O despertador não parava de tocar, contudo, eu só queria dormir mais um pouco, porque no dia anterior caminhara bastante procurando trabalho. Quatro anos se passaram tão depressa, e minha tão desejada estabilidade financeira sempre estava mais distante. O emprego que havia passado mais tempo foi como caixa de um supermercado, durou seis meses, até eu ser expulsa mais uma vez devido ao meu jeito de agir impulsivamente, eu não poderia deixar ninguém abusar de mim como das outras vezes, precisei usar agressividade para me proteger.
Meus traumas do passado não me deixavam nenhum momento, tinha noites que os pesadelos pareciam reais de mais, e eu não tinha ninguém para me consolar, me isolar das pessoas era o melhor que eu poderia fazer, assim evitaria me machucar.
Tomei coragem e saí da cama, me alonguei antes de ir ao banheiro fazer minha higiene pessoal, após sair cocei a cabeça enquanto soltei um bocejo gostoso levantando os braços para cima.
— Vamos ver o que tem para comer, Flora? — Flora era minha companheira, uma gatinha adulta de pelos brancos, ela estava se esfregando na minha perna, fiz um carinho nela e fui em direção a cozinha.
Peguei a ração da minha gata e coloquei em sua vasilha, depois caminhei até a geladeira abrindo ela com meu pé esquerdo, um mau hábito talvez. Fiz careta ao ver que meus mantimentos estavam se esgotando, eu comia bastante, meu metabolismo sempre foi generoso, e também não tinha muita coisa pra fazer em casa além de comer e assistir televisão.
Após esquentar meu leite, coloquei no prato e joguei cereal, daqueles coloridos de criança, era meu favorito, puxei a cadeira e sentei, comi tudo sem pressa alguma, teria vários nada o dia inteiro para mim fazer.
[...]
Já era final de tarde e eu estava largada na minha poltrona desgastada de cor marrom, fiquei assistindo um daqueles programas chatos porque não tinha dinheiro para pagar uma tv por assinatura. Flora estava deitada no meu colo quando o telefone começou a tocar.
— Mamãe já volta filha. — eu disse me levantando, fui até o quarto atender ao telefone, eu não tinha um celular, apenas o telefone fixo.
— Fala. — atendi puxando minha calcinha que estava atolada na bunda, tão irritante quando isso acontece.
— Senhorita Amira Garcia? — a voz masculina de tom rude me fez coçar o nariz, parecia que ele queria ter certeza que estava falando com a pessoa certa.
— Sou eu desde que vim ao Mundo. O que quer? — logo pensei que fosse mais um daqueles vendedores me oferecendo plano de saúde, como eram insistentes.
— É sobre sua entrevista no restaurante Sensação Palar. — dei um pulo de alegria, se haviam me ligado, significava que eu conseguira o emprego de garçonete.
— Estou contratada? — perguntei esperançosa enquanto mordia o lábio inferior.
— Queremos que faça um estágio, durante esse tempo receberá o salário no valor informado a senhorita, por favor venha amanhã às 09:00 am para assinar seu contrato.
— Vou sim, pode deixar! — respondi e comecei a comemorar, por um descuido meu o telefone caiu no chão, quando peguei de volta estava mudo, mas não importava mais, me sentia vitoriosa.
Só conseguia pensar que trabalharia em um restaurante de luxo como aquele, estava tudo fácil demais, mas a sorte finalmente estava ao meu lado, prometi que me controlaria ao máximo para ser contratada oficialmente.
Saí cantando pelo apartamento inteiro, a esperança de finalmente ter minha estabilidade financeira, e poder me mudar daquele bairro para outro, estava me sentindo muito feliz, mas cá entre nós, uma Garcia sem sorte não teria tudo tão fácil assim.
No dia seguinte fui no horário marcado, peguei dois ônibus até chegar ao restaurante, caminhei um pouco do ponto de ônibus até lá.
— Que sonho! — disse fechando meus olhos alguns segundos em frente ao restaurante.
Eu esperava estar apresentável, coloquei um vestido laranja de alcinhas com um casaquinho por cima de cor branca. Não gostava que encarassem minha cicatriz nas costas. Usei um sapato baixo, e tentei ao máximo dar um jeito no meu cabelo, mas não tinha nem me olhado no espelho antes de sair, porém, esperava que estivesse tudo ok.
Dei meu melhor sorriso e fui em direção a grande porta, tentei parecer o mais natural possível, mas sinceramente, eu estava caminhando toda desengonçada, minha tentativa de caminhar com elegância não deu muito certo.
— Tá cego seu merda!? — resmunguei fazendo careta, me perguntei que azar era aquele que me fez tropeçar em alguém, poxa sempre fui baixinha e aquele cara parecia um poste enorme comparado comigo, então coloquei a culpa toda nele claro!
Ele ignorou o que falei e começou a caminhar pela calçada, e eu como estava irritada fui atrás.
— Volta aqui! Seu poste ambulante! Me peça, desculpas! — ele continuava a me ignorar, meu sangue estava fervendo de fúria, então comecei a jogar praga nele, depois que cuspi no chão com raiva, retornei em direção ao restaurante.
Se todos os clientes fossem semelhantes aquele imbecil eu teria que virar uma santa, pensei comigo mesma. Respirei fundo e levantei a cabeça, se um dia eu fosse servi-lo me vingaria de algum jeito e estaríamos quites.
Quando entrei no restaurante bateu uma ansiedade grande, enquanto eu caminhava até a recepção parecia uma criança admirando aquele lugar enorme. Por onde passei tentei ser simpática, até cumprimentei a moça da recepção, mas ela não fez o mesmo, simplesmente pediu que a seguisse e me levou até o gerente que me aguardava. Aquele friozinho na barriga que estava sentindo era coisa nova pra mim, talvez fosse porque nunca havia trabalhado em um lugar como aquele.
— Sente-se. — ele disse, gesticulando com as mãos para que eu sentasse logo a sua frente, obedeci e sentei cruzando as pernas.
Aquele senhor de meia-idade estava sério demais, senti até vontade de sair correndo, mas precisava mudar aquele clima tenso.
— Bonita escrivaninha. — comentei na tentativa de quebrar a tensão. Que tipo de pessoa faz um comentário desses? Bem, eu claro!
— Obrigado! Esse é seu contrato, senhorita Garcia. — ele deslizou a folha pela escrivaninha, peguei começando a ler em seguida, me parecia uma ótima proposta, eu precisava de qualquer emprego que me desse um pouco de dinheiro.
— Por mim, está tudo certo. — falei pegando a caneta e assinando o contrato.
Trabalhar do meio-dia até às cinco da tarde estava perfeito, já conseguia me imaginar dormindo até tarde.
— Começará amanhã. — estendi minha mão para agradecê-lo e fiquei igual trouxa com ela no ar, aquele senhor não fez o mesmo, nem mesmo se apresentou para mim, só sabia seu nome porque estava escrito no seu uniforme.
— Certo! — me levantei e caminhei até a porta, ao passar pela porta meu vestido prendeu, fiquei xingando baixinho enquanto me esforçava para soltá-lo, ele só soltou depois que rasgou um pedaço, mas aquele imprevisto não tiraria minha felicidade.
[...]
Quando cheguei em casa tratei logo de contar as novidades para Flora.
— Filha, a mamãe vai ter bastante dinheiro para te comprar roupinhas. Vai sim, viu? Vai ficar tão linda! — apertei ela nos meus braços.
Comecei a chorar de alegria, minha situação financeira seria resolvida, alguma coisa de boa tinha finalmente chegado. Coloquei minha gata no chão e caminhei até o quarto.
— Jesus! — me assustei ao me olhar no espelho. — Eu estava assim quando saí?
Peguei a escova de cabelos que estava sobre a cômoda. Voltei para frente do espelho, quando comecei a usá-la senti dor porque parecia um ninho de passarinho do lado esquerdo dos meus cabelos, a escova travou no meu cabelo selvagem, quanto mais eu puxava para desmanchar o nó resmungava de dor.
— Agora sei porque o gerente não foi muito amigável, pareço uma mendiga. — apertei minhas bochechas e quase chorei, meu cabelo estava horrível, me dei um tapa na cara e procurei meu creme de cabelo.
Por falta de grana eu não cuidava muito da minha aparência, ter o suficiente para comer e alimentar Flora me satisfazia, ainda não sabia o porquê tinham me escolhido, havia bastante concorrência no dia que fui para entrevista, não pensava que era devido à minha beleza.
Não escondi meu histórico, no meu currículo estava todos os lugares que trabalhei, os motivos pelos quais fui demitida era facilmente descoberto com uma simples ligação, algo não estava certo, por que um restaurante como aquele escolheu logo alguém como eu? O medo de ter sido um engano começou passar pela minha cabeça, mas logo saberia de algum jeito o porquê haviam me escolhido.
Lorenzo RiveraQuando você tem tudo, ou, pelo menos, quase tudo, ser só mais um homem legal não faz diferença alguma, lá estava eu mais uma vez, sendo pressionado pelo meu pai, ele não era a melhor pessoa do mundo, e adorava se intrometer na minha vida.— Filho, assuma suas responsabilidades! — meu pai disse furioso socando a mesa, eu quase cuspi o café que estava tomando, foi um erro ter ido visitá-lo naquela manhã, estava arrependido, sabia como tudo acabaria e mesmo assim fui.— Não quero sua empresa! Por que não coloca a sua filha? Tudo que ela mais deseja é passar horas dentro daquele escritório. — ele sabia bem o quanto a empresa era importante para mi
Amira GarciaMeu destino era mesmo fodido, logo no primeiro dia de trabalho quebrara meu nariz. Não estava acreditando ainda na coincidência de ser justo o poste ambulante que trabalharia ao meu lado. Ele sentia repulsa de mim sem ao menos disfarçar.— Se você quer sobreviver nesse lugar, melhor não causar problemas! — olhei em direção a porta assustada. Quem era aquela mulher para falar comigo daquele jeito?— Sou uma vítima. Não está vendo? — resmunguei, franzendo o cenho.Sua gargalhada escandalosa quase me deixou surda. Cruzei meus braços encarando aquela mulher que se aproximava de mim, ela parou na minha frente, socando um uniforme no meu peito com brutalidade, me fazendo dar um passo para trás.
Lorenzo RiveraMinha casa era tão silenciosa que às vezes não suportava ficar sozinho, todavia, naquela noite só queria ficar no meu quarto. Olhei para o relógio na parede, era quase meia-noite. Eu estava estressado devido a uma mulher. Nunca tinha visto alguém como a Garcia antes. Uma mulher que falava sem pensar nas consequências, de certa forma, me deixou surpreendido porque apenas meu pai falava o que pensava de mim. Não pensei que estaria vivo para ver uma mulher como aquela falar sem medo o que pensava de mim. O que eu esperava? Esperava no mínimo educação, porém, ela deixou claro que não tinha.— Lorenzo, não pense mais nisso! — murmurei, sorrindo, enquanto recordava do quanto deixei a Garcia sem jeito. Por mais que ela tentasse desviar seu olhar, eu sabia muito bem pra onde estava
Amira GarciaUm pressentimento ruim estava me deixando triste, tentei não pensar ou querer entender o que poderia ser. Naquele dia cheguei um pouco mais cedo ao trabalho. Coloquei o uniforme e retornei para cozinha, para aguardar o babaca chegar. Infelizmente persentia que ele seria um problema e dos grandes pra mim.— Rivera chegou! — um garçom adentrou a cozinha gritando e todos ficaram em silêncio. Com um chefe como aquele conseguia entender a expressão de medo em seus rostos.Lorenzo entrou na cozinha indo diretamente para o trocador, não olhou para nenhum de nós. Minha convivência com ele seria bem difícil, um homem daquele amargo, não colocava medo à toa. Quando ele saiu feito trovão do trocador, em nossa direção, me assustei, algo não estava
Lorenzo RiveraMeu jantar do dia anterior com a minha irmã me fez refletir, Sarah tinha uma novidade, estava dedicando seu tempo as crianças abandonadas no orfanato, as histórias que ouvi me fizeram sair de lá envergonhado, senti vergonha porque sabia que não era diferente dos pais daquelas crianças. Um segredo escondido poderia mudar o jeito que minha irmã me enxergava, eu tinha uma filha que nunca quis ter, ela estava há alguns quilômetros de distância em um internato. Não lembrava do seu rosto, aquela criança era apenas uma bebê quando a deixei. O DNA foi feito duas vezes porque eu não queria aceitar aquele resultado. O que eu fiz? Chorei e entrei em desespero, estava me sentindo derrotado, porém, algo ainda poderia ser feito, pensando nisso paguei um bom advogado, e obtive a guarda def
Amira GarciaEu queria momentos menos dolorosos, mas as coisas estavam cada vez pior, três semanas trabalhando no restaurante e nada mudava, minhas brigas com Lorenzo estavam incomodando os outros funcionários. Petra mais conhecida como fifi, apelido carinhoso que coloquei, não tinha um dia que ela me deixasse em paz.— Não aguento mais, Flora. Por que sua mãe sofre tanto? — perguntei olhando para minha gata que estava lambendo sua patinha. Eu não estava exagerando, minhas costas doíam, meus pés estavam um pouco inchados, andava de um lado pro outro sem pausas no trabalho.Nunca fui de fazer corpo mole, no entanto, meu corpo implorava por descanso, tudo que estava fazendo não era coisa de uma simp
Lorenzo RiveraSibele brincava do meu lado, e eu não parava de pensar na besteira que fizera no restaurante mais cedo. Por que eu disse tudo aquilo? Queria entender porque palavras de conforto saíram da minha boca. O que ela estava fazendo comigo? Senti vontade de protegê-la, não hesitei em tocá-la, ver a Garcia daquele jeito me desesperou. Não queria machucá-la quando segurei firme seu braço, acabei me exaltando em excesso. Eu disse que tentaria mudar, falei coisas absurdas, foi loucura da minha parte, perdi a oportunidade dela ir embora da minha vida, praticamente implorei que ela ficasse.Precisava afastar meus pensamentos e esquecer o que tinha feito.— Filha, está gostando da escola? — pergun
Amira GarciaDe frente para o delegado, expliquei tudo exatamente como aconteceu, e chorei algumas vezes recordando. Por que aquelas coisas aconteciam comigo? Um castigo? Mais por quê? O delegado parecia estar me analisando, seus olhos semicerrados me causou desconforto. Ele estava duvidando de mim? Passei minha mão suada na minha roupa, esperando que ele dissesse alguma coisa.— Então, alguém quer assassinar a senhorita, e não o reconheceu? — sua pergunta me deixou mais nervosa. Enquanto ele estava confortável na sua poltrona de couro preto, passando uma das mãos em sua barba grisalha, eu queria que tudo fosse um pesadelo.— Como eu ia reconhecer, delegado? Ele estava mascarado! — afirmei, fechando minha