Valentim
O som que vinha de dentro da casa, que agora parecia estar bem mais abandonado do que antes, era quase grotesco. O som, que destacava-se em meio ao silêncio, me causava ânsias e uma leve sensação de estar em um filme de terror. Esse fato, que eu havia guardado só para mim, me fez sorrir um pouco, após olhar para primeira porta suspeita e entreaberta que achei. Marcelo não ficou muito feliz por isso. Ignorando os olhares reprovadores do meu amigo, continuei andando, passo por passo, até alcançar um grande salão, que parecia vazio a princípio, mas logo percebi que os quatro homens de que Marc havia falado estavam reunidos ali, fazendo algo que eu não conseguia entender direito, não ainda. Olhei para meu amigo, quase como pedindo para que ele interpretasse a situação para mim, uma vez que meu cérebro parecia ter bugado. Mas Marcelo ficou apenas em silêncio, olhando para os homens, vendo algo que eu não tinha sido capLauraOs sons de tiros, socos e até algumas ofensas fora as únicas coisas que eu consegui ouvir durante o tempo que estava ainda meio grogue pelo efeito de uma droga que eu havia tomado para poder encenar melhor ou para tornar tudo aquilo mais verídico se caso, após voltar para a casa de Valentim, ele decidisse que iria fazer um exame de sangue em mim para descobrir o que tinham me dado para ficar naquele estado — que para ele era desacordado —, totalmente a mercê dos meus algozes.É, eu sei, eu sou uma puta de uma gênia.Depois que vi que era Patrizia e Matheo que estavam por trás daquele sequestro — ou melhor, metade dele —, eu decidi que ia tirar alguns dias de férias. Cinco dias era o suficiente para pôr minha cabeça no lugar e voltar a focar nos meus objetivos, que, naquele momento, se resumia a não me entregar a Valentim, por mais tentador que essa ideia fosse.No fundo, eu sabia que precisava descobrir mais sobre o passado dele, mesmo que f
LauraO sol invadiu o quarto em que eu me encontrava sem aviso prévio, causando um desconforto enorme em meus olhos e uma sensação de quentura que não parecia muito condizente com o momento. Mesmo a contragosto — pois estava muito gostoso o sono que tanto me envolvia —, abri meus olhos, me deparando com um quarto vazio e sem ninguém.Eu não tinha ideia de quanto tempo havia se passado, mas, uma coisa eu poderia ter certeza: o plano havia dado certo e ninguém suspeitava de mim. Por enquanto.Sorri, me espreguiçando. Em meu corpo não havia sinal da droga que eu havia ingerido no que imaginei ser a tarde anterior, me deixando propensa a acreditar que tudo havia acabado bem no fim, ou melhor, ao menos para mim.Soltei um suspiro, tomando coragem para saltar da minha cama. Amanhã seria um dia muito importante; eu finalmente iria fazer algo que fiquei planejando durante muito tempo, por mais que agora meu coração doesse ao pensar em fazê-lo. E isso soav
ValentimMeus passos se arrastavam pelo corredor, sem saber o que pensar. A conversa que tive com Laura a pouco segundos atrás me incomodava, de um jeito que eu não era capaz de entender. O que era esse sentimento estranho que estava apertando meu peito? Eu estava com pena dela? Era isso? Ou havia algo em sua fala que não condizia com as coisas que eu vi acontecerem?Não parecia ser esse último, embora uma bulga sempre permaneceria atrás da minha orelha enquanto nós dois fossem inimigos e nada além disso — o que eu estava quase desconsiderando. Depois de tudo que passei para salvá-la, talvez, só talvez, eu devesse começar a olhar para Laura como alguém importante o suficiente para me deixar meio louco das ideias e capaz de ir até o fundo do poço para ajudá-la.Sim, eu deveria começar a considerar isso. Só não sabia muito bem como fazê-lo.Suspirei, tentando não pensar nessas coisas complicadas. Isso não faria muito bem para minha cabeça, muito menos me daria as respostas que eu tanto
ValentimMarcelo estava sentado à minha frente, passando algumas informações sobre o sequestro de Laura que ainda não haviam sido apurados direito, uma vez que eu havia literalmente matado todas as testemunhas e o que sobrara era só as informações que não foram destruídas pelos sequestradores em uma jogada rápida para livrar a barra de quem quer que fosse seu líder.Eu não estava satisfeito com isso, principalmente depois de ter uma conversa meia boca com Luara e nem ter conseguido metade do que eu buscava com isso. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que havia sido erro meu, então, não tinha o direito de questionar.Bufei, atraindo a atenção do meu amigo para mim. Ele me encarou por alguns segundos, como se quisesse dizer algo, mas apenas balançou sua cabeça de um lado para o outro, como se tentasse afastar o que quer que seja que tenha aparecido ali pelos poucos segundos que seus olhos se mantiveram em mim, muito avaliadores.— Pode falar, eu não vou
Laura Eu estava sentada na cozinha, sozinha, comendo qualquer coisa para apartar a fome que não havia sido saciada durante o café da manhã e almoço. Meus olhos vagavam pelo cômodo, se perguntando a todo momento por que estava tão silencioso ali, sem sinal algum das outras duas mulheres que deveriam estar me fazendo companhia. Suspirei, meio indecisa se eu realmente queria tê-las por perto, me enchendo o saco, ou não. Por mais que soasse tentador ficar ao lado delas, talvez, só talvez, fosse melhor ficar quietinha por algum tempo, inundada por pensamentos diantes e metas que eu ainda não sabia se era capaz de cumprir, não por serem impossíveis, longe disso, a verdade era que, a partir do momento que pisei outra vez naquela casa, todas as minhas crenças se abalaram e eu me vi presa no mesmo dilema de antes, um difícil demais de engolir: Eu realmente tinha que cumprir meus objetivos iniciais? Balancei minha cabeça, não querend
Laura Eu estava em meu quarto, pensativa sobre as coisas que haviam acontecido naquele dia quando Isabel invadiu meu espaço particular e se jogou em minha cama, não ligando para o estado que me encontrava. Ela parecia frustrada com algo, igual a eu mesma. Foi inevitável não me compadecer com ela, embora uma parte de mim tinha quase certeza que nossos problemas tinham proporções muito diferentes, sendo assim mais difíceis de resolver. — Algum problema, Isabel? — perguntei, estudando a expressão exasperada que dominava seu rosto aos poucos. — Me chame pelo meu apelido. Você prometeu — ela disse, me fazendo soltar um suspiro. Graças a todas as coisas que eu escondia dela e de todos, eu ainda não estava pronta para chamá-la por seu apelido, mas me obriguei a fazer, uma vez que aquela conversa não iria para frente se eu não o fizesse. De jeito nenhum. — Ok, Isa. O que tanto te incomoda? Ela me olhou por alguns se
LauraA primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.— Mas que…Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um
LauraEu queria afirmar com toda a certeza que não estava preocupada com a situação em que me encontrava naquele momento. Queria dizer que isso era fichinha e, por mais complicado que parecesse aos olhos de quem me visse assim, era só uma questão de tempo para que eu estivesse livre e com as informações que tanto desejava.Mas, não, nunca era tão simples assim.Eu estava ferrada, se considerasse meu machucado, a falta de armas ao meu dispor e o atirador bem experiente em minha frente. Claro, tudo tinha um jeito, e para aquela situação não seria diferente. Só bastava começar a pensar com calma, algo bem difícil de se fazer.Suspirando, olhei para os lados, tentando considerar todas minhas alternativas — que não eram muitas — e me deparei com meu antigo esconderijo. Ali talvez houvesse algo que poderia me ajudar; um singelo e nojento saco de lixo. Para qualquer outra pessoa em minha situação, isso não seria nada, mas para mim era uma oportunidade que não eu iria ousar desperdiçar, e só