Capítulo 05

Amira Garcia 

 

Um pressentimento ruim estava me deixando triste, tentei não pensar ou querer entender o que poderia ser. Naquele dia cheguei um pouco mais cedo ao trabalho. Coloquei o uniforme e retornei para cozinha, para aguardar o babaca chegar. Infelizmente persentia que ele seria um problema e dos grandes pra mim.

 

— Rivera chegou! — um garçom adentrou a cozinha gritando e todos ficaram em silêncio. Com um chefe como aquele conseguia entender a expressão de medo em seus rostos.

 

Lorenzo entrou na cozinha indo diretamente para o trocador, não olhou para nenhum de nós. Minha convivência com ele seria bem difícil, um homem daquele amargo, não colocava medo à toa. Quando ele saiu feito trovão do trocador, em nossa direção, me assustei, algo não estava certo.

 

— Quem fez isso? — esbravejou, todos olharam em sua direção. Meu coração acelerou. Seu olhar frio me encarava, sem ao menos piscar os olhos. Engoli em seco, colocando em seguida uma das mãos na boca. Alguém tinha feito uma brincadeira de mal gosto com seu avental, fizeram um desenho de um diabo com grandes chifres.

 

— Não sabemos senhor! — um dos funcionários disse encarando o chão. Por que todos eram submissos a ele? Por quê? Ele era somente um homem carrancudo!

 

— Senhorita Garcia. Venha até aqui! — mordi o lábio inferior, enquanto me aproximava dele.

 

— Eu não fiz isso! — falei cruzando meus braços. Quem era ele para chamar minha atenção daquele jeito? Tudo bem que eu deveria obedecer suas ordens, entretanto, não aceitaria levar a culpa por algo que não fizera. Ele queria jogar a culpa em mim, não aceitaria isso de jeito nenhum!

 

— Remova essa porcaria do meu avental! Agora mesmo! — quando ele me entregou o avental ouvi risos, estavam se divertindo vendo eu me ferrar.

 

— Não! Eu não fiz isso! — protestei, tentando devolver o avental. Parei de respirar quando ele se aproximou de mim, foi como um boi raivoso, precisei virar o rosto, enquanto sentia sua respiração quente próxima de mais.

 

— Perguntei? Faça o que eu disse! — revirei os olhos, puxando todo ar que pude para meus pulmões. Fechei uma das mãos com força, eu queria socá-lo até me pedir desculpas, mas sabendo que não poderia fazer isso, caminhei furiosa levando a porcaria do avental até o banheiro.

 

Senti um calor por todo meu corpo, era meu ódio crescendo por aquele cozinheiro desgraçado. Liguei a torneira, enfiando o avental na pia, porém, quanto mais esfregava manchava o dobro. Me olhei no espelho, meu rosto estava avermelhado, soquei a parede. Meu pressentimento que algo ruim aconteceria, estava fazendo sentido, Lorenzo era minha penitência, devido a alguém que aprontou com ele, eu estava sofrendo uma injustiça.

 

— Ofenderam o rei do inferno ao compará-lo com esse escroto do caralho! — resmunguei, abrindo um pouco mais a torneira da pia. A mancha tinha que sumir, mesmo que minhas mãos ficassem ardendo.

 

Desde aquele momento percebi que eu era a bola da vez. O saco de pancadas do esnobe arrogante. A Garcia aos pés do seu superior, babaca, mas não seria assim, não deixaria ninguém me pisar, mesmo precisando do emprego.

 

[...]

 

Passei um sufoco até conseguir remover todo o desenho do avental, quando finalmente consegui comemorei pulando com ele em mãos.

 

— Você é a melhor! — afirmei, algumas palavras de motivação, antes de sair do banheiro com o avental ainda molhado.

 

Parei por momento para observar meu carma brigando com um dos ajudantes de cozinha. Por que ninguém mandava ele para puta que pariu? Nunca tinha visto uma pessoa tão horrível assim com todo mundo. O ajudante se afastou dele de ombros caídos. Torci meu nariz enquanto me aproximava do poste ambulante, jogando em seguida o avental na sua cara.

 

— O que é isso? — eu sabia que ele estava reclamando do avental estar molhado, contudo, finge não saber.

 

— Seu avental. Já esqueceu o que é um avental, senhor? — comecei a provocá-lo.

 

— Está molhado! Dê um jeito de secá-lo! — ordenou jogando o avental na minha cabeça, tampando minha visão. Quando tirei aquele avental do meu rosto, vi um sorrisinho de deboche em seus lábios, meu sangue subiu na hora.

 

— Vou pôr para secar nos teus… — não completei a frase porque lembrei que não estávamos a sós. — Quero dizer que vou dá um jeito pro senhor que é tão bondoso, sempre gentil com todos! — falei sarcástica.

 

Fiquei mentalmente imaginando as piores torturas que gostaria de praticar contra ele. Pensar que estava esfregando meus pés sujos em sua cara até me fez sorrir, porém, a minha realidade era outra naquele momento, como precisava obedecer às ordens dele, logo dei um jeito de secar seu avental. Após ter cumprido a missão, ele me obrigou a levar o lixo para fora, também me fez cortar cebolas, e ficou o tempo inteiro resmungando que eu estava fazendo tudo errado. Eu não era uma de suas ajudantes na cozinha, meu trabalho era servir e não me envolver nos pratos dos clientes.

 

Quando a faca estava na minha mão direita, senti vontade de acidentalmente enfiar em um dos seus olhos. Nunca havia passado por tanta raiva na vida. Ouvi tanto absurdo que perdi quase a razão, mas acabou tudo bem, porque eu soube conter meu impulso agressivo. Após estar muito cansada, e contar os minutos de ir embora, foi quando consegui respirar.

 

Bem quando eu estava indo para o trocador, uma das garçonetes me puxou pelo braço até o banheiro, era aquela mulherzinha de novo, seu nome era Petra, no entanto, deveria ser fifi, ela tinha cara de cadela!

 

— Qual é a sua novata? Tá querendo ganhar a simpatia do senhor Rivera? Quer seduzir ele? Pode esquecer porque um homem como ele nunca te olharia! — me soltei dela. Quem era ela para me tratar daquela maneira?

 

— Estou aqui para trabalhar, caso não tenha percebido! Tem espelho em casa não? Não somos ninguém nesse lugar, só recebemos ordens e devemos obedecer. Se quer abrir as pernas pro cozinheiro, faça isso e não me coloque nos seus dramas! — falei tudo que estava pensando, ela riu e me empurrou em seguida.

 

— Não nasci ontem, com certeza tá de caso com ele! Não engoli essa de que o dono do restaurante puniu o seu melhor chef de cozinha. Isso nunca aconteceu antes. Aí uma coisinha, feito você, aparece em nossas vidas, e ele tem que te tratar com atenções especiais.

 

Ela estava cega de ciúmes, porque o tipo de atenção que eu estava ganhando dele era tortura. Não consegui me controlar, agarrei seus cabelos tingidos de ruivo, puxei com tanta força, sem dó algum.

 

— Não tenho caso com ninguém minha filha! — falei esbravejando enquanto ela gritava.

 

— Socorro! Estou sendo atacada! — um tufo do cabelo dela veio na minha mão. Quando ela tentou fugir de mim, escorregou perto da pia, caindo de pernas abertas no chão. A visão que tive foi de queimar os olhos, enxerguei os pelos saírem pelos lados da calcinha dela.

 

— Cadela! Nunca mais me acuse! — mostrei o dedo do meio para ela, antes de sair pela porta como se nada tivesse acontecido.

 

Eu estava orgulhosa porque colocara a fulaninha no seu lugar, mas meu sorriso morreu quando esbarrei em Lorenzo.

 

— Parabéns, senhorita Garcia! — ele disse batendo palmas, talvez estivesse ouvindo o barraco atrás da porta. — Pensa que eu não sei o que fez? Se houver uma próxima vez, não serei tolerante!

 

Senti uma angústia no meu peito, se ele queria me intimidar conseguira. Abaixei a cabeça e caminhei para longe sem olhar para trás.

 

[...]

 

Para aliviar o que estava sentindo, não voltei diretamente para casa, desviei o caminho, entrei no primeiro barzinho que vi.

 

— Um brinde, para a mais azarada de todas, eu, claro! Continue arriscando seu novo emprego, sua idiota… — resmunguei virando o copo de vodka na boca. Eu estava sentada em uma das mesas, literalmente na mesa, não sei porque fiz aquilo, apenas fiz.

 

Ouvir música de sofrência só me dava mais vontade de me embriagar. Olhei pro meu uniforme, e comecei a chorar, talvez eu perdesse mais um trabalho em breve, por causa daquela mulherzinha havia deixado minhas roupas no restaurante, saí de uniforme.

 

Passei aproximadamente quatro horas naquele local, quando decidi ir embora estava tropeçando nos meus próprios pés, não consegui ir muito longe, vomitei na calçada, não estava acostumada a beber daquele jeito.

 

— Sujou um pouquinho… — falei encarando a camisa suja de vômito.

 

Minha visão estava embaçada, cocei os olhos e chorei em seguida.

 

— Sou mesmo uma amaldiçoada! — bati minha mão contra meu peito três vezes e continuei falando sozinha. — Eu deveria estar morta, nada de bom restou de mim, nada!

 

Gritei chamando atenção das pessoas ao meu redor, porém, ninguém parou para perguntar se eu estava bem. Tirei a camisa ficando somente de sutiã. Quando passei a mão nas minhas costas, senti a cicatriz, ela estava marcada na minha pele, pra mim nunca esquecer a tragédia que levou meus pais. Não dei importância naquele momento que as pessoas vissem aquela maldita cicatriz. Caminhei até o ponto de ônibus, me aproximei sentando no banco em seguida, as pessoas que estavam lá me olhavam torto.

 

— Você viu? — um rapaz disse cutucando seu amigo do lado.

 

— Uma pena, tão linda e assim. — eles estavam falando de mim, eu não tinha dúvida.

 

Me senti constrangida, então coloquei de volta a camisa suja de vômito. Estavam sentindo pena de mim devido à cicatriz, mas eu não queria a compaixão de ninguém.

 

Antes do ônibus estacionar, fiquei observando as estrelas no céu, estava com o choro engasgado na garganta. Quando o ônibus chegou, eu saí correndo passando na frente de todos, e peguei um lugar para sentar, respirei ofegante, queria descansar um pouco, antes de pegar mais um ônibus para chegar no meu apartamento.

 

Não conseguia esquecer a atitude autoritária daquele cozinheiro, ele estava perturbando meus pensamentos. Bati minha cabeça de leve no vidro da janela do ônibus.

 

— Não quero te levar comigo. — murmurei, fechando meus olhos.

 

Eu sentia vontade de socar aquele rosto perfeito e tirar seu sorriso de cínico. Lorenzo era tão irritante, ele precisava de alguém para lhe dar tudo que realmente merecia, e eu queria ser essa pessoa a lidar uma lição.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo