Amira Garcia
O cheiro forte do campo me trazia um pouco de tranquilidade, mas só eu sabia o quanto estava sendo difícil. Meus olhos permaneciam fechados, aquela era a minha despedida, eu já não poderia viver na minha cidade do interior, todas as lembranças não me deixariam seguir em frente.
— Essa falsa paz não me fará esquecer aquela tragédia. — murmurei, olhando em direção onde ficava minha casa, antes de ter pegado fogo acidentalmente e tirado tudo de mim.
Três semanas haviam se passado desde que tudo aconteceu, eu estava sendo abrigada por um dos amigos do meu pai, todos na cidade estavam com pena da pobre órfã que perdeu tudo. Já não tinha lágrimas para chorar sobre os túmulos dos meus amados pais.
No dia do incêndio, eu não estava em casa, fora fazer as compras da semana. Peguei a caminhonete do papai e falei que voltaria logo, no entanto, acabei me atrasando um pouco mais do que pensei. Sem saber a razão estava sentindo um mal-estar repentino, enquanto voltava para casa, quanto mais me aproximava o suor frio escorria pelas minhas costas.
Meu coração disparou assim que passei pela porteira, vi enormes chamas na minha casa, e algumas pessoas estavam tentando apagar o fogo, eu saí correndo do carro em direção a minha casinha.
— Alguém viu meus pais? Me respondam! — gritei, caindo ajoelhada sobre a grama.
— Sinto muito querida, não conseguimos tirá-los lá de dentro. — a senhora Marta disse tentando me levantar do chão.
Não poderia ser verdade tudo que estava acontecendo, sem pensar direito levantei do chão, e corri em direção ao fogo, talvez eu pudesse ainda salvá-los, não queria perder as minhas esperanças, porém ao me aproximar da porta totalmente destruída, comecei a tossir forte devido à fumaça.
— Saiam daí por favor, não me deixem sozinha! — estava fora de mim, adentrei a casa em chamas, meus pais estavam lá dentro, mas fiquei parada muito tempo no mesmo lugar, e um pedaço de madeira caiu nas minhas costas me fazendo perder a consciência.
Quando acordei estava no hospital local e com fortes dores nas costas, mas nada se comparava com a dor dentro de mim, meus pais não poderiam estar mortos.
— Me diga que meus pais estão bem! — exige respostas para enfermeira que estava no meu leito.
— Senhorita Garcia, lamento, mas nada pode ser feito para salvá-los. — pensei comigo mesma que aquela mulher estava enganada, meus pais eram fortes, poderiam estar mal, mas mortos? Não, claro que não!
Arranquei o soro do meu braço e levantei da cama, nada importava, minha dor física não significava nada.
— Vou encontrá-los, provarei a você que estão bem! — afirmei, enquanto chorava bastante.
Quando olhei para a janela vi meu reflexo no vidro e gritei apavorada, meus cabelos estavam desgrenhados e boa parte deles queimados, meus cabelos não estavam mais com sua cor natural, eles eram castanhos claros, e estavam totalmente negros, quando toquei uma das mechas fedia a queimado.
Levantei o vestido hospitalar e puxei as talas que cobriam meu abdômen e seios, e voltei a olhar meu reflexo pelo vidro.
— Se acalme, não faça isso, chamarei o médico. — a enfermeira disse saindo correndo, e eu estava torcendo para acordar daquele terrível pesadelo.
Minhas costas pareciam velas derretidas, foi horrível demais presenciar aquela cena.
O velório dos meus pais foi dois dias depois da minha entrada ao hospital, somente poucos amigos foram, eu não era a mais querida daquela cidade, quando você não segue um padrão te excluem de tudo, e eu era excluída.
A vida de Amira Garcia repleta de dor, não queria ser aquela garota de vinte anos, sozinha e sem família, meus pais nunca falaram do resto da nossa família, e eu nunca tive interesse em saber, se eles escondiam isso de mim, tinham seus motivos.
Depois de uma semana comecei a me conformar com minha nova realidade, ficaria marcada para sempre pela tragédia. Fiz uma promessa de ser forte e cuidar de mim, estava decidida a vender o que me restou, o nosso sítio onde aquele acidente aconteceu, sabendo que não seria fácil esquecer.
Assinei os papéis com dor no coração, mas precisava do dinheiro para recomeçar longe do interior, eu nunca havia pensado em sair da minha cidadezinha, porém era inevitável, ficar significava sofrer ainda mais com as lembranças.
Foi difícil convencer os médicos a me deixarem ir, eu ainda precisava de muitos cuidados, mas finalmente três semanas depois consegui convencê-los, e a cicatriz mais profunda, com certeza, seria a da alma, a cicatriz que ficará nas minhas costas era o de menos.
Me despedi do passado e agradeci a família que me acolheu com carinho, quando cheguei na rodoviária escolhi meu destino, uma nova vida estava prestes a começar, fosse como fosse eu ainda carregava o sobrenome Garcia, e honraria meus pais, eles teriam orgulho de mim de onde estivessem.
Quando cheguei a capital me sentia uma caipira, todas aquelas pessoas com suas roupas elegantes, e eu com meu jeans surrado e uma blusinha de um dos meus desenhos favoritos da televisão. Tudo que eu tinha, fora comprado em um brechó, precisava economizar ao máximo, estava com uma mochila preta nas costas e um vasinho de uma samambaia em mãos.
Aluguei um apartamento pequeno, por um preço razoável, e gradualmente fui comprando alguns móveis, ali seria meu novo lar. Eram quatro cômodos, sala, quarto, cozinha, e um banheiro bem pequeno. Não me importei muito com o mau-cheiro, havia um frigorífico de frango logo ao lado, talvez esse fosse mais um dos motivos do aluguel ser tão baixo.
As paredes eram em um tom amarelado, precisava de reformas urgentes, algumas partes do apartamento estavam danificadas, o chão era de madeira, e estava bem manchado, quem havia morado naquele lugar não cuidou nenhum pouco.
Dois meses depois da minha chegada estava finalmente trabalhando, nunca tive problema em pegar no pesado, meu emprego era de doméstica em uma casa de família, mas o que pensei que fosse minha solução, virou meu inferno.
— Você precisa desse emprego, então, por que não faz o que eu peço? — meu patrão estava me assediando, senti suas mãos tocar meus seios e me desesperei.
— Não me toque seu desgraçado! — peguei a panela de cima da pia e bati com toda força em sua cabeça.
Ele caiu no chão e minhas pernas ficaram bambas ao ver sangue escorrendo pela sua testa, eu saí correndo da cozinha e peguei minha bolsa e fui embora, por sorte não fui procurada e nem acusada de nada.
Não demorei muito tempo para conseguir outro emprego, e dessa vez o erro foi meu, acabei me interessando pelo filho dos patrões, não aceitaram nosso relacionamento.
— Nunca mais chegue perto do nosso filho, sua imunda pobretona!
Fui humilhada e arrastada para fora da casa a força, e o homem por quem estava apaixonada não fez nada, ficou apenas parado deixando sua família fazer o que bem-quisesse comigo.
Meu coração estava partido, mas eu não desistiria de ser feliz, minha vida não poderia ser apenas dor, não aceitaria minha má sorte, lutaria enquanto fosse viva, algo de bom ainda aconteceria e acreditando nisso que continuei, viesse o que fosse enfrentaria de cabeça erguida.
O despertador não parava de tocar, contudo, eu só queria dormir mais um pouco, porque no dia anterior caminhara bastante procurando trabalho. Quatro anos se passaram tão depressa, e minha tão desejada estabilidade financeira sempre estava mais distante. O emprego que havia passado mais tempo foi como caixa de um supermercado, durou seis meses, até eu ser expulsa mais uma vez devido ao meu jeito de agir impulsivamente, eu não poderia deixar ninguém abusar de mim como das outras vezes, precisei usar agressividade para me proteger. Meus traumas do passado não me deixavam nenhum momento, tinha noites que os pesadelos pareciam reais de mais, e eu não tinha ninguém parame consolar, me isolar das pessoas era o melhor que eu poderia fazer, assim evitaria me machucar. Tomei coragem e saí da cama, me alonguei antes de ir ao banheiro fazer minha h
Lorenzo RiveraQuando você tem tudo, ou, pelo menos, quase tudo, ser só mais um homem legal não faz diferença alguma, lá estava eu mais uma vez, sendo pressionado pelo meu pai, ele não era a melhor pessoa do mundo, e adorava se intrometer na minha vida.— Filho, assuma suas responsabilidades! — meu pai disse furioso socando a mesa, eu quase cuspi o café que estava tomando, foi um erro ter ido visitá-lo naquela manhã, estava arrependido, sabia como tudo acabaria e mesmo assim fui.— Não quero sua empresa! Por que não coloca a sua filha? Tudo que ela mais deseja é passar horas dentro daquele escritório. — ele sabia bem o quanto a empresa era importante para mi
Amira GarciaMeu destino era mesmo fodido, logo no primeiro dia de trabalho quebrara meu nariz. Não estava acreditando ainda na coincidência de ser justo o poste ambulante que trabalharia ao meu lado. Ele sentia repulsa de mim sem ao menos disfarçar.— Se você quer sobreviver nesse lugar, melhor não causar problemas! — olhei em direção a porta assustada. Quem era aquela mulher para falar comigo daquele jeito?— Sou uma vítima. Não está vendo? — resmunguei, franzendo o cenho.Sua gargalhada escandalosa quase me deixou surda. Cruzei meus braços encarando aquela mulher que se aproximava de mim, ela parou na minha frente, socando um uniforme no meu peito com brutalidade, me fazendo dar um passo para trás.
Lorenzo RiveraMinha casa era tão silenciosa que às vezes não suportava ficar sozinho, todavia, naquela noite só queria ficar no meu quarto. Olhei para o relógio na parede, era quase meia-noite. Eu estava estressado devido a uma mulher. Nunca tinha visto alguém como a Garcia antes. Uma mulher que falava sem pensar nas consequências, de certa forma, me deixou surpreendido porque apenas meu pai falava o que pensava de mim. Não pensei que estaria vivo para ver uma mulher como aquela falar sem medo o que pensava de mim. O que eu esperava? Esperava no mínimo educação, porém, ela deixou claro que não tinha.— Lorenzo, não pense mais nisso! — murmurei, sorrindo, enquanto recordava do quanto deixei a Garcia sem jeito. Por mais que ela tentasse desviar seu olhar, eu sabia muito bem pra onde estava
Amira GarciaUm pressentimento ruim estava me deixando triste, tentei não pensar ou querer entender o que poderia ser. Naquele dia cheguei um pouco mais cedo ao trabalho. Coloquei o uniforme e retornei para cozinha, para aguardar o babaca chegar. Infelizmente persentia que ele seria um problema e dos grandes pra mim.— Rivera chegou! — um garçom adentrou a cozinha gritando e todos ficaram em silêncio. Com um chefe como aquele conseguia entender a expressão de medo em seus rostos.Lorenzo entrou na cozinha indo diretamente para o trocador, não olhou para nenhum de nós. Minha convivência com ele seria bem difícil, um homem daquele amargo, não colocava medo à toa. Quando ele saiu feito trovão do trocador, em nossa direção, me assustei, algo não estava
Lorenzo RiveraMeu jantar do dia anterior com a minha irmã me fez refletir, Sarah tinha uma novidade, estava dedicando seu tempo as crianças abandonadas no orfanato, as histórias que ouvi me fizeram sair de lá envergonhado, senti vergonha porque sabia que não era diferente dos pais daquelas crianças. Um segredo escondido poderia mudar o jeito que minha irmã me enxergava, eu tinha uma filha que nunca quis ter, ela estava há alguns quilômetros de distância em um internato. Não lembrava do seu rosto, aquela criança era apenas uma bebê quando a deixei. O DNA foi feito duas vezes porque eu não queria aceitar aquele resultado. O que eu fiz? Chorei e entrei em desespero, estava me sentindo derrotado, porém, algo ainda poderia ser feito, pensando nisso paguei um bom advogado, e obtive a guarda def
Amira GarciaEu queria momentos menos dolorosos, mas as coisas estavam cada vez pior, três semanas trabalhando no restaurante e nada mudava, minhas brigas com Lorenzo estavam incomodando os outros funcionários. Petra mais conhecida como fifi, apelido carinhoso que coloquei, não tinha um dia que ela me deixasse em paz.— Não aguento mais, Flora. Por que sua mãe sofre tanto? — perguntei olhando para minha gata que estava lambendo sua patinha. Eu não estava exagerando, minhas costas doíam, meus pés estavam um pouco inchados, andava de um lado pro outro sem pausas no trabalho.Nunca fui de fazer corpo mole, no entanto, meu corpo implorava por descanso, tudo que estava fazendo não era coisa de uma simp
Lorenzo RiveraSibele brincava do meu lado, e eu não parava de pensar na besteira que fizera no restaurante mais cedo. Por que eu disse tudo aquilo? Queria entender porque palavras de conforto saíram da minha boca. O que ela estava fazendo comigo? Senti vontade de protegê-la, não hesitei em tocá-la, ver a Garcia daquele jeito me desesperou. Não queria machucá-la quando segurei firme seu braço, acabei me exaltando em excesso. Eu disse que tentaria mudar, falei coisas absurdas, foi loucura da minha parte, perdi a oportunidade dela ir embora da minha vida, praticamente implorei que ela ficasse.Precisava afastar meus pensamentos e esquecer o que tinha feito.— Filha, está gostando da escola? — pergun