Capítulo 4

Valentim

Já era a terceira vez que ouvia um som de grito agoniado vindo do corredor, formando uma melodia grotesca acompanhada de ossos sendo quebrados e pedidos de misericórdia. Eu sorri, sentado em uma poltrona confortável, de frente para outra cena que se destacava muito mais para mim do que a primeira.

A mulher de cabelos castanhos longos, olhos cor de avelãs, arrogantes, vestida com uma blusa lisa azul-marinho e calças jeans clara, tentava a todo custo ignorar o barulho quase ensurdecedor, enquanto batia seus pés calçados com sapatos de salto alto de grife no chão de forma impaciente; me deixando tentado a ordenar que intensificassem a tortura sobre o homem que havia aparecido ali com ela só para vê-la entrar em desespero completo bem diante de mim.

Mas eu não fiz isso. Não porque tive pena do homem — isso eu nunca teria —, mas, sim, por imaginar que, se o fizesse, não seria a forma mais fácil de obter as respostas que queria. Não era, se eu continuasse levando em consideração que vê-la a minha mercê soava muito mais tentador do que qualquer outra coisa. E era essa tentação que prometia me pôr em risco.

Então, apenas por isso, fiz sinal para um dos meus capangas pararem a tortura, mesmo que fosse apenas por enquanto.

— Já está convencida? — perguntei, levando uma de minhas mãos até meu rosto e acariciando minha barba rasa e por fazer de uma forma bem provocante. 

Ela sorriu sem mostrar os dentes e esfregou uma de suas mãos em seu braço oposto, desviando o olhar esverdeado dos meus.

— De quê você é louco? — replicou, parecendo forçar-se a virar o rosto em minha direção para me encarar. Vê-la daquela forma, tão afetada em comparação a como a vi a poucos minutos atrás, me deixava excitado. Algo que poucos acontecimentos tinham o poder de fazer.

— Não — respondi, ignorando a ofensa. — Espero que tenha entendido que eu não estou para brincadeira aqui.

— Eu não vou mudar o que disse, se é isso que você está esperando que eu faça — ela disse, voltando a sua postura arrogante e mimada. — Eu não aceito um não como resposta, e este é o lugar onde morei minha vida toda. Por que tenho que sair daqui ou me submeter a você para continuar tendo o que já é meu? É sem lógica.

— Parece que ainda não entendeu a situação — constatei, balançando minha cabeça de um lado para o outro, fingindo frustração. Me ergui da poltrona em que estava e caminhei até ficar bem perto dela, curvando meu corpo de forma lenta para alcançar seu ouvido direito. — Você não tem escolha.

Senti seu corpo estremecer diante do meu, e, ao me afastar, suas pupilas estavam dilatadas, seus olhos arregalados e sua expressão perdida, como se seu cérebro ainda estivesse tentando processar o que saíra da minha boca e como isso lhe afetava.

— Eu…

— Você só tem uma opção — a interrompi, sorrindo malicioso. — Ou você fica aqui no morro e me entretenha o suficiente para valer sua estadia ou aceite que não verá seu pai tão cedo e terá que sair daqui para sempre, se não quiser permanecer com nenhum dos luxos que lhe restaram, é claro.

— Por que essa parece uma ameaça tão vazia? — murmurou baixinho, me fazendo bufar.

Senti um calor invadir meu corpo nesse momento e quase pensei que seria melhor acabar com aquele joguinho que estava fazendo com ela ali mesmo, mas não o fiz. Eu queria ver a patricinha vivendo no morro, indo a baile funk e tendo que comer o mesmo que todos os que ela chamava de favelados comiam.

Queria tê-la na mesma casa que eu, provocá-la e descobrir seus podres. Desbravar todos os segredos que ela escondia por baixo de sua postura arrogante, e parte disso até chegava a me assustar. Tais desejos eram novos para mim, embora eu tivesse a oportunidade de colocá-los como um "teste" de diversão para evitar qualquer pensamento indevido. Como o ditado popular, eu tinha a faca e o queijo na mão, e estava disposto a aproveitar ambos da melhor forma possível.

Sorri, lembrando que, além disso, mantê-la viva não teria que ser para sempre. Dessa forma, eu poderia até suportar aquela arrogância por um bom entretenimento, mas ela tinha que colaborar primeiro. Se não, o resultado não seria muito bom para ela e seu pai, que estava em minha posse, prestes a morrer a qualquer momento; um mero detalhe que eu manteria escondido dela para evitar que minha diversão fosse frustrada mais cedo do que eu pretendia.

— Ok. Se acha que o que estava acontecendo no final do corredor era mentira e que eu não posso expulsar você daqui a pontapés se esse for meu desejo, dê meia volta e suma daqui. Só não me responsabilizo se uma hipotética bala perdida te acertar bem no meio da tua testa quando pisar fora desse lugar — ameacei, do jeito mais sutil que consegui. A vi engolir em seco e isso fez meu dia ficar dez vezes mais divertido.

— Eu… posso pensar antes? — pediu, deixando visível, talvez até sem querer, uma fagulha de medo em meio a sua voz aveludada.

Apenas assenti, fazendo um sinal com minhas mãos para que ela sumisse da minha frente enquanto isso. Assim que ela saiu, possivelmente indo até à sala de tortura onde o "amigo" dela estava, soltei um suspiro pesado e olhei para Marcelo, que me encarava perplexo.

— Por que está fazendo isso? — ele perguntou, antes mesmo que eu pudesse abrir minha boca para saber o porquê da sua cara de cu.

— Por diversão, é claro. Por que mais faria?

— Isso não é certo, Valentim. Ela é só uma garota na flor da juventude. Tem no máximo vinte anos. Se pretende matar ela para o bem da sua vingança, o faça logo. Não brinque com alguém de uma maneira tão descarada assim.

— Você é muito politicamente correto para um traficante, Marc — resmunguei, não dando ouvidos para seu sermão. — Para o bem da nossa amizade, não se meta nos meus assuntos. Eu quero brincar com aquela vadia, e eu farei isso. Quero destruir seu mundo de dentro para fora, enquanto planto uma sementinha da discórdia. — Fiz uma pausa, imaginando tudo que aconteceria se ela ficasse aqui no morro, tudo que eu faria para acabar com seu psicológico. — Realmente não posso esperar por isso.

— Você é um maldito de um fudido — ele murmurou, curvando os ombros em desistência enquanto suspirava.

Apenas sorri. Ele não imaginava o quanto.

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