Milena Vargas
Tinha acabado de sair de uma loja com meu primeiro emprego no Rio garantido, era uma vida totalmente nova que estava levando aqui e justamente no segundo dia que chegamos já estava de carteira assinada. Precisava pegar um único ônibus que me deixava perto do Complexo da Maré onde atualmente morava com minha irmã, Mirela.
Foi difícil sair do interior de Maceió para tentar uma vida nova aqui, nossos pais foram contra e queriam nossa permanência lá na cidade junto de todo restante da família. Eu bati o pé porque queria ter uma vida boa e lá eu sabia que não conseguiria ter, Mirela me apoiou nesse sonho e por isso a trouxe comigo, fora outros motivos. O trabalho foi dobrado como garçonete e atendente de padaria para poder pagar nossa viagem e moradia para uns meses.
[...]
Fazia uma semana que estávamos morando na Maré, não por escolha minha e sim, de Mirela que disse ser barato e que não teria riscos para nós duas. Eu confiava na minha gêmea e por isso não me opus. Consegui um trabalho de vendedora em uma loja do shopping que era próximo dali se fosse vir com algum meio de transporte, eles me deram vale-transporte e a dona gostou de mim, o que facilitou a conseguir a vaga. Já Mirela disse que conseguiu um emprego em uma lanchonete no morro, até que pagariam bem e eu trabalhava todos os dias, os que tinha folga ia dormir até tarde e cuidar da casa. Não dava de ver minha irmã durante a semana e estava ansiosa para os domingos, onde passaria o final de tarde e o restante da noite com ela.
[...]
Já era sábado e eu fui atender uma cliente que chegou quase na hora do meu horário de almoço.
— Olá, bom dia — a cumprimentei com um aceno de cabeça — Tudo bem? Precisa de ajuda? — ofereço solicita e ela abre um enorme sorriso.
— Oi, tudo ótimo, vou aceitar sua ajuda — Foi simpática já que eram poucas que preferiam ajuda de alguma vendedora — Eu acho que já te vi por onde eu moro, é bem familiar... — disse com um sorriso de canto e eu nego.
— Eu trabalho aqui sempre, mal tô em casa e nem conheço muito o morro — ela da um gritinho rindo.
— Falei que era você, é na Maré né? — confirmo — Te vi esses dias falando com o LC e a Ingrid — franzo o cenho porque não conheço essas pessoas que ta falando.
— Realmente não era eu, não conheço ninguém com esse nome — sou sincera e ela faz um gesto com a mão.
— Não precisa ter vergonha até eu já fiz parte daquilo, mas agora não faço mais... Sabe, eu namoro e tô tranquila agora. — não entendo nada e por isso sorriso amarelo para ela — Tá falando sério que não era você? — assinto séria — Então você deve ter uma gêmea muito idêntica — é debochada.
A Mirela e eu não somos gêmeas idênticas, mas somos parecidas em alguns aspectos como cabelos, nariz e boca. Já nossa pele é bem diferente, ela sempre foi mais morena que eu, nasci branca como a neve e não posso pegar qualquer sol que fico vermelha como um pimentão. No nordeste vivia sofrendo quando precisava sair no sol quente sem um protetor solar bom, agora aqui, pelo menos isso eu tenho e não preciso sair na rua com o calor que faz durante o dia.
— Na verdade eu tenho uma gêmea, só não somos tão parecidas assim, mas dá pra confundir se tiver longe — ela acha graça.
— Aí menina, vou ter que agilizar minha compras aqui, que as garotas da SexyGirl estão esperando no salão — diz mudando o rumo da conversa e dou graças a Deus — Você pode escolher os melhores vestidos e os mais sensuais para mim, quero tamanho P e M — confirmo rapidamente.
— Quantos e quais cores tem preferência? — ela da de ombros se sentando no sofá no meio da loja.
— Todos que tiver e se puder, somente o básico como preto, branco e vermelho. Tudo que for ousado, pode escolher ao seu critério menina. — assinfo e vou atrás de tudo que ela pede.
Perco as contas de quantos vestidos escolho e fico até meio perdida com a variedade que tem em cima do balcão do caixa onde Mariene passa roupa por roupa guardando dentro das sacolas da loja.
A mulher que não perguntei o nome permanece no celular até eu informar que peguei o máximo que consegui e então, desliga o aparelho se levantando.
— Sabe menina, eu e você devemos ter uma idade parecida... Aliás, você é bem mais bonita do que eu e se fosse bem cuidada melhoraria mais — um sorriso ajeitando a bolsa que carrega e me sinto desconfortável com seu olhar em mim — Ao lado daqueles dois você não tem muito futuro, é até perigoso quando Ingrid cismar na relação que tem com o LC — ela insiste nesse assunto que não faço ideia de onde tira. Eu não conheço essas pessoas que cita. — Se um dia quiser trabalhar para mim esse é meu número — estende um cartão que eu pego com os dedos trêmulos — No nosso local ainda vai poder ver ele já que é um dos nossos clientes frequentes — fico sem reação e ela pisca um olho — Se cuida menina e qualquer coisa me procura. — se encaminha até o caixa onde Mariana nos observa sem entender o que aconteceu.
Fico aperreada pela insistência dessa mulher comigo sendo que não faço ideia de quem seja essas pessoas que falou. A imagem de Mirela vem a minha mente me deixando preocupada em ela estar se metendo com essa gente que aparentemente são perigosas no morro.
Suspiro seguindo com meu serviço de arrumar as roupas que tirei das araras e assim continuo o meu dia ainda lembrando do que essa mulher disse.
[...]
O ônibus para na parada mais próxima da entrada da favela possível já passando das sete horas da noite, nesse horário minha gêmea nem em casa está. Mirela conseguiu um emprego num restaurante do morro, das dezoito horas às duas da manhã pelo o que disse. Então, quando saio as seis da manhã de casa ela ainda está dormindo pela noite agitada e mal temos conversado nesses dias que comecei a trabalhar.
Subindo a rua em direção a barreira onde os traficantes dão o aval para cada morador subir para suas casas vejo as mesmas pessoas de todos os dias, sempre é assim desde de quando cheguei no primeiro dia. Mexem comigo com piadas baratas, tentam puxar assunto que corto sem muito interesse e sigo meu caminho. Assim que passo sendo liberada para continuar subindo escuto as risadas que já estou me acostumando e um deles diz que "sou difícil porque quero fazer charme", não olho para saber de quem se trata e de cabeça erguida subo a rua estreita. Uma moto desce em alta velocidade e parece que o silêncio reina quando ela para. Curiosa para saber o que aconteceu para os idiotas pararem com as gracinhas, me deparo com um homem descendo da moto discutindo com algum dos caras e cheio de raiva aponta pra mim. Fico com medo do que rola na conversa e até mesmo o problema que isso pode dar nas leis da favela, então corro morro acima indo direto para casa.
Não tive tempo de conhecer ninguém aqui e também tô me sentindo meio deslocada por não ser daqui. Até mesmo no meu emprego, as pessoas tendem a nos olhar estranho quando percebem meu sotaque nordestino e eu evito o máximo puxar ele, por conta dos olhares tortos recebidos. Enfim, entro em casa sabendo que vou ter umas horas de descanso até um novo dia e me jogo direto no sofá simples no centro da sala sem reparar muito em como está a organização da casa.
Mirela essas horas está trabalhando, nosso horário não b**e e quase nunca nos vemos pela correria, mas sei que vamos nos estabelecer para ter uma vida boa aqui.
Meu sonho é abrir um salão de beleza depois de fazer cursos e guardar um dinheiro para ter meu negócio daqui um tempo. Mainha diz que vou querer ir embora e não consigo realizar esse meu sonho, mas não vou desistir que ela não me fez filha fraca. Minha gêmea diz que o que der dinheiro ela trabalha, por isso seja o que Deus quiser e não procura estudar, nunca foi disso.
Somos diferentes em vários aspectos, enquanto eu me dedicava na escola e sempre trabalhava para ter minhas coisas, Mirela saia para tudo que era canto com suas amigas que foram uma a uma se perdendo na cidade, era embuchando, indo para as drogas e até mesmo se ajuntando com bandido. Mainha tinha medo que ela seguisse um desses caminhos, por isso eu quis me dedicar bastante para trazer ela comigo e como boa irmã que era para mim, tudo foi pesquisado por ela para virmos para cá. Me sentia bem sabendo que aqui já tava empregada com uma semana de chegada nesse lugar.
Comecei a reparar na casa inteira e me deparei com tudo revirado, uma tremenda bagunça que ela fez e deixou por arrumar.
A mais ela ia me escutar quando chegasse. Ah se ia!
A pulso fui tirando as roupas do chão e até me assustei com uma camiseta masculina junto com as calcinhas dela no chão, sentia um cheiro ruim no ar que me deixou enjoada, mas não ia deixar essa casa desse jeito. Limpei tudo, organizei a sala, a cozinha que tinha louça toda suja e o meu quarto que não era para estar no estado que estava. Com roupas fora do guarda roupa, maquiagens mexidas na penteadeira e até meu pote com bijuterias tinha sido jogado na cama espalhando tudo deixando caído no chão.
Aperriada com toda bagunça fiquei sentada na minha cama até criar coragem de ir tomar um banho quente para depois fazer algo para jantar.
Nem que eu esperasse morta de sono Mirela chegar, mas eu ia falar com ela sobre essa bagunça na casa e se tinha algum envolvimento com esse tal de LC que a mulher no shopping me confundiu.
LC (Leandro Caio)Pørra. A Ingrid era totalmente loucona de achar normal eu querer comer outras mina mesmo casado com elas. Tinha batido o pé que podia continuar comigo se tivéssemos um acordo, que mina doida que fui arrumar?Tá ligado que bandido é bicho solto, né não? Não sou diferente de qualquer outro, mas nois tem um tempo que quer um carinho e um bagulho de romance pô. Foi numa dessas que casei com essa doidona. Ingrid era a mina mais gostosa do baile e eu tava com os menor da resenha, foi coisa de aposta quando colocaram cinco mil pra quem conquistasse a filha rebelde do pastor. Não deu outra, os cara foram pra cima e eu só curtindo de canto vendo como ela recusava cada um deles. Meu ego ficou gigante quando a vagaba subiu pro camarote com o meu melhor amigo, o Marreta. Já acostumado a dividir as marmitas comigo, e chegou logo me oferecendo ela, que não negou a proposta, mas papo era de conquista então neguei a püta. Falei na cara dela que só queria o bagulho entre nós dois,
LC (Leandro Caio) Eu sabia que essa pørra que a a Ingrid inventou não ia dar certo. Fazia umas horas que tinha chegado moradora nova e a primeira coisa que Ingrid fez foi ir conversar com a mina, o interesse dela foi enorme quando viu o espetáculo que Mirela é. Não deu outra e me apresentou no barzinho do Joca em um dia comum. A mina era uma perdição, gostøsa e muito simpática, nossa troca de olhares foi intensa desde o primeiro contato. Ingrid nos deixou sozinho ali e todo mundo já sabia que eu a traia, mas não comentavam nada tão na cara por mais que eu não me importasse com a fama de cornä dela, que só aumentava. Peguei um baldinho de cerveja e alguns petiscos para nos entreter durante a noite. O movimento do bar aumentava assim como nossa intenção, sentado do lado dela já tinha apertado sua coxa e subido a mão até sua calcinha aproveitando que estava vestindo uma mini saia. Comecei a reparar que ela não parecia nem um pouco desconfortável com a ideia de ficar com um homem cas
Leandro (LC) Quatro anos depois... Pørra! Finalmente estava saindo desse inferno que é o presídio. Não via a hora de retornar para casa e voltar na atividade. Com certeza quem tinha me colocado lá dentro ia pagar por isso, não ia deixar barato assim. Esses anos foi me servindo de aprendizado, cada vez que meu advogado entrava pra falar comigo era um pedido negado que recebia para diminuir minha pena ou aceitarem uma prisão domiciliar, já que meus crimes foram somente o tráfico. Algum filho da püta tava de traição no morro para isso acontecer, tinha acabado de sair deixar Mirela em casa no final da noite quando a invasão começou. Aquele dia estava com meu carro descendo o morro para ir até uma pizzaria, do nada bati de frente com uma viatura e os fogos estouraram. Não tinha o que fazer, ou me entregava, ou morria. Preferi seguir intacto, mas para meu azar tava com maconha no carro, não era muito, só que bastou para ir preso no artigo 33. Naquela noite ainda na delegacia com meu
Milena Fernandes Eu estava me sentindo realizada nesses quatro anos morando aqui no Rio, não tinha amizades e evitava sair para evitar os olhares tortos que eu recebia sem motivo algum, mas me sentia feliz. Estudei muito para poder abrir meu salão de beleza, já tinha até em mente um ponto que eu queria comprar na favela mesmo. Ouvindo sempre minha irmã dizer que as "monas" iam muito se arrumarem em salão porque na comunidade tinha os "bofes do tráfico" que bancavam elas, isso me encorajou a abrir meu espaço aqui no morro mesmo sendo só eu para fazer atendimentos. Então, a ideia já tava fixa na minha mente que eu abriria meu lugarzinho no morro e o dinheiro que tinha ia ser uma parte desse meu sonho. Guardei 20 mil reias trabalhando direto, sem folgar muito e fazendo muitas horas extras como vendedora aqui no shopping. O meu trabalho era tranquilo com a equipe toda, mas os atendimentos começaram a cair drasticamente depois de um tempo e uma boa parte dos funcionários foram demiti
Mirela Fernandes Nada na minha vida foi fácil e eu sabia o tanto que me julgavam, mas ninguém esteve na minha pele em todos os momentos horríveis que passei. Aos quatorze anos quando era apenas uma adolescente que buscava estudar mais e mais para fazer cursinhos sofri meu primeiro abuso. Na época Milena estava estudando muito e conseguiu seu primeiro emprego, nunca tivemos exigência dos nossos pais para trabalhar ou estudar, só queriam nos manter por lá ao lado deles. Quando mainha começou a trabalhar fora e Milena também saia no mesmo horário, sobrava os afazeres da casa para mim fazer e eu sempre mantinha tudo em ordem, painho trabalha próximo de casa então vivia indo ver como estava tudo. Até que num desses dias eu estava saindo do banho enrolada na toalha depois de ter dado uma bela faxina na casa e quase morri do coração ao ver painho parado na porta do meu quarto me encarando. [...] Passado... Não aguentava mais limpar toda a casa. Tinha passado pano depois de esfregar
LC (Leandro Caio) Reunido com os caras no bar do Joca a resenha rolava solto final de tarde. Precisava ir ver a Ingrid, mas tava afim de me estressar agora não, o surto dela já deveria estar pronto com o tanto de mensagem e ligação que me fez. Só mandei o segurança da nossa casa não deixar ela sair até que eu chegasse e era isso que ia ser feito. Não impediria de que falar pra caralhø quando me visse, mas eu tava pouco me fodendo pra falação dela e queria mermo era uma buceta nova pra me tirar da seca de dias que estava desde a última visita dela e de Mirela. Falar nessa filha da püta já me subia o ódio, era do caralho o que tava fazendo com sua vida virando uma viciada em pó. Mandei o Foguinho ficar de olho nela pra não sair, e qualquer coisa me acionar, e pelo visto tava suave que ele nem me procurou. Oz e Marreta se juntaram a nós na mesa do bar, cada um era acompanhado de uma mulher. Oz estava com Juliana, sua fiel de anos, e Marreta tinha arrumado uma loira gostosa pra brinca
Milena Fernandes O morro está silencioso e é estranho para mim ver tudo assim parado, tem um único bar aberto no caminho que faço sem ninguém dentro. Deve ser pela invasão que teve mais cedo, da última vez que entraram aqui lembro que levaram alguém de cargo alto preso e não teve esse silêncio todo, penso que pode ter tido alguma morte importante para os traficantes para estarem assim. Ainda na metade do caminho vejo um lampejo de fogo alto e de repente gritos começam a serem ouvidos avisando que é realmente um incêndio, alguma casa acabou pegando fogo no meio da noite. Continuo caminhando e passam algumas motos por mim com homens armados em cima delas, sinto arrepios no meu corpo tendo um pressentimento ruim. Paro um pouco tentando entender o que está acontecendo quando duas garotas vem na minha direção. — Falaram que ele jogou o corpo dela lá em baixo, tá irreconhecível — uma loira diz para a amiga atraindo minha atenção. — Vamos lá ver antes que levem pra enterrar lá em cima
Milena Fernandes Uma semana depois... É a vida não te dava escolhas fáceis. Fui descobrir agora, nesse exato momento em que enviava o corpo de Mirela para Maceió onde meus pais receberiam o cadáver de uma das filhas. Não sabia como estava conseguindo enfrentar tudo isso, talvez tivesse sido o apoio que estou recebendo de Melissa. Ela me deixou ficar em sua casa, comprou roupas e sapatos para meu uso, até mesmo itens de higiene pessoal tinha comprado. Eu era grata por o que estava fazendo, mas hoje mudaria isso de algum jeito. Falar com meus pais não foi fácil, doeu mais do que imaginei olhar nos olhos de minha mãe por uma simples chamada de vídeo e cantar que minha irmã havia sido morta. Eles não conseguiram aceitar minha decisão de ficar aqui e eu não quis falar que fui roubada, achariam que a polícia resolveria o caso e sabemos que não. Consegui enrolar por uma semana, até poder mandar o corpo dela com meu próprio dinheiro. Dona Patrícia me pagou até a mais quando contei o q