Capítulo 2

Laura

Eu queria afirmar com toda a certeza que não estava preocupada com a situação em que me encontrava naquele momento. Queria dizer que isso era fichinha e, por mais complicado que parecesse aos olhos de quem me visse assim, era só uma questão de tempo para que eu estivesse livre e com as informações que tanto desejava.

Mas, não, nunca era tão simples assim.

Eu estava ferrada, se considerasse meu machucado, a falta de armas ao meu dispor e o atirador bem experiente em minha frente. Claro, tudo tinha um jeito, e para aquela situação não seria diferente. Só bastava começar a pensar com calma, algo bem difícil de se fazer.

Suspirando, olhei para os lados, tentando considerar todas minhas alternativas — que não eram muitas — e me deparei com meu antigo esconderijo. Ali talvez houvesse algo que poderia me ajudar; um singelo e nojento saco de lixo. Para qualquer outra pessoa em minha situação, isso não seria nada, mas para mim era uma oportunidade que não eu iria ousar desperdiçar, e só precisava de um pouco mais de enrolação para poder usufruir dela.

— O que você tanto pensa? — o homem perguntou, e eu me virei para ele. Em seus olhos pude ver um desejo límpido de querer ver meu desespero, o medo que qualquer presa tem antes de encontrar seu fim.

Eu não queria dar este gostinho a ele, mas soou tão bem aos meus ouvidos a ideia de criar uma "personagem" que pudesse entrar nesse papel que não pude evitar; encolhi os ombros e forcei meu corpo a tremer. Olhos arregalados, boca levemente aberta e uma leve expressão de pavor tomava meu rosto aos poucos, mesmo que fosse a mais falsa possível.

Ele sorriu ao ver minha reação. E eu arrepiei de verdade ao ver o quão louco aquele homem era.

— Você não vai me matar de verdade, né? — perguntei, erguendo meu corpo e começando a andar de forma lenta até a caçamba de lixo, sem tirar meus olhos dos dele.

Ao ouvir minhas palavras, ele soltou uma risada estrondosa.

— Desculpe, gracinha, mas é a única opção — disse, e balançou a cabeça de um lado para o outro, como se lamentasse o fato de ter que fazer aquilo comigo. — Como eu já disse, preciso do dinheiro, e sua cabeça vale muito a essa altura para eu deixá-la partir assim, sem mais nem menos.

Sorri de forma torta diante de suas palavras. Não queria continuar ouvindo aquela voz feia e aguda, mas precisava só de mais alguns passos para alcançar meu objetivo final.

Quando enfim encostei minhas costas na caçamba, levei uma das minhas mãos da forma mais discreta possível apenas para apalpar um saco de lixo — mesmo sentindo nojo do que poderia ter ali — e ri ao tocar em algo ainda mais interessante, que, com certeza, poderia ser usado por mim. 

O atirador me olhou como se fosse uma louca por um mero segundo, e eu decidi abrir o jogo, uma vez que ele estava bem perto de terminar.

Já era hora de acabar com o meu teatrinho.

— Sabia que detesto homens que menosprezam mulheres sem saber direito seu lugar? — falei, e ele apenas ergueu as sobrancelhas, confuso. — Você se enquadra direitinho nesse caso. Um porco que quer voltar a viver uma vida de luxo como bicho de estimação da sociedade, mesmo tendo que matar para isso. Nojento, não é? Se vai acabar com uma vida, que seja por um motivo mais justo.

— Olha só quem fala — ele retrucou —, a filha de um homem louco coberto de sangue de inocentes.

— Pois é, para você ver minha hipocrisia. Mas eu posso, já você… — Fiz uma pausa, balançando minha cabeça e apertando minha mão direita em volta do objeto que havia encontrado no saco de lixo. — Bem, esse questionamento fica para você pensar em outra vida, se houver uma para você, é claro.

— O que…

Não deixei que ele terminasse de falar, puxei o objeto de dentro da caçamba — que era um caco afiado de vidro — e lancei em direção aos olhos do meu agressor. Por ter uma pontaria ao qual me orgulhava, nem esperei para ver se o objeto tinha acertado seus olhos. Apenas gemi com a dor que senti com o corte ocasionado pelo vidro em meus dedos e com a ardência que vinha do ferimento em meu braço esquerdo, que voltou a doer com toda a força que usei na mão oposta para executar meu plano.

Mas ainda não tinha acabado, pelo contrário, aquilo era só o começo. Por isso, cambaleei até o atirador, e me preparei para dar o fim merecido àquilo tudo. Nesse momento, quando a adrenalina no meu corpo estava no auge, percebi então que ele me xingava enquanto gemia de dor. O fuzil jazia no chão, me indicando ser hora perfeita para chutá-lo para longe ou aproveitar a chance e pegá-lo para mim. Com certeza fiz a segunda opção.

— Parece que nossos papéis se inverteram — cantarolei, apontando a arma em sua direção. Ele virou o rosto coberto de sangue para mim, e eu senti uma excitação me envolver por finalmente vê-lo em seu devido lugar.

— Sua desgraçada! — gritou, e tentou vir para cima de mim, mas eu apenas desviei, atirando com o fuzil em sua perna esquerda. Uma dor atingiu meu braço ferido, entretanto não deixei de sorrir de satisfação.

— Agora estamos quase quites. — Ri, debochada. — Uma perna por um braço. Nada mau, não é?

Ele não disse nada, apenas tentou conter um grito de dor quando me aproximei e pisei em sua ferida. Aquilo era uma ótima forma de apagar o fato de ter me submetido a um teatrinho de merda somente para seu bel-prazer e umas migalhas de informações.

— Por que não me mata logo, vadia?

— Não se preocupe, farei isso agora — disse, com um sorriso diabólico brilhando em meu rosto. — Mas antes quero te perguntar: quem é a gracinha agora?

Ele não respondeu, me deixando cansada da brincadeira. Arrumei o fuzil em meus braços, apontei para sua cabeça e murmurei um "te vejo no inferno" da forma mais doce que consegui. No entanto, não tive tempo de atirar. Antes que pudesse finalizar meu inimigo, senti meu braço direito sendo puxado para trás.

Com um olhar que queimava a ódio, me virei para a pessoa que me segurava. Me surpreendi ao ver que era Lopes quem havia acabado de chegar ali — meu braço direito e o único com quem pude contar depois que cheguei no Brasil após os seis anos fora.

— Que caralhos pensa que está fazendo? — gritei, indignada com sua interrupção.

Ele não disse nada, apenas sorriu. Um sorriso torto que me alcançou como um soco no estômago. Eu soube o que ele pretendia sem precisar ouvir sua voz em meio a todas as conversas paralelas dos outros capangas que ele havia trazido consigo. Naquele momento, com tantas pessoas em um lugar só, já era óbvio que toda aquela situação despertaria mais atenção do que qualquer um de nós gostaríamos de aceitar, se já não tivesse.

— Temos que sair daqui, Laura. Não adianta querer acabar com ele e sofrermos com um testemunho de qualquer pessoa que nos veja aqui — Lopes disse, me deixando irritada, apesar de saber que ele estava certo.

Em um sobressalto, soltei meu braço de seu aperto e novamente arrumei minha postura e o fuzil em minhas mãos. Dessa forma, atirei várias vezes na direção dos pulmões do homem abaixo de mim, ouvindo com prazer o grito estrondoso de dor que saiu de sua garganta. Após esse meu pequeno deleite, me virei e sorri para Lopes; um sorriso frio e ameaçador.

— Não se meta nos meus negócios.

Lopes ficou em silêncio, e eu apenas joguei a arma de fogo nos braços do capanga que imaginei ser aquele que havia me deixando sozinha no beco apenas para chamar reforços — que não era tão ruim assim — e o ordenei a dar um fim mais rápido ao atirador e cuidar do corpo frio de seu companheiro esquecido no chão. Ele apenas assentiu, me vendo ir pegar meus sapatos bejes que estavam a alguns metros de distância de mim, saindo dali com a minha cabeça erguida e toda a arrogância que aprendi a ter para sobreviver.

Não sabia exatamente o que estava acontecendo no morro da Rocinha, o que havia acontecido com meu pai e quem era o responsável pelo dinheiro que estava sendo oferecido pela minha cabeça, no entanto, fosse quem fosse, eu iria fazer uma visitinha íntima assim que me recuperasse por completo.

E ele com certeza não iria gostar.

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