Capítulo 5

Laura

Eu não imaginava que o novo dono do morro era um maldito de um filho da puta. Sinceramente, pensei que houvesse um pouco de esperança quando ele apareceu diante de mim e se manteve alheio ao meu showzinho gratuito. Mas, não, era só uma falsa impressão minha. O desgraçado era mais fodido do que todos os homens que eu havia visto durante minha vida inteira, talvez até mais do que meu pai, que já não era um bom exemplo desde o começo.

E, para piorar, eu não conseguia entender o que passou pela minha cabeça durante os minutos que estive com ele. Uma hora ela parecia não funcionar direito, presa no calor que aquele homem me causava em partes que nem ouso comentar; já em outras fazia-me sentir tão irritada que apenas desejava acabar com toda aquela farsa e encenação ali mesmo, desconsiderando todos os esforços gastos para chegar até ali.

Mas não me deixei levar por isso. Eu precisava ser digna da imagem que tinham de mim, ser a patricinha mimada — mesmo me considerando velha demais para o papel —, a filha que larga o pai e some, e depois volta apenas quando a conta seca e nenhum centavo lhe resta para manter seus luxos desnecessários.

Arrogante, mandona e incrivelmente irritante; essas eram as características que me tornaria mais próxima da pessoa que eu buscava ser enquanto estivesse ali, dentro do covil do meu maior inimigo. Mesmo que isso fosse difícil no começo, eu esperava conseguir e assim destruir a facção daquele falso dono do morro de dentro para fora; de um jeito que ele jamais iria se reerguer de novo.

Suspirei, saindo de meus devaneios e tomando coragem para empurrar a porta que me separava de um ferido Lopes. Eu sabia que ele não estaria bem fisicamente dado aos gritos de dor que ouvi durante o tempo que fiquei ao lado do dono do morro. Talvez alguns membros houvessem sido deslocados, junto de dedos quebrados e possíveis furos na parte de seus braços.

Enfim, não seria uma cena bonita. E não fora; Lopes estava sentado em uma cadeira de plástico, sem ninguém por perto, destacando-se na sala quase vazia. Uma mesa com alguns utensílios de tortura — como alicates, facas e outras armas que não me recordava o nome — e alguns itens para tratar ferimentos jazia largada em sua frente, manchada com um líquido vermelho que supus ser seu sangue.

Seus dedos estavam retorcidos, com certeza quebrados, e seu rosto estava inchado. Sangue seco brilhava em seus pés, peito e braços, escondendo os pequenos furos feitos com o que me pareceu ser uma faca afiada. 

Meu peito se apertou com a cena, e senti uma onda de arrependimento atravessar todo o meu corpo por fazê-lo me acompanhar até aquele lugar e passar por tudo aquilo. Não era responsabilidade dele, mesmo que Lopes jurasse que tudo que fizera — e faria — por mim, no fim, era apenas o cumprimento das últimas ordens que meu pai havia dado a ele antes de ser destronado.

Para qualquer outra pessoa que vivia minha realidade isso poderia não importar, mas para mim era algo que não havia como não pensar sobre. Eram vidas sendo arriscadas e perdidas por meus caprichos, gente como eu que estava na pior, muitas vezes vivendo dessa forma por falta de escolha e nada mais que isso.

Respirei fundo, tentando focar nas prioridades que aquela situação demandava. Me aproximei de Lopes, vendo seus olhos negros se abrirem e me encararem com curiosidade, embora também estivessem atordoados, como os de quem tenta entender uma situação mesmo sabendo que demoraria muito mais tempo do que o desejado para fazê-lo.

— E aí? Como foi minha atuação? — ele perguntou, abrindo um sorriso ladino para mim quando arredei os itens sobre a mesa à sua frente e me sentei. Balançando minha cabeça de um lado para o outro, espantei o resto de culpa que me restava por colocá-lo naquela situação. 

Ele ainda não merecia minha total compaixão.

— Exagerada, como sempre — cantarolei, sem esconder meus sentimentos quanto a sua extravagante encenação.

— Bem, não fui eu que fiz curso de teatro, não é? — me provocou, erguendo-se com certa dificuldade da cadeira e aproximando-se de mim.

Ao ouvir aquelas palavras, fiquei em silêncio, não querendo entrar naquele assunto complicado que me fazia lembrar do meu passado nada feliz. Não era ali — muito menos agora — que voltaria a anos no tempo só para pensar sobre as escolhas que me custaram mais do que eu gostaria de lembrar.

— Esqueça isso — pedi, desviando meus olhos dos dele.

— Como quiser, Laura.

Levantei meus olhos e ergui uma sobrancelha. Quis, por um segundo, brincar com a forma como Lopes havia falado aquelas palavras, mas não o fiz. Não estava no clima para isso.

— Acho que devo enrolar quanto tempo aqui até ter uma resposta para dar aquele desgraçado que roubou o morro do meu pai? — perguntei apenas para mudar de assunto. Eu já tinha uma resposta na ponta da minha língua, embora também quisesse saber a opinião do meu braço direito sobre isso.

— Talvez meia hora? — Ele ergueu os ombros, como quem não quer nada, e soltou um gemido de dor por causa do gesto.

— Pouco tempo para mim.

— Então duas horas?

— Não acho que ele vá esperar tudo isso.

— Se é assim, qual a quantidade de tempo que você deseja?

— Entre cinquenta minutos e uma hora e vinte. De preferência com um número irregular que ele não esteja esperando.

— Sinceramente, o que você quer com algo tão específico? — ele questionou, fazendo uma careta engraçada. Soltei uma pequena risada e ergui minha cabeça para o teto. Percebi, então, que havia uma pichação de uma rosa atravessando um coração coberto de sangue sobressaindo-se em relação ao fundo enegrecido.

— Irritar e atrair a atenção do fodido, é claro.

— Ele tem nome, Laura — me repreendeu, cruzando os braços e se esquecendo por alguns segundos dos ferimentos que haviam ali. Não demorou muito tempo para que seu rosto se contorcesse em uma carranca de dor. — Valentim, para ser exato. Você tem noção disso, não é?

— Tenho o suficiente para não querer gastar palavras dizendo esse nome por aí em sua ausência.

— Teimosa como sempre — resmungou, revirando os olhos. Voltou, então, a se sentar na cadeira de plástico. Aproveitei esse momento para me aproximar dele e começar a cuidar de suas feridas com os materiais que haviam para este fim ali. — Laura, você pode me dizer o porquê de estar fazendo isso? Afinal, não seria mais fácil dar um jeito de infiltrar ou subornar alguém aqui de dentro para matar aquele homem e salvar seu pai?

Olhei pensativa para Lopes, imaginando a quanto tempo ele estava suprimindo seu desejo de fazer aquela pergunta para mim. Não parecia ser pouco, uma vez que desde o momento que apresentei àquele plano a ele e meus outros capangas — há uma semana atrás —, sua expressão era cheia de dúvidas e questionamentos. No entanto, não saíra nada de sua boca em relação a isso. Talvez por lealdade cega a mim, ou por apenas pensar que eu não diria meus motivos a ele. Fosse o que fosse, era óbvio que Lopes estava tentando aproveitar aquele momento para conseguir a resposta que queria.

E eu não sei se gostava disso.

— Se fosse você — comecei, tentando escolher as melhores palavras para expor o que pensei quando tive a ideia de me infiltrar ali —, o que faria? Apenas mataria o manda chuva e deixaria para lá aqueles que dão poder a ele? — Lopes ficou em silêncio, e eu não vi escolha a não ser prosseguir com meu raciocínio: — Não podemos matar esse tal de Valentim sem antes descobrir quem e porquê o colocaram aqui. Como ele conquistou o morro em tão pouco tempo, e, principalmente, quem são seus aliados e como eliminá-los de uma vez por todas.

— Eu compreendo, mesmo achando que é demais pôr sua vida em risco no processo — disse, e depois suspirou. — Mas nesse ramo opinião é opinião; muito se tem e pouco se compartilha.

— Ainda bem que sabe disso.

Sorri, voltando a olhar o teto belíssimo da sala, aproveitando os últimos momentos ali antes de ter que voltar e encarar a verdadeira tentação em formato de homem, tanto pelo lado bom quanto negativo.

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