Valentim
Marcelo estava sentado à minha frente, passando algumas informações sobre o sequestro de Laura que ainda não haviam sido apurados direito, uma vez que eu havia literalmente matado todas as testemunhas e o que sobrara era só as informações que não foram destruídas pelos sequestradores em uma jogada rápida para livrar a barra de quem quer que fosse seu líder.Eu não estava satisfeito com isso, principalmente depois de ter uma conversa meia boca com Luara e nem ter conseguido metade do que eu buscava com isso. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que havia sido erro meu, então, não tinha o direito de questionar.Bufei, atraindo a atenção do meu amigo para mim. Ele me encarou por alguns segundos, como se quisesse dizer algo, mas apenas balançou sua cabeça de um lado para o outro, como se tentasse afastar o que quer que seja que tenha aparecido ali pelos poucos segundos que seus olhos se mantiveram em mim, muito avaliadores.— Pode falar, eu não vouLaura Eu estava sentada na cozinha, sozinha, comendo qualquer coisa para apartar a fome que não havia sido saciada durante o café da manhã e almoço. Meus olhos vagavam pelo cômodo, se perguntando a todo momento por que estava tão silencioso ali, sem sinal algum das outras duas mulheres que deveriam estar me fazendo companhia. Suspirei, meio indecisa se eu realmente queria tê-las por perto, me enchendo o saco, ou não. Por mais que soasse tentador ficar ao lado delas, talvez, só talvez, fosse melhor ficar quietinha por algum tempo, inundada por pensamentos diantes e metas que eu ainda não sabia se era capaz de cumprir, não por serem impossíveis, longe disso, a verdade era que, a partir do momento que pisei outra vez naquela casa, todas as minhas crenças se abalaram e eu me vi presa no mesmo dilema de antes, um difícil demais de engolir: Eu realmente tinha que cumprir meus objetivos iniciais? Balancei minha cabeça, não querend
Laura Eu estava em meu quarto, pensativa sobre as coisas que haviam acontecido naquele dia quando Isabel invadiu meu espaço particular e se jogou em minha cama, não ligando para o estado que me encontrava. Ela parecia frustrada com algo, igual a eu mesma. Foi inevitável não me compadecer com ela, embora uma parte de mim tinha quase certeza que nossos problemas tinham proporções muito diferentes, sendo assim mais difíceis de resolver. — Algum problema, Isabel? — perguntei, estudando a expressão exasperada que dominava seu rosto aos poucos. — Me chame pelo meu apelido. Você prometeu — ela disse, me fazendo soltar um suspiro. Graças a todas as coisas que eu escondia dela e de todos, eu ainda não estava pronta para chamá-la por seu apelido, mas me obriguei a fazer, uma vez que aquela conversa não iria para frente se eu não o fizesse. De jeito nenhum. — Ok, Isa. O que tanto te incomoda? Ela me olhou por alguns se
LauraA primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.— Mas que…Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um
LauraEu queria afirmar com toda a certeza que não estava preocupada com a situação em que me encontrava naquele momento. Queria dizer que isso era fichinha e, por mais complicado que parecesse aos olhos de quem me visse assim, era só uma questão de tempo para que eu estivesse livre e com as informações que tanto desejava.Mas, não, nunca era tão simples assim.Eu estava ferrada, se considerasse meu machucado, a falta de armas ao meu dispor e o atirador bem experiente em minha frente. Claro, tudo tinha um jeito, e para aquela situação não seria diferente. Só bastava começar a pensar com calma, algo bem difícil de se fazer.Suspirando, olhei para os lados, tentando considerar todas minhas alternativas — que não eram muitas — e me deparei com meu antigo esconderijo. Ali talvez houvesse algo que poderia me ajudar; um singelo e nojento saco de lixo. Para qualquer outra pessoa em minha situação, isso não seria nada, mas para mim era uma oportunidade que não eu iria ousar desperdiçar, e só
ValentimO osso de uma perna quebrado, pulmões perfurados por vários tiros de fuzil e um buraco no meio da testa destacavam-se no corpo estendido — já em estado de decomposição — na minha frente. Se não fosse pelas tatuagens espalhadas por todo seu corpo, jamais imaginaria que aquele ali era o ex-atirador da polícia que trabalhava para mim desde que perdera tudo para seu vício em drogas e sua enorme dívida com a boca de fumo.— Onde vocês o encontraram? — perguntei, desviando meus olhos da cena e prendendo a respiração para não sentir aquele cheiro podre que vinha do cadáver, mas foi em vão; o fedor apenas se intensificou com o ato.— Dentro de uma caçamba de lixo, na parte mais afastada do morro — Marcelo, meu melhor amigo, disse, cobrindo seu nariz com seu braço esquerdo. — Por que não saímos daqui antes de conversarmos? Não aguento mais ter que sentir e ver essa nojeira.Apenas assenti, ordenando os capangas que haviam trazido o corpo até mim para se livrarem dele em um lugar mais
ValentimJá era a terceira vez que ouvia um som de grito agoniado vindo do corredor, formando uma melodia grotesca acompanhada de ossos sendo quebrados e pedidos de misericórdia. Eu sorri, sentado em uma poltrona confortável, de frente para outra cena que se destacava muito mais para mim do que a primeira.A mulher de cabelos castanhos longos, olhos cor de avelãs, arrogantes, vestida com uma blusa lisa azul-marinho e calças jeans clara, tentava a todo custo ignorar o barulho quase ensurdecedor, enquanto batia seus pés calçados com sapatos de salto alto de grife no chão de forma impaciente; me deixando tentado a ordenar que intensificassem a tortura sobre o homem que havia aparecido ali com ela só para vê-la entrar em desespero completo bem diante de mim.Mas eu não fiz isso. Não porque tive pena do homem — isso eu nunca teria —, mas, sim, por imaginar que, se o fizesse, não seria a forma mais fácil de obter as respostas que queria. Não era, se eu continuasse levando em consideração qu
LauraEu não imaginava que o novo dono do morro era um maldito de um filho da puta. Sinceramente, pensei que houvesse um pouco de esperança quando ele apareceu diante de mim e se manteve alheio ao meu showzinho gratuito. Mas, não, era só uma falsa impressão minha. O desgraçado era mais fodido do que todos os homens que eu havia visto durante minha vida inteira, talvez até mais do que meu pai, que já não era um bom exemplo desde o começo.E, para piorar, eu não conseguia entender o que passou pela minha cabeça durante os minutos que estive com ele. Uma hora ela parecia não funcionar direito, presa no calor que aquele homem me causava em partes que nem ouso comentar; já em outras fazia-me sentir tão irritada que apenas desejava acabar com toda aquela farsa e encenação ali mesmo, desconsiderando todos os esforços gastos para chegar até ali.Mas não me deixei levar por isso. Eu precisava ser digna da imagem que tinham de mim, ser a patricinha mimada — mesmo me considerando velha demais pa
LauraSe alguém me dissesse, há um mês atrás, que teria que me submeter a esse tipo de situação — onde deveria fingir ser aquilo que mais odiei — era bem provável que iriam ouvir minha risada em alto e bom som. Talvez acabasse levando um tiro no pé ou, na melhor hipótese, seria chutado em suas partes baixas como punição pela ousadia.Eu jamais poderia pensar que após voltar para o Brasil depois de uma viagem para a Itália, que durara mais de seis anos, encontraria meu lar — por mais conturbado que fosse — de ponta cabeça e nas mãos de um homem que até então era um desconhecido para mim. Sem falar que meu pai estava preso sabe-se lá onde, vivo ou até morto, e sem nenhuma chance de escapar inteiro dali sem minha ajuda.Uma ajuda que não estava tão disposta assim a dar.Pelo menos não antes de ser alvo de um ex-policial que desejava minha cabeça acima de tudo. Antes disso, mesmo com minha família envolvida, aquela situação parecia irreal demais. Portanto, não acreditei até o momento que