Emma
— Emma, você está pronta? — Elinor, minha mãe, perguntou enquanto eu colocava os brincos.
— Já? — Eu me virei em sua direção — Achei que demoraríamos mais.
Ela estava parada à porta de meu Vardo¹ me observando enquanto eu me arrumava sentada na cama.
— Seu pai achou melhor resolvermos logo isso — ela se aproximou da cama — Ele foi avisado que a cidade não ficou feliz com nossa chegada. Pretende fazer a última apresentação hoje e partir pela manhã com o dinheiro que conseguirmos.
Meu pai era o líder do nosso grupo, o que fazia com que eu fosse uma espécie de princesa entre os Romnichal², ou pelo menos, eu gostava de pensar que sim.
— Eu não gostei desse lugar — admiti enquanto amarrava o lenço na cabeça.
— Use mais ouro — Elinor sorriu, me oferecendo algumas pulseiras — Você deve chamar atenção.
— Eu não quero chamar atenção nesse lugar — Eu suspirei — podem mandar a Ruby?
— Ela foi ontem e não conseguiu muito — Minha mãe se concentrou em pintar meus olhos — Você sabe que eles adoram te ver dançar.
— Kadir vai nos acompanhar? — Eu suspirei derrotada.
— Não dessa vez, Roux vai cuidar de vocês — a resposta me desanimou — Leve o Pandeiro.
— Você sente falta? — decidi mudar de assunto — De uma vida normal, eu quero dizer.
Minha mãe pertencia a uma respeitada família escocesa, ela cresceu em meio ao luxo da alta sociedade. Isso, até conhecer meu pai e engravidar, ela fugiu deixando tudo para trás.
— Sentir falta? — Ela desviou o olhar — Por que eu sentiria falta? Tenho tudo o que eu preciso aqui, minha família está comigo, nós conhecemos belos lugares.
— Por isso que você me ajudou a fugir de cada casamento que Kadir tentou arrumar para mim? — Eu instiguei.
— Você está linda — ela fugiu do assunto — Roux e as garotas estão te esperando.
— Quem mais vai? — Eu me levantei, alisando a comprida saia rodada.
Eu vestia uma blusa branca de mangas curtas e caídas que deixavam meus ombros expostos, uma comprida saia vermelha,, combinando com minha bandana enfeitada de muitas moedas de ouro, e as inúmeras joias que minha mãe me acostumou a usar desde criança. Os traços otonamos³ que herdei de meu pai, me concediam uma aparência exótica que chamava a atenção de todos sempre que eu me apresentava, e o bando gostava de se aproveitar disso.
E a dança também ajudava.
— Lash e alguns outros rapazes — ela também se levantou — O resto vai ficar e nos auxiliar a preparar tudo para nossa partida.
— Algum dia você vai voltar a dançar? — Eu provoquei saindo do Vardo, sentindo a grama sob meus pés.
— Minha época já passou, Emma — Ela sorriu, me fazendo duvidar se a época dela sequer tinha existido.
Minha mãe aprendeu a dançar com Anouk, uma mulher que acompanhava meu pai há vinte anos quando minha mãe se juntou ao grupo. Ela era uma ótima dançarina, mas a partir do momento que eu aprendi tudo o que ela sabia, ela desistiu da dança, se contentando em cuidar das crianças.
— Dê o seu melhor hoje — Ela sorriu, se despedindo enquanto eu ia em direção ao grupo.
— Quando é que eu não dou? — Eu respondi, observando-a por cima do ombro.
Meu bom humor se desfez durante a caminhada de dois quilômetros que tivemos que fazer até a cidade. Vienne, Aisha, Ruby e Violet estavam animadas puxando assunto com os rapazes. Nós éramos jovens, Aisha mal passava dos dezoito anos, e Roux, que era o mais velho de todos, estava com trinca e cinco anos.
Eu não conseguia compartilhar do mesmo entusiasmo que os outros. Nos últimos dias, eu me pegava observando minha mãe e o quanto ela parecia ter se arrependido de ter deixado a vida que ela levava antes de conhecer meu pai. Não posso falar que nós não éramos felizes aqui, mas como seria viver uma vida normal?
Ter uma casa de verdade, uma família, criar raízes em um único lugar. Isso tudo parece uma realidade tão distante para mim, ainda mais percebendo os olhares que recebemos sempre que chegamos a uma nova cidade. O recado é sempre muito claro.
Nós não somos bem vindos.
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¹ Carruagem cigana.
² Grupo cigano que peregrinou pelo reino unido no Século XVIII
³ no século XVIII A Turquia era conhecida como imperio Otanamo.
Emma — Você parece distraída — Lash passou a caminhar ao meu lado.— Eu estou distraída — Eu o observei com o canto do olho.Lash era um rapaz alguns anos mais velho que eu. Meu pai tentou nos casar há alguns meses, mas graças a minha mãe, eu consegui evitar esse desastre. Ele era agradável, mas eu não queria dividir minha vida com ele. Isso, porém, não parece ser um problema para Ruby.— No que você está pensando, Emma? — Ele insistiu — Não está animada? Você costuma gostar das apresentações.— Eu não gostei dessa cidade, ela emana a energia ruim — Eu brinquei com o pandeiro em minha mão.— Você sequer visitou a cidade, está finalmente se rendendo à arte da adivinhação Emma? — Ele brincou.— Eu visitei a cidade ontem, apenas não participei da apresentação. E sabe o que eu penso sobre essas coisas.— Sim, eu sei. É a maior besteira que você já ouviu — Ele riu — Você já experimentou falar isso na frente do seu pai?— Você quer que ele morra de desgosto? — Eu gargalhei, avistando a en
EmmaEu me concentrei no caminho à minha frente enquanto seguia Roux em silêncio pelas ruas, tentando não atrair atenção desnecessária. Nós encontramos os outros nos esperando entre algumas árvores fora da cidade. Eu balancei meu braço para me livrar do aperto antes de ir em direção ao grupo.— Aonde você pensa que vai? — Ele me agarrou novamente pelo braço, voltando a apertá-lo.— Isso está machucando! — Eu exclamei em Romani¹, atraindo a atenção de todos.— O que você estava conversando com aquele homem? — Ele rosnou. — Eu não estava conversando nada — Eu tentei me livrar de novo — Me solta!— O que você pretende Emma? — Ele me mediu — Você sempre recusa todos os arranjos de casamento de seu pai, e sempre parece rejeitar nossa cultura.— O que isso quer dizer? — Quer dizer que o seu pai ficará sabendo disso! — Ele me puxou para perto de seu corpo, abaixando a voz — Você sabe o que pensamos sobre casamentos com eles.A forma como Roux pronunciou "eles" me irritou. — Não sei se voc
HenryMinha viagem a Melrose se estendeu mais do que os dez dias iniciais. Eu estava prestando consultoria ao meu amigo George Thorpe sobre uma fazenda que ele estava pensando em adquirir. Seria uma viagem rápida, mas ele insistiu em conhecer a cidade, retardando nosso retorno à Bibury, uma pequena vila no condado de Gloucestershire¹.Eu estava observando a vitrine de uma loja de chapéus, imaginando se deveria levar algum presente para minha irmã, quando uma agitação tomou conta da cidade. Eu observei uma série de ciganos passar correndo por mim, iniciando uma apresentação na praça principal. Eu não me importei com aquilo, não era algo que me atraia. Mas George ficou encantado com tudo o que acontecia. Eu retomei minha atenção para a vitrine da loja quando senti um pequeno corpo colidindo com o meu.Eu impedi a queda da jovem, a segurando pelo braço. Ela era uma criatura magnífica, os olhos bem desenhados que exibiam um brilho quase selvagem, longos fios negros que estavam soltos sob
HenryNós não conseguimos arrancar mais nada de Emma, ela permaneceu calada durante toda a viagem até Preston. Nós atraímos um pouco de atenção ao chegar na pequena pousada onde passaríamos a noite, Todos a observaram assombrados.Emma parecia deslocada enquanto eu a guiava até um cômodo reservado, onde poderíamos conversar em particular. — Está com fome? — Eu perguntei sem obter respostas. Emma continuou parada no mesmo lugar, observando o lugar com certo desconforto.— Nós vamos passar a noite aqui, Srtª Ferguson — Eu insisti — Por que você não se senta?Ela deu alguns passos incertos, se sentando em uma cadeira que estava mais distante do que eu desejava. Eu fui até onde ela estava, tomando o lugar ao seu lado.— Eu espero que seus aposentos sejam do seu agrado — Eu comentei tentando puxar assunto.— Eu nunca estive em um aposento antes — Ela olhou em meus olhos.— Onde você dormia? — Eu aproveitei aquele pequeno espaço que ela me concedeu.— No meu vardo — Ela sorriu.— O que é
EmmaEu estava terminando de me arrumar após o desjejum. O sol já tinha nascido, e em breve nós partiríamos para Bibury, eu não queria atrasar meus benfeitores. Eles foram extremamente atenciosos comigo, e seus modos eram tão gentis. Creio que os cavalheiros são todos assim.Devem me considerar uma selvagem.— Por que isso tem que ser tão difícil? — Eu gemi enquanto tentava seguir a dica do Senhor Thorpe e prender meus cabelos.O fato de minha mão estar queimada também não ajudava, ela estava ardendo bastante, em alguns pontos tinha formado bolhas, outros, estava em carne viva.Eu encarei a queimadura por alguns momentos, pensando em tudo o que tinha acontecido. Em questão de horas tudo foi tirado de mim, o meu lar, minha família, toda a minha vida. A única coisa que me resta são algumas mudas de roupa e jóias que eu não posso usar. Uma batida na porta me tirou de meu devaneio. Eu a abri, encontrando a criada que me auxiliou ontem, eu nunca sequer sonhei em ter uma criada antes. E
— Ohhh.. Eu vou... — o Sr Thorpe parecia desconcertado — Eu vou arrumar um lugar para sua sacola.— Desculpe — Eu me afastei imediatamente ao ouvir a porta ser fechada.Não se esqueça que você não está mais entre sua família, Emma.— Está tudo bem — Ele desviou o olhar.— Isso foi completamente inadequado — Eu prossegui — Me perdoe.— Vamos buscar uma mala? — Ele sugeriu depois de momentos em silêncio.— Sim — Eu mordi o lábio tentando limpar meu rosto da melhor forma possível. — Nós podemos ir.— Por favor — Ele me ofereceu um lenço.Eu o aceitei, enxugando as lágrimas, me sentindo um pouco desconcertada. Não era pra ter acontecido nada disso. Era para estarmos seguindo em direção à próxima cidade, toda a minha família, todos juntos. Mas estou aqui, seguindo em direção à uma vida que eu sequer posso imaginar como será.— Vamos — Ele me guiou até a porta — Vamos conseguir algumas coisas pra você.Eu o segui em silêncio, segurando seu lenço. Eu teria que devolvê-lo em algum momento. M
HenryEu me senti desnorteado após o curto passeio com Emma pela cidade. Aquela jovem mulher estava mexendo mais comigo em dois dias do que qualquer uma das jovens de Bibury ou Bath em toda a minha vida.Eu voltei ao meu quarto tentando tirá-la de minha mente, porém, aquele instante sozinho serviu apenas para que eu repassasse aqueles momentos. Ela pareceu bastante constrangida quando descobriu que eu a presentearia com um chapéu, e enquanto caminhávamos pela cidade, constantemente a admirei enquanto ela observava tudo com fascinação. Emma estava convencida de que não chamava nenhuma atenção, mas eu notava todos os olhares sobre ela, seus traços únicos e belos a diferenciava das outras jovens inglesas. Não, ela nunca passaria despercebida.Eu abri minha mala, localizando o pequeno pandeiro que ela derrubou no dia que nos conhecemos. Eu deveria devolvê-lo.Voltei a guardá-lo, decidindo sair dali para me livrar daqueles pensamentos. Minha única pretensão é ajudá-la. Preciso manter isso
HenryNo fim, decidimos que Emma fora deixada aos cuidados de uma velha e doente senhora após ter perdido sua família em um incêndio. Ela nos implorou para trazê-la conosco pois não teria condições de sustentá-la por tanto tempo. Se pedissem qualquer outro detalhe, poderíamos inventar na hora.Nós procuramos ensinar tudo o que poderíamos à Emma, tirando todas as suas dúvidas, e perto do fim da tarde, nós saímos para mais um passeio pela cidade. George mais uma vez ofereceu o braço como apoio para a jovem, aquele gesto me incomodou um pouco, mas eu tratei de afastar aqueles sentimentos e me concentrar na forma de caminhar de Emma.Ela tinha uma maneira única, o que ajudava a se destacar entre as outras. Cada passo que ela dava era gracioso e fluído, era como se ela estivesse o tempo todo no meio de uma de suas apresentações de dança, onde cada movimento era calculado para atrair a atenção de todos.Eu não deveria deixar minha atenção se prender em tantos detalhes. George tem razão, é m