Capítulo 6

Laura

Se alguém me dissesse, há um mês atrás, que teria que me submeter a esse tipo de situação — onde deveria fingir ser aquilo que mais odiei — era bem provável que iriam ouvir minha risada em alto e bom som. Talvez acabasse levando um tiro no pé ou, na melhor hipótese, seria chutado em suas partes baixas como punição pela ousadia.

Eu jamais poderia pensar que após voltar para o Brasil depois de uma viagem para a Itália, que durara mais de seis anos, encontraria meu lar — por mais conturbado que fosse — de ponta cabeça e nas mãos de um homem que até então era um desconhecido para mim. Sem falar que meu pai estava preso sabe-se lá onde, vivo ou até morto, e sem nenhuma chance de escapar inteiro dali sem minha ajuda.

Uma ajuda que não estava tão disposta assim a dar.

Pelo menos não antes de ser alvo de um ex-policial que desejava minha cabeça acima de tudo. Antes disso, mesmo com minha família envolvida, aquela situação parecia irreal demais. Portanto, não acreditei até o momento que me vi na linha de um fuzil carregado, vi um dos meus caído e morto, meu braço ferido e uma sensação de morte iminente me rondando a todo vapor.

Para piorar, ainda não estava curada dos ferimentos que me foram causados naquela vez, muito menos tinha conseguido descobrir o passado por trás de Valentim — algo que parecia ter sido enterrado a sete palmos para impedir que caísse em mãos erradas, de preferência na minha e dos meus aliados. Uma verdadeira sacanagem.

Soltei outro suspiro, tentando desamarrotar minha blusa azulada. O dono do morro me encarava não muito satisfeito, quase como se ele fosse uma criança mimada que queria ver o presente antes mesmo dos parabéns finais. Por algum motivo, isso soava a cara dele para mim.

— Então, o que decidiu?

— Acho que a resposta é bem óbvia a essa altura, não? Você não me deixou muitas opções — alfinetei, fingindo que estava insatisfeita com a decisão tomada por ele. Mal sabia que ficar ali era tudo o que eu queria, ou melhor, era o que eu mais precisava.

— Você ficará — constatou, deixando que um sorriso diabólico brilhasse em seu rosto. Nesse momento me peguei pensando em como a barba por fazer e seus olhos azuis intensos combinavam muito com ele e seu rosto quadrado.

Assenti, mordendo meu lábio inferior. Tentei a todo custo demonstrar que sentia medo do que viria a seguir, mesmo tentando também, ao mesmo tempo, deixar claro que era forte o suficiente para lidar com isso tudo.

— Então acho que sobrou para mim arranjar um local para ela ficar, não é? — o homem de cabelo pintado de loiro, que havia visto junto com o dono do morro pela primeira vez, perguntou a ele, me deixando tentada a dar minha opinião sobre isso.

— Não, Marcelo, ela ficará na mesma casa que eu — afirmou, como se fosse algo óbvio. Arregalei meus olhos, surpresa de verdade.

Isso talvez não fosse uma boa ideia, mas até que era uma chance de mostrar o quão boa eu era encenando.

— Você só pode estar de brincadeira, né? Euzinha aqui, ficar no mesmo lugar que um… — Me contive, achando que se o xingasse ali seria passar dos limites impostos por mim mesma.

— Ouse me xingar, sua vadia, e você verá do que eu sou capaz — ameaçou, e eu curvei meus ombros para baixo, fechando meus olhos em seguida.

— Você está assustando ela, Valentim — o tal Marcelo murmurou alto o suficiente para que eu escutasse. Rapidamente ajeitei minha postura e tentei parecer que foi impressão dele.

— E o que eu tenho a ver com isso? — esbravejou, dando de ombros. Senti vontade de socar a cara dele, para que pudesse apreender o jeito certo de tratar uma mulher amedrontada, mesmo que eu não fosse uma de verdade e estivesse apenas fingindo ser.

— Eu não quero morar com esse louco — falei, evitando olhá-lo nos olhos. — Já basta ter que ficar aqui contra minha vontade.

— Toda hora parece que você esquece que não tem escolha — Valentim resmungou, revirando os olhos. Se levantou da poltrona de couro que estava sentado, ajeitando as mangas de sua camiseta enquanto caminhava. A cena me hipnotizou por alguns segundos, fazendo com que não notasse quando seu corpo ficou muito próximo do meu.

Por alguns segundos, ele ficou me encarando, e eu me perdi na imensidão de seus olhos claros. Eram lindos como seu dono, tão enigmáticos e sombrios que faziam meu corpo arrepiar dos pés a cabeça; emoções que não sentia a um bom tempo, e isso não era algo bom para mim e meus planos.

Balancei minha cabeça, tentando não me perder da minha atuação, entretanto, isso foi em vão. Meus olhos deixaram os dele apenas para admirar sua barba por fazer, os traços marcantes de seu rosto quadrado e maxilar largo, sua mandíbula que acompanhava o formato e, principalmente, seu cabelo curto até as orelhas, que lhe davam um charme digno de um galã de novela.

Ele era tentação em forma de pessoa.

Mas eu também poderia ser.

Assim que me libertei daquele transe que não durara mais que segundos, mordi meu lábio inferior e levei uma mecha dos meus cabelos para trás da orelha. Deixei que meu corpo se inclinasse naturalmente em sua direção de uma forma que o decote singelo da minha blusa azul marinho atraísse sua atenção.

Dito, foi feito. Não demorou muito para tê-lo à mercê de meu belo corpo. Ele parecia encantado, não sei se era pelas minhas curvas — como todo homem que havia encontrado até ali — ou pelo conjunto da obra toda. Fosse o que fosse, essa também era uma forma de fazê-lo futuramente comer em minhas mãos.

— Desculpe atrapalhar, mas… — Marcelo pigarreou, forjando uma tosse muito mal feita. Valentim apenas piscou algumas vezes e se afastou de mim, adquirindo uma expressão indiferente.

— Algum problema? — ele perguntou, umedecendo os lábios.

— Recebi uma ligação e parece que precisam da sua presença urgente.

— Tudo bem, vamos agora. — Valentim ficou em silêncio por alguns segundos, depois virou-se para mim. — Espero que esteja bem alocada em minha casa quando eu estiver de volta, senão já sabe o que poderá acontecer.

E me deu as costas e saiu andando, junto de seu amigo. Não demorou nem cinco minutos para que três homens armados — acompanhados de Lopes, que já havia sido tratado por um médico competente — aparecessem na sala e me forçassem a sair dali.

Mesmo que não quisesse caçar confusão com eles, tentei ao máximo manter minha encenação de patricinha mandona que não dá o braço a torcer por nada. Felizmente, nenhum deles tentou me fazer mal ou levar minhas palavras a sério. Apenas me ignoraram durante o trajeto até um carro esportivo — que destoava de todo o cenário da favela — e o usaram para me tirar dali, indo para a casa que seria meu lar durante os próximos meses; um local que poderia ser tanto minha salvação quanto perdição.

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