurrar em direção à porta da igreja, onde as outras garotas estavam antes.
Eu tropecei de forma desajeitada até lá, atraindo a atenção das pessoas presentes. Elas passaram a me observar com expectativa, enquanto eu começava a me sentir ansiosa. Esse sentimento não era rotineiro para mim, mas aquela cidade me deixava apreensiva.
Mas decidi deixar aquele sentimento de lado, eu precisava me focar em minha dança. Tudo ficaria bem.
Caminhei em círculos, dando largos passos, chutando a barra de minha saia fazendo com que ela se esvoaçasse, dando uma pequena visão de meus pés descalços e minhas panturrilhas. Eu agitei suavemente o pandeiro para prender a atenção de todos os presentes. Eu me permiti ser envolvida pela melodia, balançando meus quadris no ritmo envolvente enquanto erguia o pequeno instrumento acima de minha cabeça, dando ocasionais chutes altos no ar, expondo minhas pernas para a alegria dos homens presentes, e escândalo das mulheres.
Aquilo era mais do que seu decoro poderia sequer um dia cogitar em revelar, e tenho certeza que me desprezavam por isso.
Eu estava terminando a apresentação quando Malik, um dos rapazes que nos acompanhavam, apareceu correndo.
— O reverendo está vindo — Ele anunciou ofegante.
— Essa é nossa deixa — Lash indicou, recolhendo o dinheiro arrecadado, enquanto as garotas corriam na mesma direção de onde viemos.
— Se apressem — Roux instruiu — O reverendo Gillies não gostou de nos ver aqui ontem.
Eu observei as pessoas que me assistiam antes, todas pareciam ansiosas pela chegada do homem para terminar de vez com toda aquela imoralidade. Aquilo era o maior grau de hipocrisia, já que apenas alguns minutos atrás, estavam aplaudindo enquanto eu dançava.
— Emma, Venha! — Roux gritou, fazendo com que eu me colocasse em movimento.
Eu corri entre as pessoas, ao notar que o reverendo tinha chegado com alguns outros homens e passaram a nos perseguir. Após dobrar algumas esquinas, eu me vi livre dos meus perseguidores.
Eu parei olhando em volta, onde eu estou?
Algumas vozes alteradas me colocaram em movimento outra vez, eu não sei onde estou, mas preciso dar um jeito de sair daqui. Não será nada bom se me pegarem aqui sozinha.
Eu desci uma viela apressada, esbarrando novamente em alguém. O mesmo homem de antes envolveu minha cintura quando me desequilibrei, impedindo mais uma vez minha queda.
— Você! — Ele exclamou ainda me segurando.
— Me salvou mais uma vez, Senhor — Eu ofereci um sorriso em troca.
— Você é uma cigana — Ele me soltou ao notar nossa situação.
Suas palavras me fizeram desviar o olhar. Ele era igual aos outros, assistir é uma atividade agradável, mas encostar em uma cigana estava fora de cogitação.
— O que me denunciou? — Eu voltei a olhá-lo nos olhos — Minha roupa? Ou foi a dança?
Eu arrebatei sua mão em um movimento rápido, estendendo a palma para cima, o pegando de surpresa.
— Você espera que eu leia sua mão? — Eu ofereci meu melhor sorriso, enquanto percorria as linhas de sua palma com a unha — Se for esse o caso, eu sinto te decepcionar Senhor, eu considero isso a mais absoluta tolice.
— Me perdoe Senhorita — Ele recolheu a mão em um gesto brusco — Eu não pretendia ofendê-la.
— Eu preciso ir. Foi um prazer conhecê-lo, Senhor Dashwood.
— Como você sabe meu nome? — Ele franziu o cenho, parecendo pouco disposto a me deixar partir.
— Aí está você! — Roux exclamou ao me encontrar.
Ele caminhou em minha direção observando o homem parado à minha frente, antes de me agarrar pelo braço com um pouco de força, me arrastando para longe, me fazendo derrubar o pandeiro no processo.
— Você perdeu o juízo? Poderiam ter te encontrado!
— Eu me perdi — Eu me justifiquei, tentando me soltar, abaixando o tom em seguida — Você está me machucando!
— Nós estamos saindo agora — Ele rosnou, me conduzindo para longe, ainda apertando meu braço.
— Com licença — O cavalheiro interrompeu — Acho que essa não é a melhor maneira de tratar uma dama.
Aquilo atraiu a atenção de Roux, que se virou em direção ao homem, colocando seu corpo em frente ao meu.
— Você não deve opinar sobre a forma como nós tratamos os nossos jovens, Senhor — Roux praticamente cuspiu — Nós cuidamos um do outro, isso não é da sua conta.
— Será da minha conta se eu atrair a atenção daqueles homens que estão procurando por você? — Ele se aproximou fazendo com que eu arregalasse os olhos.
Ele com certeza não está tão familiarizado com os castigos que sofreríamos se fossemos pegos, ou não faria uma ameaça desse tipo. Ou talvez estivesse.
— Senhor, nada disso é necessário, eu apenas me perdi dos outros — Eu os interrompi — E agora nós estamos partindo.
— Vamos — Roux murmurou depois de alguns momentos observando o cavalheiro à nossa frente.
Eu acenei em direção ao Senhor Dashwood, me deixando ser conduzida para longe pelo rapaz. Ele se abaixou, pegando meu pandeiro, ainda me observando de forma questionadora.
EmmaEu me concentrei no caminho à minha frente enquanto seguia Roux em silêncio pelas ruas, tentando não atrair atenção desnecessária. Nós encontramos os outros nos esperando entre algumas árvores fora da cidade. Eu balancei meu braço para me livrar do aperto antes de ir em direção ao grupo.— Aonde você pensa que vai? — Ele me agarrou novamente pelo braço, voltando a apertá-lo.— Isso está machucando! — Eu exclamei em Romani¹, atraindo a atenção de todos.— O que você estava conversando com aquele homem? — Ele rosnou. — Eu não estava conversando nada — Eu tentei me livrar de novo — Me solta!— O que você pretende Emma? — Ele me mediu — Você sempre recusa todos os arranjos de casamento de seu pai, e sempre parece rejeitar nossa cultura.— O que isso quer dizer? — Quer dizer que o seu pai ficará sabendo disso! — Ele me puxou para perto de seu corpo, abaixando a voz — Você sabe o que pensamos sobre casamentos com eles.A forma como Roux pronunciou "eles" me irritou. — Não sei se voc
HenryMinha viagem a Melrose se estendeu mais do que os dez dias iniciais. Eu estava prestando consultoria ao meu amigo George Thorpe sobre uma fazenda que ele estava pensando em adquirir. Seria uma viagem rápida, mas ele insistiu em conhecer a cidade, retardando nosso retorno à Bibury, uma pequena vila no condado de Gloucestershire¹.Eu estava observando a vitrine de uma loja de chapéus, imaginando se deveria levar algum presente para minha irmã, quando uma agitação tomou conta da cidade. Eu observei uma série de ciganos passar correndo por mim, iniciando uma apresentação na praça principal. Eu não me importei com aquilo, não era algo que me atraia. Mas George ficou encantado com tudo o que acontecia. Eu retomei minha atenção para a vitrine da loja quando senti um pequeno corpo colidindo com o meu.Eu impedi a queda da jovem, a segurando pelo braço. Ela era uma criatura magnífica, os olhos bem desenhados que exibiam um brilho quase selvagem, longos fios negros que estavam soltos sob
HenryNós não conseguimos arrancar mais nada de Emma, ela permaneceu calada durante toda a viagem até Preston. Nós atraímos um pouco de atenção ao chegar na pequena pousada onde passaríamos a noite, Todos a observaram assombrados.Emma parecia deslocada enquanto eu a guiava até um cômodo reservado, onde poderíamos conversar em particular. — Está com fome? — Eu perguntei sem obter respostas. Emma continuou parada no mesmo lugar, observando o lugar com certo desconforto.— Nós vamos passar a noite aqui, Srtª Ferguson — Eu insisti — Por que você não se senta?Ela deu alguns passos incertos, se sentando em uma cadeira que estava mais distante do que eu desejava. Eu fui até onde ela estava, tomando o lugar ao seu lado.— Eu espero que seus aposentos sejam do seu agrado — Eu comentei tentando puxar assunto.— Eu nunca estive em um aposento antes — Ela olhou em meus olhos.— Onde você dormia? — Eu aproveitei aquele pequeno espaço que ela me concedeu.— No meu vardo — Ela sorriu.— O que é
EmmaEu estava terminando de me arrumar após o desjejum. O sol já tinha nascido, e em breve nós partiríamos para Bibury, eu não queria atrasar meus benfeitores. Eles foram extremamente atenciosos comigo, e seus modos eram tão gentis. Creio que os cavalheiros são todos assim.Devem me considerar uma selvagem.— Por que isso tem que ser tão difícil? — Eu gemi enquanto tentava seguir a dica do Senhor Thorpe e prender meus cabelos.O fato de minha mão estar queimada também não ajudava, ela estava ardendo bastante, em alguns pontos tinha formado bolhas, outros, estava em carne viva.Eu encarei a queimadura por alguns momentos, pensando em tudo o que tinha acontecido. Em questão de horas tudo foi tirado de mim, o meu lar, minha família, toda a minha vida. A única coisa que me resta são algumas mudas de roupa e jóias que eu não posso usar. Uma batida na porta me tirou de meu devaneio. Eu a abri, encontrando a criada que me auxiliou ontem, eu nunca sequer sonhei em ter uma criada antes. E
— Ohhh.. Eu vou... — o Sr Thorpe parecia desconcertado — Eu vou arrumar um lugar para sua sacola.— Desculpe — Eu me afastei imediatamente ao ouvir a porta ser fechada.Não se esqueça que você não está mais entre sua família, Emma.— Está tudo bem — Ele desviou o olhar.— Isso foi completamente inadequado — Eu prossegui — Me perdoe.— Vamos buscar uma mala? — Ele sugeriu depois de momentos em silêncio.— Sim — Eu mordi o lábio tentando limpar meu rosto da melhor forma possível. — Nós podemos ir.— Por favor — Ele me ofereceu um lenço.Eu o aceitei, enxugando as lágrimas, me sentindo um pouco desconcertada. Não era pra ter acontecido nada disso. Era para estarmos seguindo em direção à próxima cidade, toda a minha família, todos juntos. Mas estou aqui, seguindo em direção à uma vida que eu sequer posso imaginar como será.— Vamos — Ele me guiou até a porta — Vamos conseguir algumas coisas pra você.Eu o segui em silêncio, segurando seu lenço. Eu teria que devolvê-lo em algum momento. M
HenryEu me senti desnorteado após o curto passeio com Emma pela cidade. Aquela jovem mulher estava mexendo mais comigo em dois dias do que qualquer uma das jovens de Bibury ou Bath em toda a minha vida.Eu voltei ao meu quarto tentando tirá-la de minha mente, porém, aquele instante sozinho serviu apenas para que eu repassasse aqueles momentos. Ela pareceu bastante constrangida quando descobriu que eu a presentearia com um chapéu, e enquanto caminhávamos pela cidade, constantemente a admirei enquanto ela observava tudo com fascinação. Emma estava convencida de que não chamava nenhuma atenção, mas eu notava todos os olhares sobre ela, seus traços únicos e belos a diferenciava das outras jovens inglesas. Não, ela nunca passaria despercebida.Eu abri minha mala, localizando o pequeno pandeiro que ela derrubou no dia que nos conhecemos. Eu deveria devolvê-lo.Voltei a guardá-lo, decidindo sair dali para me livrar daqueles pensamentos. Minha única pretensão é ajudá-la. Preciso manter isso
HenryNo fim, decidimos que Emma fora deixada aos cuidados de uma velha e doente senhora após ter perdido sua família em um incêndio. Ela nos implorou para trazê-la conosco pois não teria condições de sustentá-la por tanto tempo. Se pedissem qualquer outro detalhe, poderíamos inventar na hora.Nós procuramos ensinar tudo o que poderíamos à Emma, tirando todas as suas dúvidas, e perto do fim da tarde, nós saímos para mais um passeio pela cidade. George mais uma vez ofereceu o braço como apoio para a jovem, aquele gesto me incomodou um pouco, mas eu tratei de afastar aqueles sentimentos e me concentrar na forma de caminhar de Emma.Ela tinha uma maneira única, o que ajudava a se destacar entre as outras. Cada passo que ela dava era gracioso e fluído, era como se ela estivesse o tempo todo no meio de uma de suas apresentações de dança, onde cada movimento era calculado para atrair a atenção de todos.Eu não deveria deixar minha atenção se prender em tantos detalhes. George tem razão, é m
EmmaEu me senti um pouco relutante em seguir a Srtª Crawford. O que me dava algum conforto, era saber que Henry voltaria ali no dia seguinte. Mas eu não pude deixar de me sentir fora de lugar naquela casa. Por que uma simples família precisa de tanto espaço? Meu antigo bando inteiro poderia viver confortavelmente nesse lugar.— Você está gostando daqui? — Georgiana Crawford perguntou enquanto nós subíamos as escadas.— É um lugar bonito — Eu comentei — Mas não o conheço para formar uma opinião.— Eu vou apresentar tudo a você — Ela abriu uma porta — Mas por enquanto, você pode se acomodar aqui. Seus aposentos.— Mesmo? — Eu olhei em volta. Meu quarto na pousada era espaçoso e simples, mas eu não sabia nem por onde começar a descrever esse lugar. Eu caminhei até uma poltrona ao lado da cama, depositando a minha mala ali.— Talvez você queira mudar de roupa — a jovem dama sugeriu — Ainda está cedo, eu posso te apresentar a casa e os jardins até a hora do jantar.Eu senti meu rosto cor