Minha Doce E Perigosa Inimiga
Minha Doce E Perigosa Inimiga
Por: Jaya Pereira
Capítulo 1

Laura

A primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.

Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.

Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.

— Mas que…

Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um rápido movimento, tentei checar se havia mais perdas do meu lado. Por alguma razão, o outro homem que eu havia trazido comigo, desaparecera. Ele não estava no beco, o que me fez perguntar se eu havia sido traída ou ele apenas tentara proteger sua vida acima da de sua chefe. Na verdade, não importava qual motivo fosse; se eu sobrevivesse àquilo tudo, eu com certeza o encontraria e ele iria sentir toda minha fúria.

Soltei um pequeno gemido de dor, notando que o sangramento em meu braço esquerdo era maior do que gostaria de acreditar. Eu não tinha muito tempo, se esperasse mais alguns minutos poderia acabar tendo alguma hemorragia, e com certeza isso não era algo que eu queria. Entretanto, o que fazer quando não se tem a visão do inimigo?

A resposta não era tão difícil, mas fazê-la não era, nem de longe, algo que eu gostava.

Suspirando e sem escolhas, tirei meus sapatos com rapidez, deixando-os em uma direção oposta a minha, e me escondi atrás de uma caçamba de lixo, esperando que o atirador viesse me procurar, reunindo a pouca paciência que me restava para não jogar minha última alternativa fora — uma vez que estava ferida e sem meios de me comunicar com qualquer outra pessoa.

Desta forma, aguardei o que pareceu ser horas, fazendo com que nesse curto período um pensamento me ocorresse: o que pensaria meu "amado" pai ao me ver ali, a futura dona e rainha do morro, sendo pressionada por um mero atirador da Rocinha?

Ele provavelmente não iria gostar. Nem ele, nem minha falecida mãe. Nem eu mesma gostava. Como a única herdeira de um império criado com sangue, ser forte e lidar com situações como essa deveria ser a coisa mais fácil para mim, afinal não era eu que havia passado os últimos seis anos no exterior para me tornar alguém digna de meu nome?

Todo o suor que derramei não poderia ter sido em vão. Se fosse, eu não poderia ser chamada de Laura Martins de Almeida. Não poderia ser quem eu nasci para ser. E isso era, naquele momento para mim, a pior coisa no mundo.

Por causa desse pequeno instante de devaneio e distração, não vi quando o atirador entrou no beco, quando notou meu sapato de salto destacando-se em meio a cena deprimente ao nosso redor e, por fim, quando soltou uma risada de escárnio, anunciando que minha hipotética posição já era de seu conhecimento.

Só fui notar sua presença quando um terceiro disparo soou na direção do lugar que joguei de forma intencional meus sapatos de salto. Aquele era o aviso, o sinal que eu precisava para começar a agir e enfim fazer meu nome valer a pena, mostrando tudo que aprendi e que estava disposta a fazer para acabar com aquela situação.

Sem cerimônias, peguei uma faca afiada que guardava em um coldre na lateral da minha panturrilha e me esgueirei até chegar por trás do atirador. Ele não me viu, e, se viu, fez questão de não demonstrar. Quando a posicionei nas costelas do meu agressor e ele riu de forma irônica, imaginei que talvez estivesse cometendo um erro, mas não era isso. Ele apenas estava debochando da minha suposta incapacidade de machucá-lo com uma arma tecnicamente qualquer.

— Uma patricinha mimada com arma de cozinha, é isso que vejo aqui? — disse ele, rindo como se eu não demonstrasse firmeza na mão que segurava a faca rente ao seu corpo.

Eu apenas ergui uma sobrancelha, agora curiosa sobre o motivo dele me chamar assim. No entanto, não o respondi, apenas decidi afrouxar o aperto contra sua costela e fingir que realmente tremia. Era uma encenação para descobrir o que caralhos aquele homem queria dizer com tudo aquilo, semelhante a tantas outras que eu já havia feito durante muitos dos meus anos de vida.

— Está com medo, não está? Da mesma forma que estava curiosa para poder sentar no trono que seu pai construiu com os ossos e suor de muitas pessoas que viveram e morreram aqui no morro — ele disse, e tentou se virar para mim. Nesse momento, percebi que a imagem que as pessoas tinham de mim no morro não condizia com a realidade, ou, pelo menos, era tão distante quanto.

E isso soava uma ótima oportunidade para ser usada por mim.

— Eu não… — Não consegui terminar de falar, pois uma forte cotovelada atingiu meu estômago bem antes que pudesse entender que eu havia cometido um erro. Eu havia abaixado minha guarda, e o atirador era mais esperto do que aparentava. Uma combinação que só serviu para me desorientar.

— Você é uma mulher tão bonita. É mesmo uma pena que deva morrer aqui para que eu possa pegar o dinheiro que vale sua cabeça e assim conseguir voltar mais uma vez para a Zona Sul do Rio — ele revelou, me causando novo. Ergui meus olhos para ele, tentada a lhe gritar verdades bem amargas e cruéis sobre sua vinda inútil até ali.

— Você não terá esse prazer — apenas murmurei, recuperando o fôlego perdido com o golpe. Minha faca havia caído longe e agora eu estava na mira de um fuzil carregado. Não parecia haver escapatória. Se não pensasse em algo, logo meus miolos estariam estourados pelo chão em uma cena que ninguém gostaria de ver.

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