Capítulo 3

POV do Connor

Um dia antes

Os Jones são donos não só do país, minha família possui filiais espalhadas pelo mundo todo. Meus pais são donos de oficinas e lojas de peças para carros de luxo e garagens para a venda dos próprios carros espalhadas pelas maiores capitais, o que me garantiu uma vida confortável financeiramente e insuportável emocionalmente. Mas aprendi a lidar com isso muito bem.

Aos vinte e um anos, eu já havia desistido de receber qualquer tipo de afeto vindo de minha família ou interesse em conhecer quem era seu filho de verdade. E se nem minha família se importava com a minha personalidade, sonhos e paixões, apenas com minha capacidade ou falta dela de fazer mais dinheiro, as outras pessoas muito menos.

Amigos? Relacionamentos? Por puro interesse. Mesmo que eu me envolvesse e cercasse de pessoas com muito dinheiro, tudo que importava para elas era isso: O dinheiro. E de qualquer maneira, nenhuma delas tinha tanto quanto os Jones.

No mundo dos ricos, era normal que todos desfilassem com conversíveis e roupas de grife. Mas todos sabiam quem era dono ou herdeiro de qual império e quanto mais dinheiro se tem, mais dinheiro se quer. Quanto mais fútil se é, mais vazio tende a ficar. Inevitável.

"Connor, querido, você pode ser o rosto de nosso evento para o novo lançamento da Mercedes amanhã?" Minha mãe pergunta no jantar.

Significa que o modelo famoso que eles contrataram teve algo parecido com a morte para não poder comparecer, considerando o dinheiro que iria ganhar e eles vão usar do meu rostinho bonito e gratuito em cima da hora. Ao menos, é o que acham, porque eu estou me mandando daqui pelo máximo de tempo que eu puder em busca de paz bem longe de Las Vegas e dos Jones.

"Não, mãe, eu não posso, sinto muito." Eu só sentia muito pela discussão que viria a seguir.

"Com licença? Como assim, não pode? O que meu filho teria de mais importante que não pode ser adiado? Tem alguma vadia para comer, por acaso? A dispense." Meu pai manda. Ele não poderia estar mais longe da verdade e de quem era o filho dele de verdade.

"Não há nenhuma garota. Mas amanhã eu não estarei na cidade." Explico, tentando manter a calma.

"Então cancele a viagem. Não me importa para onde vai, quando vai, como vai e o quanto gasta. Enquanto não amadurecer para tratar de negócios, sua obrigação é participar deles quando sua família precisar de você." Meu pai rebate.

"Filho, sei que pode remarcar com seus amigos e nosso sobrenome garante uma ótima hospedagem quando e aonde quiserem para todos. Não complique as coisas, por favor." Minha mãe pede, pousando a mão em meu antebraço, dando ênfase em seu pedido.

Ela quis dizer para não complicar as coisas para ela, que já precisava aturar meu pai sempre. Era o que eu sempre fazia, priorizava a paz da minha mãe por ela ser apaixonada e cega pelo meu pai para que ela não precisasse sofrer com os surtos dele. E a minha paz que se ferrasse.

Seria a última coisa a se fazer pelos meus genitores. Depois disso, antes mesmo do evento acabar, eu pegaria as minhas coisas e me mandaria para bem longe, morando em uma casa confortável em Florence, cercado pela natureza, finalmente em paz para poder ler os meus livros e apreciar músicas, minhas verdadeiras paixões. Vou poder dedicar meu tempo a tocar instrumentos sem ninguém me enchendo o meu saco.

"Ótimo. Eu participo e depois volto a bancar ricos menos ricos que nós e comer vadias sem nem precisar pagar nada além de uma bebida. Volto para a minha vida super tranquila pela visão de vocês sem mais nenhum compromisso." Faço uma careta.

"Não é só a nossa visão, é a realidade. Você sempre foi assim, nunca serviu para nada além de seus passatempos e causar problemas. Se aquele maldito acidente não tivesse acontecido, quem sabe você fosse diferente." Meu pai rebate.

"Richard. Basta. Os dois." Mamãe manda. Assunto proibido.

Eu trinco a mandíbula, me controlando para não explodir, só precisava aguentar até a noite do próximo dia e estaria livre dos Jones e de toda a merda que os acompanhava. O acidente. O maldito acidente, nisso meu pai tinha razão. Foi maldito e a culpa foi minha, seria o maior peso, o maior fardo que eu carregaria pelo resto dos meus dias infernais na Terra.

Por isso sempre que eu corria com os demônios do asfalto, os responsáveis pela riqueza da família, os monstros que rugiam anunciando o perigo, eu ansiava por correr. A cada ronco do motor, cada marcha passada e quilômetro alcançado. A música me trazia a tranquilidade que eu nunca tive. Os carros me traziam a adrenalina necessária para dissipar toda a tensão e estresse carregados desde o berço.

Meu único e maior arrependimento era ter ferido alguém que estava sentado no banco do carona enquanto eu pilotava com o álcool circulando no sangue e dominando a mente. Meu primo Erick, que eu considerava um irmão. Nós dois nos ferimos, mas ele muito mais. Nunca me deu o perdão e eu também nunca me perdoei pelo ocorrido.

"Vou para o quarto. Já conseguiram o que queriam de mim." Falo me levantando e dando as costas, de saco cheio de tanta merda por tantos anos.

No quarto, faço alguns telefonemas para todos que iriam participar da mudança, só queria ir embora daquela casa assombrada por uma família que se odiava e um fantasma que nunca iria embora da minha mente, mas cada canto que eu olhava me atormentava cada vez mais, lembrando da época em que Erick ainda me visitava a aturava.

Uma coisa que ninguém conta sobre a culpa é que esse inferno nunca acaba. Nunca te abandona, nunca vai embora. Você se odeia para sempre, o desprezo por si mesmo só aumenta cada vez mais, mesmo que você finalmente pare de fazer merda em algum momento, nada mais importa.

Se esconda do mundo, fuja da realidade, da família, dos amigos que nunca teve, nada mais importa, ninguém mais importa. Você sempre vai odiar viver dentro da própria mente e seu coração vai estar em mil pedaços destruídos porque você é um babaca, você foi um babaca. Você se acostuma a conviver com a culpa e suportar sem extravasar, sem chorar em público, bater em alguém, estar mais tempo caindo de bêbado do que sóbrio. Você aprender a suportar sozinho.

Todo aquele dinheiro trazido pelos mesmos carros infernais que me ajudaram a perder a amizade do meu primo não me ajudariam a trazer ela de volta. Então que se dane tudo. Preciso me curar de uma vida inteira de sofrimento e nunca vou conseguir chegar ao céu estando no coração do diabo. Não que eu mereça o céu, sei que mereço ser castigado por meu crime. Se eu não fosse filho de quem sou, eu estaria na prisão.

Minha mudança estava acertada para o novo horário e eu só precisava cumprir o meu papel, sorrir e acenar, seguir todos os passos até estar sozinho. Não quero dinheiro. Não quero amigos. Não quero mulheres. Quero um pingo de paz longe de todo mundo, sei que nunca serei abençoado com nenhuma dádiva até chegar o momento de pagar todos os meus pecados no inferno. Então que possa aproveitar os últimos momentos da vida rodeado pelas belezas da natureza e da arte humana.

O casal que me vendeu a casa, Annie e Frank, iriam me entregar as chaves na tarde do dia seguinte. A papelada havia sido resolvida pelos meus advogados. Tudo que eu precisava fazer era seguir o plano, manter a pouca calma que me restava e esperar.

Abro o computador e pesquiso pelo nome da minha distração do momento favorita: Victoria Evans. A escritora sem rosto que atualizava suas histórias online havia postado um novo capítulo de seu romance. Era meu segredinho. O único segredo guardado que não era um dos sujos.

Eu era apaixonado pela narrativa da garota, pela sua forma de expressar sentimentos e me perguntava como era possível uma garota tão extraordinária existir a ponto de escrever obras de arte tão inspiradoras. Se eu já ia para o inferno de qualquer maneira, poderia aproveitar aquele pequeno pedaço de céu escrito pela garota com seu dom encantador.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App