Henry
Nós não conseguimos arrancar mais nada de Emma, ela permaneceu calada durante toda a viagem até Preston. Nós atraímos um pouco de atenção ao chegar na pequena pousada onde passaríamos a noite, Todos a observaram assombrados.
Emma parecia deslocada enquanto eu a guiava até um cômodo reservado, onde poderíamos conversar em particular.
— Está com fome? — Eu perguntei sem obter respostas.
Emma continuou parada no mesmo lugar, observando o lugar com certo desconforto.
— Nós vamos passar a noite aqui, Srtª Ferguson — Eu insisti — Por que você não se senta?
Ela deu alguns passos incertos, se sentando em uma cadeira que estava mais distante do que eu desejava. Eu fui até onde ela estava, tomando o lugar ao seu lado.
— Eu espero que seus aposentos sejam do seu agrado — Eu comentei tentando puxar assunto.
— Eu nunca estive em um aposento antes — Ela olhou em meus olhos.
— Onde você dormia? — Eu aproveitei aquele pequeno espaço que ela me concedeu.
— No meu vardo — Ela sorriu.
— O que é um Vardo? — Eu me interessei.
— Uma espécie de carruagem, eu acho — Ela respondeu pensativa — era nossa casa, tinha cama, tudo o que precisávamos.
— Parece fascinante — Eu instiguei.
— Minha mãe estava lá quando o queimaram — Seu olhar se tornou sombrio — Ela não conseguiu sair.
— Eu sinto muito pelo o que aconteceu, Srtª Ferguson — Eu observei toda aquela dor em seus olhos.
Como puderam invadir enquanto eles dormiam e matar a todos?
— Eu agradeço pela ajuda, Sr Dashwood — Ela se levantou, limpando algumas lágrimas — Mas talvez seja melhor que eu parta.
— Você pretende ir embora? — Eu me espantei — Srtª Ferguson, essa é uma péssima ideia.
— Eu estou acostumada a viver sem destino Senhor — Ela me interrompeu — Essa, na verdade, foi a única vida que conheci até agora.
— Mas agora você está sozinha — Eu insisti — Você não está mais com todos os outros, você não tem meio de transporte e...
O que fariam com ela se outros como o Reverendo Gillies a encontrassem vagando sozinha? Não, isso é inaceitável.
— Perdoe-me, mas o Senhor fala como se eu tivesse algum tipo de opção — Ela exclamou — Essa é a única vida que eu conheço, o que o senhor espera?
— Não precisa ser assim. Você poderia ficar.
— Claro, porque eu sou facilmente aceita na sua sociedade — Ela zombou — Como eu faria isso, Senhor Dashwood?
— Você estaria disposta a tentar? — Eu questionei, a surpreendendo — Eu posso te ajudar com isso, conseguir um lugar para você se estabelecer e..
— E depois? — Ela retrucou — Como seria minha vida? Eu deixaria tudo o que sou para trás?
— O que resta da sua vida agora? — Eu a interrompi — Sinto muito, mas a senhorita parece estar sem opções, e eu estou te dando uma nesse momento.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela desviou o olhar por alguns segundos.
— Porque você não pensa um pouco antes de me responder? — Eu propus.
— Se eu aceitar... Não estou falando que aceito, mas se eu aceitar, como eu poderia me adaptar? Eu não sei como agir, eu não tenho roupas adequadas, ou dinheiro, eu não conheço seus costumes.
— Não há necessidade para pensar em nada disso nesse momento — Eu assegurei — Eu vou pedir que lhe preparem um banho e nós nos vemos no jantar.
— Obrigada — Ela suspirou enquanto eu me levantava.
— É um prazer poder ajudá-la — Eu garanti antes de sair da sala.
Fui atrás de uma criada e pedi que guiasse Emma até seus aposentos e cuidasse de todas as suas necessidades. Eu me lembrei do vestido que comprei para presentear Kitty, minha irmã mais nova. As duas parecem ser do mesmo tamanho, deve servir por enquanto. Mas eu vou precisar comprar mais roupas para Emma. Ela não pode viver apenas com um vestido.
Após entregar o vestido para a criada e instruir que ela auxiliasse Emma no que ela precisasse eu me juntei a George no restaurante.
— E então Dashwood... O que você descobriu? — Ele perguntou assim que eu me sentei.
— Não muito, ela não tem para onde ir, com quem ir e o que fazer.
— Por que eu tenho a impressão de que nossa participação nessa história não se encerrou ainda? — Ele respirou fundo.
— Nós não podemos deixá-la aqui — Eu o encarei. Ele não está mesmo cogitando abandoná-la, não é?
— Ela é uma cigana, Henry — Ele sussurrou — Você viu como a olharam quando chegamos aqui!
— Ela não tem onde viver — Eu retribuí seu tom.
— Essa é a definição de cigano — Ele revirou os olhos — Você está se deixando afetar pela beleza da jovem.
— Você espera que nós a deixemos aqui? Você manteria sua consciência tranquila sabendo que ela pode ser a próxima a ser queimada viva, como a mãe foi?
— Eles queimaram a mãe dela viva? — o choque estampou seu rosto.
— O que você acha que farão com ela caso a encontrem sozinha?
— Ela está vindo conosco — Ele suspirou — Mas ninguém deve saber que ela é uma cigana.
— Acho que teremos problemas com isso — Eu notei Emma entrando no local.
Sua beleza, como das outras vezes, me captou de maneira imediata, o vestido verde florido de Kitty serviu perfeitamente nela. Ela manteve seus cabelos negros soltos em ondas que chegavam até metade de suas costas, fazendo com que eu desejasse correr meus dedos por eles. Longos brincos dourados pendiam em suas orelhas e várias pulseiras de ouro enfeitavam seus pulsos. Seus olhos, no entanto, não estavam pintados, provavelmente não conseguiu salvar mais do que as joias.
— Como faremos isso? — George gemeu.
— Boa noite senhores — Emma fez uma pequena reverência enquanto nos levantávamos para recebê-la.
— Srtª Ferguson, o vestido serviu perfeitamente — George sorriu, enquanto eu puxava a cadeira para que ela se sentasse, esse gesto parece tê-la surpreendido, mas se limitou a sorrir.
— Obrigada Senhor — Ela alternou o olhar entre George e eu, foi só então que eu percebi que nós não tínhamos nos apresentado a ela.
— Perdoe-nos — Eu pedi — Esse é George Thorpe e eu sou Henry Dashwood.
— Obrigada Senhor Thorpe — Ela completou, antes de se observar ainda sorrindo enquanto eu providenciava algo para ela comer — eu nunca me vesti assim, estou parecendo uma... Dama?
— Você poderia prender os cabelos — George sugeriu de forma displicente — Pelo menos um pouco.
— Prender? — Ela nos olhou confusa — Por que?
— Quem sabe usar um pouco menos joias — Eu também sugeri.
— Mas são apenas cinco pulseiras, brincos e um anel — Ela franziu o cenho.
— O que você acha de retirarmos isso? — Eu segurei sua mão, retirando uma a uma as pulseiras, as colocando em cima da mesa — Sabe, para não chamar tanta atenção.
— Os brincos também? — Ela perguntou incerta.
— Seria ótimo — George concordou enquanto ela os retirava, parecendo contrariada.
— Então eu não poderei utilizar jóias? — Ela suspirou decepcionada.
— Você pode utilizar jóias, apenas precisa encontrar algumas mais adequadas — Eu expliquei — Algo menos chamativo.
— Meu pai dizia que era bom chamar atenção, ele me dava jóias sempre que podia — Ela comentou em um tom triste — Eu não consegui salvar todas, apenas essas e alguns brincos para o nariz.
— Brincos para o nariz? — George arregalou os olhos.
— Sim, eu usava em ocasiões especiais — Ela passou o dedo na lateral do nariz — são pequenas argolas. Mas creio que agora o furo se fechará.
— Sim, sem brincos no nariz — Eu respirei fundo — Nós vamos te ensinar a se enfeitar sem precisar de tantas joias.
— Ela precisa de um bom chapéu e um par de luvas — George observou enquanto a comida chegava à mesa — Algumas fitas para o cabelo, as jovens damas adoram isso.
— Como eu conseguirei tudo isso? — Ela gemeu antes de começar a se alimentar — E o que farei com as minhas roupas?
— Nós te ajudaremos — George a interrompeu — temos uma longa viagem amanhã, e podemos te ensinar coisas simples.
— Obrigada — Ela murmurou depois de engolir — Espero que isso dê certo.
Nós observamos em silêncio a jovem comer. Ela parecia com muita fome e não estava disposta a perder tempo.
— O que foi? — Ela perguntou, parecendo desconcertada.
— Você tem um bom apetite — George respondeu, me fazendo desejar chutá-lo por isso.
— Desculpe — Ela desviou o olhar constrangida — Eu não me alimento desde ontem.
— Ohh! — George exclamou.
É claro que ela não se alimenta desde ontem! o acampamento foi atacado enquanto dormiam, ela não teve tempo para o desjejum. Eu deveria ter me atentado a isso, ela deve estar faminta.
— Eu vou cuidar dos detalhes de nossa viagem amanhã — Eu me levantei.
Eu senti o olhar de Emma me seguir enquanto eu caminhava até meu quarto. Não seria bom se ela se hospedasse em minha casa, minha mãe e minha irmã mais nova estavam visitando Tia Margareth em Bath, e não seria adequado para sua reputação se ela se hospedasse comigo vivendo ali sozinho.
Talvez os Crawfords possam recebê-la, Georgiana e Juliet com certeza serão uma boa companhia para ela. Emma poderia aprender muito com as duas.
Eu me retirei para meus aposentos para escrever uma carta urgente para os Crawfords, com sorte ela chegará antes de nós.
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¹Gloucestershire é um condado na região Sudoeste da Inglaterra. O condado abrange parte das Cotswold Hills, parte do vale fértil do rio Severn e a toda a Floresta de Dean.
EmmaEu estava terminando de me arrumar após o desjejum. O sol já tinha nascido, e em breve nós partiríamos para Bibury, eu não queria atrasar meus benfeitores. Eles foram extremamente atenciosos comigo, e seus modos eram tão gentis. Creio que os cavalheiros são todos assim.Devem me considerar uma selvagem.— Por que isso tem que ser tão difícil? — Eu gemi enquanto tentava seguir a dica do Senhor Thorpe e prender meus cabelos.O fato de minha mão estar queimada também não ajudava, ela estava ardendo bastante, em alguns pontos tinha formado bolhas, outros, estava em carne viva.Eu encarei a queimadura por alguns momentos, pensando em tudo o que tinha acontecido. Em questão de horas tudo foi tirado de mim, o meu lar, minha família, toda a minha vida. A única coisa que me resta são algumas mudas de roupa e jóias que eu não posso usar. Uma batida na porta me tirou de meu devaneio. Eu a abri, encontrando a criada que me auxiliou ontem, eu nunca sequer sonhei em ter uma criada antes. E
— Ohhh.. Eu vou... — o Sr Thorpe parecia desconcertado — Eu vou arrumar um lugar para sua sacola.— Desculpe — Eu me afastei imediatamente ao ouvir a porta ser fechada.Não se esqueça que você não está mais entre sua família, Emma.— Está tudo bem — Ele desviou o olhar.— Isso foi completamente inadequado — Eu prossegui — Me perdoe.— Vamos buscar uma mala? — Ele sugeriu depois de momentos em silêncio.— Sim — Eu mordi o lábio tentando limpar meu rosto da melhor forma possível. — Nós podemos ir.— Por favor — Ele me ofereceu um lenço.Eu o aceitei, enxugando as lágrimas, me sentindo um pouco desconcertada. Não era pra ter acontecido nada disso. Era para estarmos seguindo em direção à próxima cidade, toda a minha família, todos juntos. Mas estou aqui, seguindo em direção à uma vida que eu sequer posso imaginar como será.— Vamos — Ele me guiou até a porta — Vamos conseguir algumas coisas pra você.Eu o segui em silêncio, segurando seu lenço. Eu teria que devolvê-lo em algum momento. M
HenryEu me senti desnorteado após o curto passeio com Emma pela cidade. Aquela jovem mulher estava mexendo mais comigo em dois dias do que qualquer uma das jovens de Bibury ou Bath em toda a minha vida.Eu voltei ao meu quarto tentando tirá-la de minha mente, porém, aquele instante sozinho serviu apenas para que eu repassasse aqueles momentos. Ela pareceu bastante constrangida quando descobriu que eu a presentearia com um chapéu, e enquanto caminhávamos pela cidade, constantemente a admirei enquanto ela observava tudo com fascinação. Emma estava convencida de que não chamava nenhuma atenção, mas eu notava todos os olhares sobre ela, seus traços únicos e belos a diferenciava das outras jovens inglesas. Não, ela nunca passaria despercebida.Eu abri minha mala, localizando o pequeno pandeiro que ela derrubou no dia que nos conhecemos. Eu deveria devolvê-lo.Voltei a guardá-lo, decidindo sair dali para me livrar daqueles pensamentos. Minha única pretensão é ajudá-la. Preciso manter isso
HenryNo fim, decidimos que Emma fora deixada aos cuidados de uma velha e doente senhora após ter perdido sua família em um incêndio. Ela nos implorou para trazê-la conosco pois não teria condições de sustentá-la por tanto tempo. Se pedissem qualquer outro detalhe, poderíamos inventar na hora.Nós procuramos ensinar tudo o que poderíamos à Emma, tirando todas as suas dúvidas, e perto do fim da tarde, nós saímos para mais um passeio pela cidade. George mais uma vez ofereceu o braço como apoio para a jovem, aquele gesto me incomodou um pouco, mas eu tratei de afastar aqueles sentimentos e me concentrar na forma de caminhar de Emma.Ela tinha uma maneira única, o que ajudava a se destacar entre as outras. Cada passo que ela dava era gracioso e fluído, era como se ela estivesse o tempo todo no meio de uma de suas apresentações de dança, onde cada movimento era calculado para atrair a atenção de todos.Eu não deveria deixar minha atenção se prender em tantos detalhes. George tem razão, é m
EmmaEu me senti um pouco relutante em seguir a Srtª Crawford. O que me dava algum conforto, era saber que Henry voltaria ali no dia seguinte. Mas eu não pude deixar de me sentir fora de lugar naquela casa. Por que uma simples família precisa de tanto espaço? Meu antigo bando inteiro poderia viver confortavelmente nesse lugar.— Você está gostando daqui? — Georgiana Crawford perguntou enquanto nós subíamos as escadas.— É um lugar bonito — Eu comentei — Mas não o conheço para formar uma opinião.— Eu vou apresentar tudo a você — Ela abriu uma porta — Mas por enquanto, você pode se acomodar aqui. Seus aposentos.— Mesmo? — Eu olhei em volta. Meu quarto na pousada era espaçoso e simples, mas eu não sabia nem por onde começar a descrever esse lugar. Eu caminhei até uma poltrona ao lado da cama, depositando a minha mala ali.— Talvez você queira mudar de roupa — a jovem dama sugeriu — Ainda está cedo, eu posso te apresentar a casa e os jardins até a hora do jantar.Eu senti meu rosto cor
EmmaNós logo chegamos ao cômodo, e Georgie me ajudou a me deitar, se retirando em seguida com a promessa de que voltaria em breve.Bem, se o Sr Downey viesse acompanhado de Henry, com certeza ele cuidaria de tudo. Ele não deixaria nada dar errado. Aquele pensamento me acalmou um pouco.Após o almoço, a Srª Crawford apareceu com a modista. Ela garantiu que eu teria novos vestidos em breve, até lá eu conseguiria me virar com os que tinham conseguido para mim.Eu aguardei a chegada de Henry de forma ansiosa, mesmo sabendo que ele provavelmente viria com o reverendo, mas quando terminamos o jantar e ele não apareceu, eu comecei a entender que ele não viria. Fiz companhia para a família na sala após o jantar, o Sr Crawford pediu para que Georgie tocasse um pouco de piano, enquanto eu disfarçava, fingindo ler um livro. — Srtª Ferguson — Hill me surpreendeu ao se aproximar de mim com um bilhete em uma bandeja — Isso chegou para a Senhorita.Eu o aceitei, sentindo o olhar de todos sobre m
Emma— Eu não quero ficar sozinha aqui — Eu suspirei enquanto caminhava até a porta — Georgie é agradável, mas ela não me entende.— Eu prometo ser mais presente, Srtª Ferguson, eu sinto muito por minha ausência — ele garantiu abrindo a porta.Eu o acompanhei para fora da sala, sentindo o olhar de Georgie nos avaliar imediatamente. — Podemos ir?— ela questionou alternando o olhar entre nós dois.— Vamos – ele nos guiou até a porta.A igreja não era distante, de forma que caminhamos até lá tranquilamente. Nosso pequeno grupo atraiu a atenção enquanto caminhávamos. Ao chegar no lugar, Georgie localizou sua família, sentando-se junto a eles, Henry me guiou para um banco na frente, onde a esposa do reverendo estava sentada.Eu senti todos os olhares sobre mim quando nos acomodamos, George logo tomou seu lugar ao meu lado encarando o outro com uma expressão séria.— Espero que esteja bem, senhorita Ferguson – ele sorriu de forma amigável para mim.— Estou, obrigada senhor Thorpe. – Eu fra
HenryUma Quinzena se passou desde que levei Emma à igreja pela primeira vez, e em comum acordo George e eu passamos a frequentar Dyrham Park. Os Burkhart dariam um baile em alguns dias, e Emma precisava se preparar para o evento. George sugeriu que seria adequado oferecer pequenas reuniões em nossas casas para que pudéssemos treiná-la de forma adequada.Minha família voltaria em breve, Kitty tinha ficado ansiosa ao descobrir sobre Emma e queria conhecê-la logo, mas Tia Margareth a convenceu a esperar a data planejada para o retorno, em dez dias.Emma ainda não conhecia Casterly Park, e eu continuamente me questionava o que ela acharia daquele lugar. Eu passei a me aproximar cada vez mais da jovem cigana, quando eu não frequentava Dyrham Park, enviava alguma nota para ela. Eu adorava cada parte de meus dias com Emma, Ela era divertida, inteligente e estava se acostumando cada dia mais com nosso estilo de vida. Apesar de ainda notar aquela dor no fundo de seus olhos, eu via uma melho